Serie A

Da lama ao caos: os 10 anos do Calciopoli

Na primeira semana de maio de 2006, há exatos 10 anos, veio à tona o maior escândalo do futebol italiano: o Calciopoli, inicialmente chamado de Calciocaos. Uma década depois do furacão que desmontou o esporte na Bota, o Quattro Tratti montou um especial em duas partes, relembrando o que aconteceu à época, as punições, as polêmicas e como a Juventus se reconstruiu depois de ter sido o time que enfrentou a punição mais severa. Começamos hoje, com os fatos revelados a partir de 2006 e seus desdobramentos.

O início do processo e os alicerces da denúncia
Havia indícios de que havia algo de podre nos bastidores do futebol italiano desde 2005. A operação Offside, conduzida pelo Ministério Público de Turim, acabou sendo arquivada porque a investigação não conseguiu delimitar possíveis crimes – no entanto, foram enviados para a Federação Italiana de Futebol (FIGC) alguns documentos que poderiam servir para providências disciplinares.

O escândalo começou a tomar forma apenas em maio de 2006, às vésperas da Copa do Mundo e antes mesmo do fim da Serie A 2005-06, que Juventus e Milan disputavam ponto a ponto. Naquele momento, a imprensa italiana divulgou áudios e transcrições de telefonemas que remetiam à temporada anterior e mostravam Luciano Moggi e Antonio Giraudo, principais diretores da Juventus, influenciando os chefes da arbitragem nacional. Moggi, o pivô do Calciopoli, tinha o poder de escolher os árbitros escalados para partidas da Juve e de seus adversários, também comentava sobre qual comportamento eles deveriam ter em campo e até mesmo contestava decisões tomadas pelos apitadores.

O surgimento das gravações foi estarrecedor e instalou um clima desconfortável no país em um momento importante para o futebol, já que o campeonato estava se decidindo e a seleção estava prestes a embarcar para a Alemanha. A Juve faturou o scudetto, mas pouca gente comemorou nas ruas de Turim, porque já se imaginava que poderia haver alguma punição por fraude esportiva, como a cassação da taça no tapetão. Além disso, a equipe voltou de Bari, local do jogo que definiu o título, e foi recebida no aeroporto turinês sob forte contestação dos torcedores. Não aos jogadores, claro, mas à diretoria.

Ao mesmo tempo, a Itália se preparava para o Mundial e disputou a competição enquanto o processo corria. De alguma forma, a Itália parecia ter sido levada de volta aos anos 1980, quando o escândalo Totonero balançou o país e afetou a preparação da Squadra Azzurra – que se redimiu com o tricampeonato. O tetra acabou sendo gerado no mesmo ambiente.

As primeiras gravações incorporavam uma denúncia protocolada pelo procurador federal Stefano Palazzi, vinculado ao MP de Nápoles e colaborador da FIGC desde 1990. A magnitude dos conteúdos e da operação fez com que o escândalo recebesse uma nova denominação. Inicialmente chamada de Calciocaos – pelo rebuliço que causou –, a investigação foi comparada a uma das mais famosas devassas a casos de corrupção no sistema político italiano, a Mani Pulite (ou Mãos Limpas, como ficou conhecida no Brasil), também chamada de Tangentopoli. A partir daí, surgiu o nome Calciopoli.

Moggi e Giraudo: do topo do mundo à Serie B com a Juventus (LaPresse)

Para entender o escândalo é necessário ter em mente que ele nasce no seio de uma sociedade altamente corrompida. Não é surpresa que o Calciopoli seja decorrente de outros ilícitos: o rebuliço no futebol italiano foi revelado a partir de outro caso, investigado em paralelo por muito mais tempo. As escutas foram feitas de maneira ilegal, em atos de espionagem não autorizada realizados por diretores da Telecom Italia e do Serviço Secreto Italiano – SISMI. Cerca de 5 mil cidadãos italianos foram grampeados, entre os quais figuras importantes, como políticos e personalidades ligadas ao esporte.

Com o passar dos dias, a denúncia foi ganhando corpo. Mais ligações telefônicas vinham à tona e a equipe do magistrado Palazzi indiciou uma série de dirigentes de clubes e de instituições, além de representantes da arbitragem – todos tiveram conversas interceptadas pelos grampos ou nomes citados em conversas reveladoras. 19 partidas do campeonato 2004-05 (não houve investigação de jogos de 2005-06) foram elencadas com suspeitas de fraude relativas a arbitragem.

Grande parte destes jogos envolvia Juventus, Milan, Fiorentina e Lazio, que faziam parte da primeira corrente da operação do MP italiano. O método dos procuradores era utilizar os grampos (que, em muitas ocasiões, citavam expressamente as partidas relacionadas na investigação) e verificar se houve algo de suspeito em campo – além, claro, de interrogatórios e acareações. Uma segunda corrente investigativa, em uma diferente jurisdição, apurava fatos que envolviam Reggina e Arezzo – equipe militante na Serie B –, mas não citou jogos específicos em que houvesse sido praticado ilícito esportivo.

