Seleção italiana

Tragédia de Natal: o futebol italiano em xeque

Acabou para Prandelli? O técnico pediu demissão e o futuro da seleção está em dúvida (Getty Images)

“Se a Itália não se classificar, será um fracasso”, disse Buffon em entrevista coletiva antes da partida contra o Uruguai, em Natal. Na Arena das Dunas, a Itália fracassou: perdeu por 1 a 0 para a Celeste e caiu na primeira fase de uma Copa do Mundo pela segunda vez seguida. E fracassou porque não jogou diante dos uruguaios, mas principalmente diante dos costarriquenhos, como vinha atuando em partidas oficiais. A queda precoce atingiu até mesmo a cúpula da delegação, uma vez que Cesare Prandelli e o presidente da Federação Italiana de Futebol – FIGC, Giancarlo Abete, entregaram seus cargos.

Os números dizem. Antes do Mundial, a Itália havia perdido apenas dois jogos oficiais sob o comando de Prandelli: contra a Espanha, na final da Euro 2012, e contra o Brasil, na Copa das Confederações. Em terras brasileiras, a Itália só atuou conforme o programado pelo treinador contra a Inglaterra, em Manaus, quando teve uma excelente atuação, e somou o mesmo número de derrotas que em quatro anos de trabalho. Logo no Amazonas, para o qual houve até preparação especial, com sauna climatizada no centro de treinamentos de Coverciano. Parece, no entanto, que a Itália não se preparou o suficiente para as partidas das 13 horas, em Recife e Natal.

Tanto contra a Costa Rica quanto contra o Uruguai, a Itália teve a bola, mas não agrediu o suficiente. Foi preguiçosa, atuou em ritmo lento e sentiu o desgaste físico. No final do segundo tempo contra o Uruguai, a equipe mal conseguia correr.

Os últimos minutos foram dignos de pelada de fim de ano da firma. Parolo, que entrou no intervalo, substituindo Balotelli, estava exausto. Por mais que o clima italiano seja muito diferente do brasileiro, a preparação física no Belpaese é deficitária. Em nível de clubes, as equipes da Itália estão atrás das outras europeias de campeonatos de ponta e chegam ao final de temporada muito mais desgastadas.

Apesar dos problemas físicos, o que mais pesou foi o abandono da proposta de futebol por parte de Prandelli. Contra o Uruguai, voltou ao 3-5-2 “à Juventus”, por causa do desfalque de De Rossi. Bonucci entrou na defesa e De Sciglio estreou na lateral, com Pirlo, Marchisio e Verratti fazendo boa trinca de meio-campo. No ataque, Balotelli e Immobile buscavam o gol.

No primeiro tempo, tudo correu relativamente bem. Pirlo e Verratti trocavam de posições para confundir a marcação uruguaia e ditavam o ritmo de jogo. Porém, Balotelli estava apagado e ocupava os mesmos espaços de Immobile. Quando os dois se desgrudaram, o atacante do Milan preferiu tentar um chute do meio da rua e não lançou o novo contratado do Borussia Dortmund, que partia nas costas de Giménez e Godín.

A derrocada italiana começou quando o sol começou a sair através das nuvens e quando Balotelli subiu desgovernado e deu uma joelhada na cabeça de Alvaro Pereira. Imprudente, o atacante do Milan levou cartão amarelo, ganhou uma suspensão automática e estaria fora das oitavas de final, caso a Itália avançasse. Pior, estava sendo provocado e, explosivo como é e com seu estilo de jogo físico, poderia ser expulso – e Prandelli já havia declarado que jogar com 10 no Brasil seria suicídio.

Balo saiu no intervalo, mas o destino quis que a Itália tivesse Marchisio expulso aos 15 do segundo tempo, por falta em Arévalo Ríos. O árbitro mexicano Marco Rodríguez considerou falta para vermelho direto e, de forma rigorosa, mandou o juventino para a rua, algo que lhe aconteceu pela primeira vez na carreira. A partir daí, a queda (ou a “debâcle”, como gostam de dizer os italianos), começou.

