Brasileiros no calcio

Nenê, o brasileiro que deu um título ao Cagliari

Filho de peixe, peixinho é? No caso de Nenê, sim. Claudio Olinto de Carvalho, atacante, herdou até mesmo o apelido do pai, Hermínio, que foi lateral. A trajetória dos dois poderia ser bem parecida, com diferença apenas na posição dos dois em campo. Mas enquanto o Nenê pai jogou a vida inteira no Santos, seu filho apenas começou no Peixe: desenvolveu sua carreira quase que inteiramente na Itália, onde atuou por Juventus e Cagliari, conquistando o único scudetto do pequeno time da Sardenha.

Nenê teve apenas dois anos de futebol no Brasil. Mais precisamente, dois anos convivendo com o esquadrão santista do início dos anos 60. Ele era coadjuvante na equipe tricampeã paulista em 1960, 61 e 62, que tinha lendas como Pepe, Dorval, Mengálvio, Coutinho, Zito e Pelé. Apesar de ser criado na Vila – lá jogou do juvenil ao time de aspirantes –, não teve o mesmo espaço para mostrar o seu futebol na equipe principal. Mesmo assim, o atacante conquistou nove títulos com a camisa do Santos, dentre os quais duas Libertadores, dois Brasileiros e um Mundial Interclubes.

Em uma das turnês europeias com o Santos, Nenê pisou pela primeira vez no gramado do estádio Comunale de Turim, onde enfrentou a Juventus, em amistoso. Centroavante oportunista e habilidoso, Nenê chamou a atenção do diretor esportivo da Vecchia Signora, Giampiero Boniperti, que pediu sua contratação. Então, em 1963 Nenê trocou o preto e branco da Vila pelo bianconero da Juve. Foi um dos jogadores que se destacaram com a camisa do Santos, mas não a ponto de desbancarem os fortíssimos atacantes santistas e que acabaram no futebol da Itália – casos de Angelo Sormani e Emanuele Del Vecchio.

Nenê integrou uma das Juventus mais brasileiras da história – ainda que isso tenha durado pouco tempo. O técnico, já há um ano, era o brasileiro Paulo Amaral – que foi preparador físico da Seleção no bicampeonato mundial em 1958 e 1962 –, e a Velha Senhora também contratara o compatriota Dino da Costa, ex-Botafogo, Roma e Fiorentina. Em sua primeira temporada, Nenê não deixou a desejar e fez 11 gols em 28 jogos, terminando a temporada como o nono maior artilheiro da Serie A. Porém, a Juventus não teve grande rendimento: Amaral foi demitido no início o campeonato e Eraldo Monzeglio não conseguiu dar jeito no time, que terminou a Serie A na quinta colocação. Além disso, Nenê teve atritos com o Bola de Ouro Omar Sívori, atacante argentino que era capitão da equipe. Tudo isso somado levou a uma curta passagem pelo norte da Itália.

Promovido à Serie A pela primeira vez em sua história, o Cagliari apostou em Nenê e o contratou para ser uma das referências da equipe treinada por Arturo Silvestri, ex-jogador do Pisa, Modena e Milan. Logo nos primeiros treinos, Silvestri viu no brasileiro potencial para ser ponta-direita – o que, de certa forma, aproximou o futebol do Nenê filho com o do seu pai. Mais longe do gol, Nenê não perdeu o faro de artilheiro, mas mostrou-se comprometido na nova posição, destacando-se com velocidade pelas alas e infiltrações pelo meio. Os cinco gols marcados por Nenê em 26 jogos ajudaram a não apenas manter a equipe sarda na elite, mas também a levá-la à a 7ª colocação. Uma bela estreia.

Na Juventus, Nenê foi treinado pelo brasileiro Paulo Amaral (Getty)

O brasileiro passou mais dois anos jogando como ala/ponta, até a chegada de Manlio Scopigno ao comando dos rossoblù. O novo treinador aproveitou a versatilidade do brasileiro e o colocou para jogar no meio-campo, formando um tridente ao lado do argentino Miguel Ángel Longo e do italiano Pierluigi Cera. No ataque, além do intocável Gigi Riva, jogavam Roberto Boninsegna, Francesco Rizzo e Gerry Hitchens. Jogando mais recuado, Nenê deixou de fazer muitos gols e nem de longe chegou perto de repetir a marca que alcançou em seu ano na Juventus.

A própria Juve viu o talento que havia desperdiçado e tentou recontratar Nenê para a temporada 1967-68, aproveitando-se do scudetto conquistado na temporada anterior para tentar seduzir o jogador. O Cagliari, porém, segurou a sua joia. Na temporada seguinte, Nenê ajudaria o Cagliari a ser vice-campeão italiano – algo improvável anos antes do investimento feito por um conglomerado de empresas, dentre as quais a Saras, de Angelo Moratti, antigo dono da Inter.

