Extracampo

Gene Gnocchi e o futebol cômico

Eugenio Ghiozzi é advogado de formação, mas ganhou fama como um multifuncional: sob a alcunha de Gene Gnocchi (lê-se nhóqui mesmo), ele é humorista, apresentador, cantor, escritor e ator. Comediante desde a década de oitenta, sempre esteve próximo ao futebol. Se na juventude ele chegou a defender a Alessandria, na Serie C, o ano de 2007 fez do humorista o atleta mais velho em toda a história da Serie A.

Foi através do Quelli che il calcio e…, de onde costumava soltar seus comentários sarcásticos, tal qual “O Parma se diz interessado no empréstimo de Adriano. Como de costume, não quer perder o melhor presunto da época”, que Gnocchi realizou, em novembro de 2006, um apelo bastante curioso – o de ser aceito por qualquer clube da Serie A. Ei-lo, em tradução livre:

Isso não é uma piada. Eu, Gene Gnocchi, 51 anos, em plena posse (ou quase) das minhas faculdades mentais, peço que uma equipe da Serie A me contrate e me faça jogar, nem que por apenas cinco minutos, antes do fim do campeonato. Estou disposto a superar qualquer teste psico-físico-atitudinal dentro e fora do campo. As razões para esta decisão são essencialmente cinco e todas exemplares, dotadas de inatacável calibre moral:

1 – O futebol é levado a sério demais. O time que decidisse me fazer jogar demonstraria um sentido de ironia ao menos equiparável àquele de Maurizio Mosca (polêmico ex-apresentador), quando defende pela enésima vez que o Ascoli já contratou Kaká;
2 – O futebol precisa de uma cara nova; de alguém que quando está em campo passe um recado às pessoas: ‘com certeza não é da Gea’
(empresa de Luciano Moggi, parte do Calciopoli);
3 – A conquista da Copa do Mundo levou o futebol italiano ao apogeu, mas na Europa continuam dizendo que aqui há pouco espetáculo: pronto, eu sou o cara certo;
4 – Sempre sonhei  com uma velina
(como se chama uma dançarina do programa Striscia la notizia) no jantar, olhando em meus olhos após ter me visto em campo, dizendo: “Te acho muito atraente mesmo não sabendo sua ocupação”;
5 – Se o Bettarini
(Stefano, ex-zagueiro; atuou em vários clubes da Serie A e se aposentou em 2005) tem um programa na TV no domingo à tarde, por que eu, no mesmo horário, não posso jogar na Serie A? Ontem no Quelli che il calcio e… já aderiram à campanha Marcello Lippi, Cristiano Lucarelli e Attilio Tesser. Se você quer demonstrar seu apoio, ou é um clube que pretende me contratar ou me testar, escreva-me. Juntos podemos mudar.

Parece absurdo, mas o pedido deu certo. Em março de 2007, Gene Gnocchi virou Gnoccão – alusão às nomenclaturas de jogadores brasileiros – e assinou com o Parma pelo salário mínimo permitido a um futebolista, 1.500 euros por mês. Trajando a camisa número #52, referente à sua idade, o humorista foi acolhido por Tommaso Ghirardi e apresentado a Claudio Ranieri, então treinador dos crociati, numa coletiva bastante animada.

Nem tudo deu certo nessa história bizarra. O Parma lutava para não cair e não pode se dar ao luxo de fazê-lo entrar em campo. A festa terminou – ou teria começado – quando Gnocchi disputou um amistoso contra a Carpenedolo, ao fim da stagione. O comediante, olhe só, foi meio-campista. Apesar de confirmado para a temporada seguinte – chegou a figurar no Fantacalcio, o Cartola de lá – Gnocchi não disputou nenhuma partida oficial.

Com o sonho parcialmente realizado, o humorista largou a ideia de estrear na Serie A, até que o Genoa, em 2009, propôs a mesma iniciativa antes tomada pelo Parma, e Gnoccão, agora trajando a camisa #54, assinou por seis meses com a equipe promissora de Gian Piero Gasperini, Thiago Motta e Diego Milito. Diante da campanha ambiciosa dos grifoni, que atingiram a quinta posição, todavia, outra vez o comediante ficou de fora do campeonato. Sem graça, esses italianos.

Gene Gnocchi chegou a treinar com Bari e Napoli por um dia, mas sem grandes pretensões. O apresentador seguiu em sua área e trocou a Rai pela Sky, depois foi ao Canale 5 e hoje comanda L’almanacco del Gene Gnocco, de volta à Rai, e sempre acompanhado de muito bom humor.

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