Até aquele momento, a partida era muito igual, e favorável à Itália, que jogava pelo empate. Buffon havia feito duas grandes defesas, contra Suárez e Rodríguez. Após a expulsão, salvou a Itália novamente contra o atacante do Liverpool. Em seguida, Immobile teve a primeira boa chance, mas o passe de Pirlo correu demais e ele foi bloqueado por Giménez. Substituído por Cassano, viu pouco a bola nesta Copa do Mundo. A sua saída, aliada à de Verratti, logo depois, deixou a Squadra Azzurra sem velocidade, e com menos presença de área. O que a Nazionale ganhava em técnica com Cassano na frente, perdia com a entrada de Thiago Motta no lugar do companheiro de PSG mais atrás.

As duas características teriam sido fundamentais em partes diferentes do segundo tempo. Primeiro, a Itália atuava sob pressão uruguaia, buscando contra-ataques – Cerci teria sido mais útil que Parolo, por exemplo, e Prandelli foi conservador, como não vinha sendo no comando da seleção, e pagou por isso. Cerci também daria mais amplitude para a Itália pelo lado direito, o que faltou quando a equipe buscava o gol, uma vez que Darmian não subia mais, guardando posição pela inferioridade numérica.

Inferioridade que poderia não existir, se o trio de arbitragem tivesse melhor visão. Ironicamente, num jogo apitado por um árbitro com apelido “Drácula”, Suárez mordeu Chiellini e não foi expulso. O zagueiro da Juventus até mostrou a marca da mordida do uruguaio, que chegou à seu hat-trick de mordidas na carreira, mas Rodríguez foi irredutível e nada fez. Chiellini reclamou após a partida e disse que o árbitro não expulsou o jogador do Liverpool porque “a Fifa quer ver as estrelas na Copa”. No lance seguinte, Godín subiu mais alto do que quatro jogadores azzurri e, na sua especialidade, decidiu o jogo com subida fulminante – a bola tocou nas suas costas e entrou.

No final da partida, Buffon chegou a jogar de atacante, abandonando completamente o gol. E, após a partida, foi lúcido ao dizer que os erros de arbitragem existiram, mas que não anulam as culpas da Itália, sobretudo na partida contra Costa Rica. A Itália fugiu de suas características, não fez gols nas duas últimas partidas e, conforme o capitão ressaltou, foram os jogadores veteranos que mais deram sangue.

“Criticaram muito os veteranos, disseram que éramos velhos demais, mas fomos nós que nos doamos até o final. Precisam respeitar não o que fomos, mas o que ainda representamos. Em campo, se precisa fazer, e não vale o ‘pode fazer’ ou o ‘talvez fará no futuro'”, disse Buffon. Em entrevista ao jornal La Repubblica, De Rossi também foi duro. “Precisamos de homens de verdades, não figurinhas da Panini ou personagens”. Críticas que parecem direcionadas a Balotelli, que se escondeu em diversos momentos da Copa do Mundo, como se escondeu na maior parte da temporada do Milan. Mas, diferentemente da Serie A, o Mundial não tem 38 rodadas, e a Itália volta à Europa com a sétima eliminação em uma fase de grupos da
Copa do Mundo em sua história – e de forma consecutiva após 48 anos.

Pós-Prandelli?

Após a eliminação, Cesare Prandelli e o presidente da Federação Italiana de Futebol – FIGC, Giancarlo Abete, entregaram seus cargos. De maneira irrevogável, dizem, mas Abete fez um apelo para que Prandelli reconsidere sua decisão. O que, na opinião deste colunista, seria o mais sensato para o atual momento do futebol italiano.

A Nazionale azzurra tende a retroceder com saída de Prandelli e desperdiçar uma geração talentosa, que só veio a ganhar espaço porque o treinador teve a missão de renovar o grupo, em profundo antagonismo à envelhecida seleção de 2010, comandada por Marcello Lippi, e mesmo à história do futebol italiano, que pouco dá chances aos jovens e que prefere se fechar ao invés de buscar comandar o jogo. Brigar por título da Euro 2016 seria sonho.

