Técnicos

Por que é injusto dizer que Giovanni Trapattoni ‘é só catenaccio’

Enquanto jogador, Trapattoni pouco mudou de clube. Só virou a casaca uma vez, já no fim da carreira, quando trocou o Milan pelo Varese, onde jogou apenas dez jogos entre 1971 e 1972. Durante sua longínqua carreira de treinador, no entanto, a história é bem diferente. Passando por Milan, Juventus, Inter, Fiorentina, Cagliari, Bayern de Munique, Benfica, Stuttgart e Salzburg, além das seleções italiana e irlandesa, Trapattoni tornou-se um dos treinadores mais vitoriosos do futebol mundial. E o mais vitorioso do futebol italiano: ninguém venceu mais scudetti do que ele, que abocanhou sete.

Iniciou sua carreira, em 1974, treinando o setor jovem do Milan. Na mesma temporada, após a demissão de Cesare Maldini, assumiu interinamente o comando da equipe principal, onde permaneceu por pouco tempo, dando lugar a Gustavo Giagnoni. Ficou no Milan até o ano de 1976, quando o corajoso Giampiero Boniperti, então presidente da Juventus, ofereceu um dos cargos mais prestigiados da Serie A para o jovem de apenas 37 anos. Trapattoni não hesitou e mostrou o grande treinador que viria a ser já em sua primeira temporada no clube, conquistando o Campeonato Italiano e a Copa da Uefa.

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Trapattoni celebra o primeiro título da Copa dos Campeões da Juventus (imago/Buzzi)

Começava ali uma vitoriosa passagem por Turim. Durante seus dez primeiros anos à frente da equipe bianconera, conquistou 6 scudetti, 2 Copas da Itália, uma Copa da UEFA, uma Liga dos Campeões, entre outros. Essa longa parceria foi, na época, um bom exemplo de que até mesmo no futebol italiano era possível estabelecer um bom e duradouro relacionamento entre técnico e dirigente, planejando a temporada e conciliando as necessidades táticas com as orçamentárias.

Em 1986, se transferiu para a Inter, vencendo mais um Campeonato Italiano, uma Supercopa Italiana e outra Copa da UEFA. Em seguida, voltou para a Vecchia Signora, onde se tornou o maior vencedor da Copa da UEFA, quando a venceu pela terceira vez, na temporada 1992-93, superando Luis Molowny, bicampeão com o Real Madrid.

Trap levou energia costumeira para a Inter e angariou recordes com o time nerazzurro (imago)

Sem Boniperti no poder, a parceria técnico-dirigente já não era mais a mesma e apenas uma conquista em quatro anos não foi suficiente para mantê-lo no comando. Começava ali a carreira de Trap fora da Itália.

Foi na Alemanha, em 1994, que estreou em solo estrangeiro e percebeu que a vida fora da bota não seria fácil. Só na sua segunda chance em terras germânicas, no mesmo Bayern de Munique, em 1996, após breve passagem pelo Cagliari, Trap reencontrou o caminho das vitórias. E levou logo tudo que podia: o Campeonato Alemão 1996-97, a Copa da Alemanha 1997-98 e a Copa da Liga Alemã de 1997.

Mais pobre, segunda experiência do milanês na Juventus só rendeu um título da Copa Uefa (imago)

Somam-se ainda ao vasto currículo do treinador a belíssima campanha que fez com a Fiorentina na temporada 1998-99, quando, depois de 30 anos, voltou a classificar os viola para a Liga dos Campeões e mais dois títulos nacionais: um Campeonato Português com o Benfica (2004-05) e um Campeonato Austríaco, pelo Salzburg (2006-07).

As táticas por trás dos títulos
Discípulo de Nereo Rocco, famoso por suas táticas defensivas que marcaram o calcio nos anos 1960, Trapattoni desde cedo absorveu as cartilhas do catenaccio e foi considerado um representante da velha escola italiana. Porém, é injusto classificar o treinador de maneira tão simplista e taxá-lo de retranqueiro.

O italiano comandou Matthäus na Inter e no Bayern (Bongarts/Getty)

Quando assumiu a Juve, em 1976, o debate tático do futebol italiano estava no auge. A velha escola de Rocco e Viani de um lado, e do outro, o futebol moderno de Fulvio Bernardini, que venceu dois scudetti, com Fiorentina e Bologna, jogando um futebol mais aberto, utilizando-se de meias técnicos e abrindo um pouco mão da defesa. Preferindo passar ao lado do debate, Trapattoni apenas escutou e foi formulando sua própria ideologia.

Em seus primeiros anos de Juventus, o técnico formou uma equipe sem grandes estrelas, em que a vontade e a aplicação dos jogadores, esquematizados no 4-3-3 sem um regista clássico, prevalecia. Montou um meio-campo forte com as presenças de Benetti, Furino e Tardelli e uma defesa muito poderosa na marcação. Na lateral esquerda, lançou o jovem Cabrini, que com boas investidas ofensivas, não demorou a chegar na seleção. No ataque, o entrosamento entre Causio, Boninsegna e Bettega incomodava os adversários. Com o espírito imposto por Trap, a Juve venceu sua primeira competição europeia, a Copa da UEFA, em 1977.

