Serie A

Nós trupica mas não cai?

Opa! Até quando faz gol e vence, Fiorentina não passa segurança e evidencia momento delicado (Getty Images)

Ontem eu joguei um baba – sinônimo de pelada, aqui na Bahia – e aconteceu um fato insólito. Dentre os cerca de 20 participantes, quatro vestiam camisas da Fiorentina. Todas de temporadas diferentes: uma, mais velha, de 1994, e as outras mais recentes. Será que todos os que vestiam a camisa sentem certa afeição ao time? Bem, que todos eles gostam pelo menos das cores de seu uniforme é difícil discordar.

Não há dúvidas de que o afeto por um clube possa nascer, inicialmente, pelas cores de seu uniforme. E, bem, roxo é bem chamativo. “Mas, olha, até que esse time violeta joga bem, não é?”, poderia se perguntar um qualquer que ligou a tevê em meados da década de 90 e viu o time de excêntrica cor social em campo. Eram tempos em que Rui Costa e Batistuta desfilavam classe e eram sinônimos de futebol vistoso e muitos gols. Muitos, vascaínos, passariam a seguir o time depois que Edmundo viajou para a Itália para fazer parte da trupe viola. Para outros, que começaram a acompanhar depois, talvez a admiração tenha surgido por causa do bom futebol praticado pela equipe treinada por Cesare Prandelli, com Vargas, Montolivo e Gilardino em grande fase, além de um Jovetic que já encantava. Por enquanto, esqueça tudo isso. Hoje, a Fiorentina é uma sombra do seu passado e passa pela pior fase desde que faliu e foi relegada à Serie D, no início dos anos 2000.

A crise não é recente e seu silencioso estopim aconteceu cerca de dois anos atrás, logo depois que a Fiorentina viveu seu grande momento internacional, quando retornava à Liga dos Campeões, em 2009-10. A equipe brilhou na fase de grupos e ficou em primeiro em um grupo com Liverpool e Lyon. Nas oitavas, quase eliminou o Bayern de Munique e caiu muito por causa de um erro crasso do árbitro Tom Ovrebo, que validou um gol absolutamente irregular de Klose, no jogo de ida, na Allianz Arena.

Pouco depois, a família Della Valle, que até hoje é acionista majoritária da sociedade viola, afastou-se da direção do clube. Ali, começavam a aparecer os primeiros indícios de que a Fiorentina seria abandonada pelos seus donos. Como relatávamos, em março de 2010, os irmãos Andrea e Diego della Valle se afastavam da alta cúpula de decisões do clube e continuariam a investir financeiramente no clube. O motivo? A falta de acordo com a prefeitura de Florença para agilizar trâmites burocráticos para a construção da Cittadella Viola, um empreendimento idealizado pelos dois para ajudar o clube a acumular mais dividendos. O plano era construir uma “cidadela” dentro de Florença, na qual tudo girasse em torno do clube, esportiva e comercialmente. Estavam previstos, por exemplo, a contrução de um novo estádio e de hotéis, lojas e galerias de arte.

Desde então, a Fiorentina está à deriva. O clube carece de um projeto sério, mesmo que menos ambicioso que o de temporadas atrás. O torcedor acostumou-se a ver uma equipe que batalhava para ser a quarta força do futebol italiano e que agia no mercado contratando alguns dos melhores jogadores dos times medianos. Vendê-los não era necessário. Com a falta de projeto, no entanto, peças importantes como Montolivo, Vargas e Gilardino perderam completamente a motivação de permanecer em Florença. Os três, em especial, começaram a jogar muito abaixo da forma demonstrada em anos anteriores, em um claro sinal de descontentamento. A performance do time caiu a partir da última temporada e a torcida começou a protestar bastante, vociferando principalmente contra a diretoria e contra o ex-capitão Montolivo, que já havia manifestado publicamente o desejo de deixar o clube em fim de contrato.

Sinisa Mihajlovic, então técnico da equipe – até ser demitido em novembro de 2011 e ser substituído por Delio Rossi – não tinha muito o que fazer. Ao contrário de Cesare Prandelli, seu antecessor, recebeu apenas três modestos reforços em cada janela, sendo vítima do processo que levou a Fiorentina de protagonista a coadjuvante nas janelas de transferência. Basta dizer que os principais reforços foram D’Agostino e Boruc – contratado para ser reserva de Frey, à época, mas titular durante a temporada por causa de séria lesão do francês.

