Serie A

E se Zidane não tivesse ido para o Real Madrid em 2001?

Ao fundo, uma aeronave da Alitalia decolava para destino desconhecido. A mesa com seis lugares no aeroporto de Caselle era preenchida por dirigentes blancos e bianconeri. O Real Madrid queria sair de Turim com a certeza que Zinédine Zidane jogasse no Santiago Bernabéu a partir da temporada de 2001-02. Florentino Pérez, presidente, e o diretor esportivo Jorge Valdano gesticulavam, analisavam e pechinchavam. Umberto Agnelli estava sentado ao lado de sua tríade de diretores naquela manhã ensolarada. Antonio Giraudo e Luciano Moggi eram a favor da venda do franco-argelino, duas vezes eleito melhor jogador do mundo. Roberto Bettega e o presidente honorário da Juventus eram contra.

A reunião durou pouco mais de duas horas, e Pérez e Valdano voltaram para a Espanha de mãos vazias. Aliás, mãos vazias é somente um modo de expressão, pois deixaram de gastar 75 milhões de euros no meio-campista. Mas frustrados, certamente. Chateados porque Zidane seria o complemento ideal a Figo. Talvez o Real Madrid até sonhasse ainda mais alto contratando, sei lá, Ronaldo ou David Beckham…? Fato é que Zidane estava feliz em Turim, cidade que tanto o acolhera nos últimos seis anos. Ele queria continuar a jogar ao lado de Del Piero, Conte, Davids, Ferrara e Trezeguet.

Sem a dinheirada, a Juventus pouco se movimentou naquele mercado. A imprensa especulava a assinatura de Enzo Maresca, do Bologna. Nada feito. Amoruso foi rejeitado de última hora e permaneceu no Napoli. Quem chegou mesmo foram duas figuras da Lazio: Pavel Nedved e Marcelo Salas. Do Parma, o zagueiro Lilian Thuram.

A Serie A começou com o pé direito ao golear o Venezia, em Turim, por 5 a 0. O ano, contudo, começava num 18 de setembro. Era o reencontro de Zidane com a torcida, pois ficou fora dos primeiros jogos da temporada por conta de uma lesão no tornozelo – nada grave. Aquele embate no Delle Alpi, contra o Celtic, valia muito para o meia. Ele, cerebral, melhor do mundo. Campeão do mundo. Nunca fora à decisão do torneio europeu de clubes. Gana e vontade. Dois gols – um deles, um petardo de fora da área – e uma assistência para Marcelo Salas. A época não podia ter começado de forma melhor.

Em janeiro, Real Madrid, então terceiro colocado do campeonato espanhol atrás de Valencia e Salamanca, fez nova abordagem por Zizou. 90 milhões de euros. Veto imediato. A Juventus sabia que não precisava desse dinheiro – não naquele momento. Dentro de campo, a Velha Senhora continuava sendo um rolo compressor: venceu a Roma no Olímpico, bateu a Fiorentina, fora, e atropelou o Milan, em Turim, antes do duelo decisivo pelas quartas-de-final da Liga dos Campeões ante o Deportivo La Coruña. A Juve precisava de dois gols de diferença para avançar de fase. Zidane, em raro momento de fragilidade, fez uma partida horrenda e foi substituído por Antonio Conte. Destino ou não, ele marcou o primeiro e deu passe para Trezeguet subir mais que Goran Djorovic e decretar a classificação no Riazor.

Os bianconeri conquistaram o 26º scudetto após ganhar da Udinese, no Friuli. A temporada em território nacional, espetacular, fez com que Zidane ganhasse novamente as manchetes da Europa. Jornalistas clamavam: o meia tinha de estar entre os três melhores jogadores do mundo novamente. A resolução do “imbróglio” se deu em Old Trafford, na final do torneio europeu contra o Manchester United. De um lado, Zizou; do outro, van Nistelrooy – outro potencial vencedor do prêmio da Fifa.

Del Piero colocou a Juventus em vantagem. Minutos depois, porém, Giggs empatou – com uma ajudinha de Thuram e Buffon. A primeira etapa ainda rolava quando, nos acréscimos, Nedved recebeu de Davids, ergueu a cabeça e passou por Verón. Gary Neville avançava no corredor para conter o tcheco, mas não conseguiu: o Diabo Loiro tabelou com Del Piero, foi ao fundo e cruzou.