Se a festa de 1968-69 já parecia demais, o ano seguinte reservaria o topo da Itália para Nenê e o Cagliari. O brasileiro conquistaria, ao lado de craques que viriam a ser finalistas da Copa do Mundo do México, em 1970, o único scudetto da equipe sarda. Jogando junto a Gigi Riva, Sergio Gori, Enrico Albertosi, Angelo Domenghini, Comunardo Niccolai, Pierluigi Cera – estes seis convocados pela Itália para o Mundial –, Mario Brugnera, Giuseppe Tomasini e Mario Martiradonna, fez parte de um time que entrou para a história do futebol italiano, sendo a primeira equipe de “fora” da Bota campeã da primeira divisão. Até hoje, nenhuma outra equipe de uma ilha italiana – Sardenha ou Sicília – levantou a taça da Serie A.

No ano seguinte, o Cagliari jogou a Copa dos Campeões. Estreou bem, eliminando os franceses do Saint-Étienne, mas acabaram caindo nas oitavas de final contra o Atlético de Madrid – a ausência do lesionado Riva no jogo de volta pesou. A última temporada acima da média de Nenê e dos sardos foi em 1971-72, quando o time – que manteve grande parte do elenco campeão – ficou com a 4ª posição na Serie A e garantiu uma vaga na Copa Uefa.

Durante sua estadia no clube sardo, Nenê ainda participou de um experimento do Cagliari, em 1967: durante o verão, época de férias nos campeonatos europeus, os cagliaritanos inscreveram uma equipe no campeonato norte-americano, chamada Chicago Mustangs. O brasileiro foi um dos atletas que participaram da empreitada.

Como coadjuvante de Riva, Nenê levou os sardos a seu momento de maior glória (Arquivo/Cagliari Calcio)

Nenê jogou pelos rossoblù até 1976. As 13 temporadas, 311 jogos e 23 gols colocaram o brasileiro como o sexto jogador com mais partidas na história do Cagliari. Considerando apenas as partidas disputadas na Serie A, Nenê foi o jogador que mais atuou pelo clube durante muito tempo. Sua marca só foi batida em 2015, quando o volante Daniele Conti o superou – são 333 jogos para o italiano. Os serviços prestados com a camisa vermelha e azul lhe renderam um lugar no Hall da Fama da equipe sarda.

Após encerrar a carreira como jogador, Nenê continuou na Itália, onde já havia se estabelecido – sua esposa era italiana e ele tinha dois filhos nascidos no país. Aposentado, foi ser treinador de futebol, e começou sua trajetória nos juvenis da Fiorentina. Com o pé direito, aliás: na estreia, faturou o Campeonato Primavera e a Coppa Italia da categoria. Três anos depois, teve a oportunidade de ser técnico profissional do Sant’Elena Quartu, modesta equipe da província de Cagliari. Na oportunidade, os alviverdes conseguiram sua melhor participação numa competição local, terminando na oitava colocação da Serie C2. Nenê ainda treinou a Paganese, na C1, mas acabou sendo rebaixado.

Depois disso, o brasileiro recebeu o convite para trabalhar na base do Cagliari, onde ficou por cinco anos, até 1988. Foi nesse mesmo ano que, finalmente, Nenê voltou à Juventus e a Turim. O brasileiro trabalhou por 14 anos para os bianconeri, até 2002, como treinador e olheiro. Ele ajudou a descobrir e a moldar diversas promessas que viriam a se consagrar na equipe principal.

Embora tenha sido uma grande revelação brasileira, Nenê até hoje é mais conhecido e respeitado na Itália que em sua pátria-mãe. Atualmente, com 73 anos, ele vive em uma casa de repouso em Pirri, município da província de Cagliari.

Claudio Olinto de Carvalho, o Nenê
Nascimento: 1º de fevereiro de 1942, em Santos-SP
Posição: atacante
Clubes em que atuou: Santos (1960-63), Juventus (1963-64), Cagliari (1964-76) e Chicago Mustangs (1967).
Títulos conquistados: Campeonato Paulista (1960, 1961 e 1962); Taça Brasil (1961 e 1962); Torneio Rio-São Paulo (1963); Copa Libertadores (1962 e 1963); Copa Intercontinental (1962); Campeonato Italiano (1969-70); Jogos Panamericanos (1963).
Clubes como treinador: Sant’Elena Quartu (1981-82) e Paganese (1982-83)
Pela seleção brasileira (pré-olímpica): 4 jogos e 1 gol

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