Motivador, tentou unir o grupo em torno dos mais jovens e dos que recém haviam chegado ao clube, como forma de dar novo gás aos mais antigos. Tentou acalmar os ânimos, pedindo calma à torcida e afastando frutas podres, como Mutu, antigo ídolo da torcida que teve de se desculpar perante técnico e torcida para ser reintegrado ao elenco após caso de indisciplina. Mas outros jogadores, mesmo os recentemente contratados, já pareciam contaminados pelo sentimento de falta de futuro em estar ali. Aos trancos e barrancos, a Fiorentina chegou à nona colocação da última temporada e não empolgou ninguém. A não ser por lampejos de Cerci, na última temporada e em parte desta, e pela vontade de Jovetic em recuperar o tempo perdido pela lesão que o tirou de toda a campanha de 2010-11, assistir um jogo da Fiorentina era – e ainda tem sido – uma verdadeira tortura. Os protestos da torcida se intensificaram e até hoje são usuais. Antes da vitória no dérbi contra o Siena, no domingo, o time estava há quase dois meses sem vencer e a situação era crítica.

A solução encontrada, desde o início de 2011-12, parece ser desmontar a base que fez a Fiorentina atingir a parte alta da tabela. O primeiro a sair foi Frey, que recebeu boa oferta do Genoa. Entre dezembro e janeiro, chegou-se a especular que, de uma tacada só, Cerci (desmotivado por não se encaixar no esquema de Rossi e ser apreciado por Roberto Mancini, técnico do Manchester City), Vargas, Montolivo e Gilardino deixariam o time. Apenas o último saiu – e Montolivo sairá quando seu contrato encerrar, em junho.

Para piorar, o diretor esportivo Pantaleo Corvino, conhecido por fazer grandes negócios, começou a errar a mão e tem trazido reforços insignificantes para o time. Amauri (apesar das incertezas e do alto salário), Cassani e Lazzari foram boas contratações, mas Rômulo, Kharja, Munari, Silva e Olivera mais parecem um pacote de reforços para time que busca fugir do rebaixamento. Parece que, de fato, esse é o novo horizonte da Fiorentina. Falta, agora, que os donos saiam de sua reclusão e, francamente, anunciem isto à torcida.

O brusco redimensionamento de objetivos e nível de contratações não faz bem à nenhuma equipe acostumada com o ápice. O exemplo já foi dado na última temporada, pela Sampdoria. A equipe blucerchiata caiu muito de rendimento e foi rebaixada após jogar a Liga dos Campeões e vender Cassano e Pazzini em janeiro. O trauma ainda não foi digerido no ambiente do clube e a equipe dificilmente retornará à elite de imediato. Cair talvez não seja o destino da viola, mas é bom abrir o olho o quanto antes. A vitória no dérbi contra o Siena foi importante, mas dificilmente será um ponto de recomeço na trajetória viola caso não aconteça uma drástica guinada de postura por seus donos.

Se os Della Valle precisarem de uma dica de nova fonte de renda que ajude o clube a voltar aos melhores dias, não me faço de rogado, depois da experiência que relatei no primeiro parágrafo deste texto. Bem que os irmãos poderiam pensar em intensificar a distribuição de camisas do clube para boleiros da Bahia e de outras partes do mundo. Parece que todo mundo quer ter uma blusa roxa no guarda-roupa.

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2 comentários

  • Muito legal esse post sobre a Fiorentina, pura verdade, torço pra viola de Firenze desde 94 e ja vi muitos craques jogando la, mas realmente assistir a um jogo viola hoje da tédio mesmo quando o time consegue um bom resultado como o 3×0 sobre a Roma esta longe de convencer, da pena do JoJo carregando o time todo nas costas. Parabens a todos vocês pelo site/blog, é sensacional, disparado o melhor em português sobre o calcio, conheci a pouco tempo e todo dia entro aqui, sou brasileiro mas apaixonado pela italia e pelo futebol italiano. Um abraço viola. Sergio Santos.

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