Trap (esq.) chegou a comandar o Cagliari no início dos anos 1990 (HG Mercurio)

A partir dos anos 80, com a reabertura das fronteiras e a volta de jogadores estrangeiros para a Itália, Trap resgatou a função de regista. Porém, ao contrário do que parecia, começava a era mais defensiva da equipe bianconera. Para compactar melhor o time, recuou do 4-3-3 para o 4-4-2, o que rendeu famosas discussões com Platini, que preferia uma postura mais agressiva.

Foi somente na sua passagem pela Inter, no entanto, que Trapattoni encontrou a forma ideal para seu 4-4-2. Formando uma primeira linha de contenção no meio-campo, com volantes de bom desarme e marcação, e aproveitando-se de Brehme, Matthäus e Berti para a boa condução da bola no meio, a Inter sagrou-se campeã do scudetto de 1988-89, com recorde de pontos.

As passagens pelo Bayern foram turbulentas, mas importantes para Trap (Bild)

No seu reencontro com Matthäus, no Bayern da segunda metade dos anos 90, Trap alternou entre o 3-5-2 típico da escola alemã, e o velho 4-4-2. Porém, foi a personalidade do italiano que conquistou os alemães e conduziu o time de Munique a mais um Campeonato Alemão, em 1996-97, e uma Copa da Alemanha, em 1998.

Na sua volta à península, quando treinou a Fiorentina, Trap mostrou sua capacidade de se adequar às novas tendências de cada época. Comandando os viola, o técnico usou um dinâmico 4-3-3, liderado por Rui Costa e Batistuta, que, na melhor fase da equipe, se transformou em 3-4-3 ou, na prática, em um 3-4-1-2. A boa fase levou a Fiorentina de volta a uma Liga dos Campeões, depois de 30 anos, e o técnico à seleção azzurra.

Na Fiorentina, com um Batistuta inspirado, o veterano chegou a flertar com o scudetto (imago/HJS)

À frente da seleção nacional, Trapattoni não foi o grande técnico que o consagrou. Confuso em suas escolhas, não conseguiu adequar o estilo de jogo de seus jogadores ao esquema tático da equipe, que, aliás, nunca foi muito bem definido.

Na Copa do Mundo de 2002, por exemplo, apresentou três esquemas diferentes em apenas quatro jogos. Sem um padrão de jogo definido, acabou eliminado precocemente, nas oitavas de final. O fim do seu ciclo na azzurra veio dois anos mais tarde, após a eliminação na primeira fase da Eurocopa 2004.

Trapattoni foi o técnico da Itália na fatídica Copa de 2002 (imago)

Depois de uma frustrada passagem pela seleção, Trapattoni voltou a treinar clubes e reencontrou a velha forma. Em sua passagem pelo Benfica, conseguiu tirar o clube de uma fila de mais de 10 anos sem ganhar o Campeonato Português e tornou-se ídolo por lá. Assim como na Áustria, onde levou o Salzburg ao título e conseguiu a façanha de conquistar seu décimo campeonato nacional, em quatro países diferentes. Agora, Trap luta para levar a Irlanda à Copa da África, em 2010. Nas eliminatórias europeias, a seleção ocupa a 2ª colocação do Grupo 8.

Giovanni Trapattoni
Nascimento: 17 de março de 1939, em Cusano Milanino, Itália
Clubes: Milan (1974-76), Juventus (1976-86 e 1991-94), Inter (1986-91), Bayern de Munique (1994-95 e 1996-98), Cagliari (1995-96), Fiorentina (1998-2000), Benfica (2004-05), Stuttgart (2005-06) e Salzburg (2006-08).
Seleções: Seleção italiana (2000-04) e Seleção irlandesa (desde 2008).
Títulos nacionais: Campeonato Italiano (seis pela Juve e um pela Inter); Coppa Italia (Juventus); Supercoppa Italiana (Inter); Campeonato Alemão, Copa da Alemanha e Copa da Liga Alemã, pelo Bayern de Munique; Campeonato Português (Benfica) e Campeonato Austríaco (Red Bull Salzburg).
Títulos internacionais: Copa da UEFA (duas pela Juve e uma pela Inter); Recopa UEFA, Supercopa UEFA, Copa dos Campeões e Copa Intercontinental, pela Juventus.

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4 comentários

  • Pois é, já completou 1 ano sem treinar e pelo visto vai continuar assim mais um tempo.
    Em entrevista ao Corriere, semana passada, ele disse que só aceita proposta de time que tenha um grande projeto. Admitiu que talvez os times grandes não o queiram por causa das suas declarações polêmicas e tentou se defender dizendo que é sincero, fala aquilo que pensa.
    Acho que o mercado na Itália tá fechado pra ele. O problema é que, exigente como é, só sai se for para um grande europeu.
    Enquanto isso, fica esquecido por aí. Devia mesmo ter a coragem do Trapattoni e treinar um time mais modesto um pouco pra tentar recuperar o prestígio.

  • Quero fazer aqui uma sincera homenagem (sim, porque mais não tenho categoria para o fazer …) ao bom nome e à competência deste grande Senhor do futebol. Foi prejudicado mais uma vez assim como a sua equipa da Irlanda. A França teria de passar. É a lei do mais forte. Mas, para nós, fica o saber, a educação, o fair play deste grande Sennhor do futebol. Não aquilo que a FIFA apregoa, nem o que o seu presidente "zurra" … Parabéns Sr. Geovani Trapatoni. Um grande bem-haja para si e toda a sua exelentíssima família. Um abraço deste seu humilde seguidor
    Lopes Pereira

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