Apesar do envolvimento de outras equipes, o esquema de influência dos árbitros nos bastidores acabou ficando conhecido popularmente como “sistema Moggi”. O juventino era o mais forte dos dirigentes envolvidos nos grampos. Macaco velho do futebol italiano, Moggi estava na ativa desde os fim dos anos 1960, com passagens por Juventus (duas vezes), Roma, Lazio, Torino e Napoli.

O Calciopoli teve uma série de demissões como efeitos imediatos. Poucos dias depois do vazamento das ligações telefônicas, Moggi e Giraudo entregaram seus cargos – todo o conselho administrativo da Juve tomou a mesmo atitude depois, ainda que sem ter envolvimento com o ilícito. Também se demitiram o presidente da FIGC, Franco Carraro; Innocenzo Mazzini (um de seus vices); Tullio Lanese (presidente da Associação Italiana de Árbitros – AIA) e o homem forte do Milan, Adriano Galliani, dirigente máximo da Lega Calcio, coordenadora da Serie A. O árbitro Massimo De Santis, que era investigado, teve de abrir mão de representar a Itália na Copa do Mundo e cedeu sua vaga a Roberto Rosetti.

De Santis representaria Itália na Copa de 2006, mas foi banido (Getty)

O conteúdo dos grampos e o jogo de bastidores
Basicamente, o Calciopoli se sustentava pelo seguinte: dirigentes das equipes, por meio de telefonemas e relacionamento constante com a chefia de arbitragem (movimentos esportivamente proibidos) obtinham informações privilegiadas sobre quais árbitros seriam escalados e também combinavam como seriam suas atuações. Interferiam em lances capitais, como impedimentos, anulação de gols ou distribuição de cartões.

Embora todos os dirigentes que viriam a ser acusados tiveram grampos vazados, os que mais ganharam notoriedade foram os do diretor esportivo da Juventus, Luciano Moggi, e daqueles que faziam parte da cúpula da arbitragem italiana. Casos de Pierluigi Pairetto (membro das comissões de arbitragem italiana e europeia), Paolo Bergamo (chefe de árbitros da FIGC) e Tullio Lanese (presidente da AIA).

O que ficou claro no Calciopoli é que a comunicação entre dirigentes dos clubes e os chefes da arbitragem (e às vezes com os próprios árbitros) eram recorrentes e, no mínimo, inadequadas. A naturalidade e intimidade com a qual cartolas conversavam com os designadores de árbitros e com os apitadores davam a entender que a relação ia além do profissional e do que acontecia no campo. Os membros da comissão de arbitragem faziam juízos de valor sobre seus comandados àqueles aos quais não deveriam dar satisfações de maneira tão servil (os dirigentes de clube) e ao mesmo tempo eram muito abertos a seu descontentamento e suas críticas – algumas bastante duras, em tom ameaçador.

Por motivos que nem sempre foram bem explicados, os grampos indicavam que os times grandes e aqueles com melhor trânsito nos bastidores contavam com a benevolência dos apitadores que eles mesmos escolhiam – os quais eram suscetíveis a pressões, enquanto outros, considerados desfavoráveis, acabavam hostilizados. E, mais: nem sempre eram os dirigentes dos clubes que procuravam os chefes de arbitragem e os diretores da FIGC. O inverso aconteceu muito, segundo os grampos.

Pairetto, por exemplo, era bem próximo de Moggi. Em uma conversa, o bianconero pedia um carro para uma revendedora Maserati (pertencente à Fiat, dona da Juve) e, depois, ligava para o ex-árbitro para confirmar que o veículo de luxo estava disponível. Pairetto influenciou o “sorteio” de uma série de juízes para jogos da equipe, incluindo alguns da Liga dos Campeões: após a vitória da Velha Senhora por 1 a 0 contra o Ajax, em Amsterdã, o representante da Uefa ligou para falar sobre a escalação do árbitro suíço Urs Meier. “Viu? Não esqueci de você”, disse Pairetto ao juventino.

Em outros grampos, a operação identificou conversas em que Pairetto e Bergamo sugeriam nomes de árbitros para dirigentes; Moggi, em especial – o intuito era verificar quais deles seriam aprovados ou reprovados para os próximos jogos de cada equipe. Em uma conversa, Pairetto indicava ao árbitro Paolo Dondarini para “ver até aquilo que não aconteceu” em jogo entre Sampdoria e Juventus. Após o 3 a 0 dos bianconeri, o árbitro conversou com o chefe sobre um pênalti marcado, em um papo para lá de dúbio.

Outro caso que chamou atenção envolvia o árbitro Gianluca Paparesta. Em mais de uma conversa grampeada, se comentou que ele teria sido trancado por Moggi nos vestiários do estádio Oreste Granillo, após a vitória da Reggina sobre a Juventus, por 2 a 1. O cartola, irritadíssimo, teria descido até os túneis para reclamar de erros que o trio de arbitragem teria cometido contra a Velha Senhora, e, além de ameaçar Paparesta (segundo conversa do delegado da partida, Pietro Ingargiola, e Lanese), terminaria por deixá-lo preso nas dependências do local. O próprio diretor da Juve contava vantagem sobre este suposto acontecimento, em um outro telefonema, mas o episódio foi negado por todos nas audiências feitas em tribunal.