Prandelli foi aplaudido pelo ótimo desempenho nos dois primeiros anos de trabalho, quando se manteve invicto, experimentou jovens e deu à Itália um futebol propositivo, de posse de bola, mas uma posse de bola efetiva, no campo de ataque e com boa média de gols marcados e, sobretudo, domínio territorial e muitas jogadas de gol criadas. A partir da Euro 2012, começou a espelhar o esquema da Juventus campeã e acertou mais a defesa, além de ter levado a equipe ao vice-campeonato.

Após o campeonato europeu, passou a experimentar mais e começou a ser mais criticado em solo nacional. Muitos diziam que ele não sabia mais para que rumo estava levando a seleção. Mesmo assim, a Azzurra fez boa Copa das Confederações (foi terceira colocada). Neste ano, teve seu contrato renovado até depois da Euro 2016. Mesmo assim, as críticas continuaram e muitas vagas estavam em aberto até momentos antes da convocação para a Copa, o que expunha, de fato, as dúvidas do selecionador.

O fracasso pode encerrar uma era de quatro anos, e também eras maiores, como a de Pirlo, que deve deixar a seleção aos mais jovens após 12 anos de frequentes convocações – com 112 jogos, é o quarto com mais jogos pela Itália. Outros jogadores mais experientes, como Buffon, Barzagli e De Rossi também podem não continuar. O que tornaria o trabalho de um eventual novo treinador ainda mais complicado, sem tantas referências no grupo. Até porque Balotelli, apesar do bom futebol, não tem o perfil de liderança necessário.

A provável saída de Prandelli volta a criar especulações e traz os mesmos nomes que surgiram quando ainda havia a possibilidade de que o treinador não renovasse seu contrato, no início de 2014. Antonio Conte (Juventus), Vincenzo Montella (Fiorentina), Massimiliano Allegri, Luciano Spalletti e Roberto Mancini (os três últimos sem clube) são os cotados para assumir a Azzurra.

Dificilmente um treinador que esteja atualmente empregado aceitaria a tarefa de guiar a Itália rumo a Euro 2016 e à Copa 2018 – mesmo que Conte, um eventual favorito, tenha manifestado desejo de respirar novos ares. Entre os desempregados, só Spalletti poderia manter alguns elementos da Era Prandelli, como futebol ofensivo e posse de bola. Mesmo assim, o melhor trabalho de Spalletti foi na Roma, que treinou até 2009. No Zenit, foi bem e conquistou duas Premier Leagues russas e uma Copa da Rússia.

Qualquer que seja o treinador (até mesmo o próprio Prandelli, caso volte atrás), a Itália tem de aproveitar o legado dos últimos quatro anos, como o espaço aos jovens e um futebol ofensivo. Caso não faça isso, não há dúvidas: a Itália começa a preparação para o futuro dando um ou dois passos para trás.

Notas: Buffon 7; Barzagli 5,5, Bonucci 4, Chiellini 5; Darmian 4, Marchisio 4,5, Pirlo 6, Verratti 7, De Sciglio 4; Balotelli 3,5, Immobile 4,5. Substitutos: Parolo 4,5, Thiago Motta 5, Cassano 4,5.

Itália 0-1 Uruguai
Gol: Godín 81′

Cartão vermelho: Marchisio (ITA)

Itália: Buffon; Barzagli, Bonucci, Chiellini; Darmian, Marchisio, Pirlo, Verratti (Thiago Motta), De Sciglio; Balotelli (Parolo), Immobile (Cassano). Técnico: Cesare Prandelli.

Uruguai: Muslera, Cáceres, Godín, Giménez, Alvaro Pereira (Stuani); González, Arévalo Ríos, Lodeiro (Maxi Pereira), Rodríguez (Ramírez); Cavani, Suárez.

Local: Estádio das Dunas, Natal
Árbitro: Marco Rodríguez (México)

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