Os dois segundos que a bola levou para chegar à meia-lua, na verdade, foram uns dois minutos. Sete minutos. 21 minutos. Minuto Zizou.

Sir Alex Ferguson, à beira do gramado, chama Solskjaer. Briga com o atacante norueguês. O técnico não quer que ele volte tanto para receber a bola. Grita para Solskjaer: “manda Scholes carregar mais a bola, porra!”. Van Nistelrooy, entre Thuram e Iuliano no círculo central, olha a trajetória da bola. Assim como Blanc e Brown na área do time inglês. Butt, sem dúvida, consegue aliviar o perigo, pensavam os zagueiros. Ele, o volante, é o jogador mais próximo daquele atleta juventino. Com o braço esquerdo levantado, Barthez espera pelo pior. Talvez o único vivente do United que vira aquele atleta juventino. Atleta juventino. Zidane. Da meia-lua. Bola, perna esquerda. Voleio e ângulo.

Silêncio sepulcral em Manchester.

O gol, golaço, entrou para a história do torneio. O mais belo das finais europeias. Além disso, a Juventus era coroada tricampeã: 1985, 1996 e 2002. Todo torcedor se lembra daquele time: Buffon, Zambrotta, Thuram, Iuliano e Pessotto; Zidane, Tacchinardi, Davids e Nedved; Trezeguet e Del Piero. O único prêmio que Zidane não conseguiu naquele belo verão do novo século foi o de melhor do mundo. A França foi eliminada na repescagem para a Copa do Mundo pela Armênia, e o meia viu Ronaldo ser eleito “o cara” pela terceira vez.

Foi naquele julho de 2003 que Jorge Valdano fez a última abordagem pelo franco-argelino. A derradeira. O Real Madrid, de Ronaldo, pagaria 120 milhões de euros. A equipe espanhola, a mais rica do mundo, batia o pé, pois queria o cerebral meia no Santiago Bernabéu. Naquele mês, os blancos já tinham acertado contrato com Michael Owen, Juan Román Riquelme, Roy Keane, Jaap Stam e Cafu. Ciao, Zizou. Seis anos de Juventus, cinco scudetti, quatro Coppa Italia, quatro Supercoppa Italia, uma Liga dos Campeões e um Mundial Intercontinental.

As lágrimas verdadeiras escorreram no rosto do campeão no salão de embarque do aeroporto de Caselle. Ele fez sua própria História na Itália. Deu sangue, deu passe para gol, fez gol. Ganhou títulos. Concedeu shows aos que o viram jogar – in loco ou não. Torcedores comemoraram. Choraram. Zizou imortalizou a camisa 21 listrada em preto e branco.

Texto sobre uma “realidade alternativa”. Versão revista a partir do original publicado no Balípodo, de Ubiratan Leal, em abril de 2007.  

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5 comentários

  • Muito legal. Mas as contratações de Buffon, Thuran e Nedved só foram possíveis graças às vendas de Zidane e Inzaghi. Teria sido espetacular se todos pudessem ter jogado juntos na Juve. Grande abraço. Marcos.

  • Exatamente, Marcos. A verdade é que a venda do Zizou encerrou um ciclo e deu início a um novo período vitorioso no clube. A precisão cirúrgica nas contratações sempre foi o forte dauela società

  • "Nunca fora à decisão do torneio europeu de clubes."?!?!? Claro que foi! Zidane disputou a final da Champions de 1997 contra o Borussia de Dortmund e a de 1998 perante o Real Madrid.
    "cidade que tanto o acolhera nos últimos seis anos" Não foram seis, mas cinco. Zidane foi contratado pela Juventus no Verão de 1996.

  • Seria mt bom ter visto Zidane e Nedved juntos. Nedved foi uma bandeira da Juve, q so nao ganhou a champions de 2003 na qual arrembentou o Real de zidane e cia na semi, pq fez uma falta estupida no meio do campo aos 40 do segundo tempo ficando suspenso da final, haja vista q naum havia jogadores p substitui-lo a altura, principalmente pq estava em grande forma, o melhor jogador do mundo naquela temporada.
    Outra coisa, a Juve nao traria Buffon, Thurran e Nedved sem a grana da venda de zidane e era necessario reformular o time.
    Parabens pelo texto!!!

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