Moggi também era influente nos meios de comunicação. O diretor ofereceu um relógio de ouro para o jornalista Aldo Biscardi, apresentador de um dos programas mais assistidos do país (Il Processo di Biscardi), a quem também tentava controlar – durante a investigação, se descobriu que Moggi tinha grande influência também entre outros comunicadores. Em um dos telefonemas interceptados que tinham mais relevância, o juventino pedia para que Biscardi e o ex-árbitro e comentarista de arbitragem Fabio Baldas (que participava do programa) aliviassem nas críticas para alguns apitadores e para que pesassem a mão para outros. Em troca, Baldas pedia para que o cartola intercedesse por ele nos bastidores da FIGC. Outro que pediu favores a Moggi foi o Ministro do Interior, Giuseppe Pisanu: ele queria que o dirigente intercedesse a favor do Sassari Torres, da Serie C1, junto aos chefes da arbitragem.

Os grampos também revelavam situações “menores”, como a influência que os diretores exerciam na negociação de transferências e nas convocações para a seleção italiana. Giraudo, por exemplo, conversava irritado com Moggi pelo fato de Zlatan Ibrahimovic, então no Ajax, ter jogado bem em um amistoso, ao invés de jogar mal e forçar sua transferência para Turim (“eu disse para ele jogar mal e falar ao clube que não jogaria mais lá, para aproveitarem os 10 últimos dias de mercado para comprarem um substituto”).

Moggi, por sua vez, tentou forçar a transferência de Fabio Cannavaro da Inter para a Juve e ameaçou Fabrizio Miccoli, através de um intermediário: disse que o atacante não deveria mais se comportar como um estúpido. “Senão faço com que não seja mais convocado para a seleção, pois só é convocado porque eu que mando”, relatou. O diretor também bolava estratégias para prejudicar equipes de Zdenek Zeman, um dos maiores denunciadores de esquemas que favoreceriam a Juventus nos anos 1990 e 2000.

As escutas também pegaram outros dirigentes. Os irmãos Andrea e Diego Della Valle, donos da Fiorentina, conversavam com o ex-diretor da Juve, enquanto alguns indícios levavam a crer que Claudio Lotito,  presidente da Lazio, interferia em resultados de partidas. Pelo lado do Milan, foram flagradas conversas entre o diretor Leonardo Meani e o diretor Adriano Galliani, que também dirigia a Lega Calcio – por isso, ele foi investigado por conflito de interesses.

O panorama, naquele momento, era surreal: a desesperança com o futebol de clubes contrastava com os festejos pela seleção. A cada vitória conquistada pela Itália na Copa de 2006, novos áudios dos grampos eram divulgados, envolvendo dirigentes de uma fortíssima Juventus, bicampeã nacional, e também do vice Milan, da Fiorentina (4ª colocada) e da Lazio (6ª). Nos programas esportivos do Belpaese os comentários sobre a participação da Azzurra e das outras seleções no Mundial dividia espaço com a análise das conversas entre dirigentes e chefes da arbitragem, além de exibições dos lances polêmicos das partidas investigadas e todo um vocabulário jurídico. De um lado, todo um sistema se despedaçava; de outro, os italianos poderiam alcançar o topo do mundo.

No fundo, a sensação dos italianos era a de que não fazia sentido assistir ao campeonato, já que dirigentes e árbitros eram verdadeiros mestres da corrupção. Por outro lado, o fato de a Itália sonhar com o tetracampeonato guardava um fio de esperança. Algo de melhor estava por vir?

Galliani, cartola do Milan e da liga, também foi envolvido no escândalo (AFP/Getty)

Os acusados, as punições e as consequências diretas

Dirigentes de clubes: AntonioGiraudo (Juventus), Luciano Moggi (Juventus), Andrea Della Valle (Fiorentina), Diego Della Valle (Fiorentina), Sandro Mencucci (Fiorentina), Claudio Lotito (Lazio), Leonardo Meani (Milan), Adriano Galliani (Milan e Lega Calcio) e Pasquale Foti (Reggina).

Dirigentes de instituições:
Pierluigi Pairetto (vice-presidente da comissão de arbitragem da Uefa e chefe de árbitros da FIGC), Paolo Bergamo (chefe de árbitros da FIGC), Franco Carraro (presidente da FIGC), Innocenzo Mazzini (vice-presidente da FIGC), Tullio Lanese (presidente da AIA), Gennaro Mazzei (chefe de arbitragem) e Pietro Ingargiola (delegado de partida).

Árbitros e bandeirinhas: Paolo Bertini, Massimo De Santis, Paolo Dondarini, Domenico Messina, Pasquale Rodomonti, Paolo Tagliavento, Gianluca Rocchi, Duccio Baglioni, Gianluca Paparesta, Fabrizio Babini, Claudio Puglisi, Stefano Titomanlio e Tiziano Pieri.

Como se pode ver, as duas correntes de investigação montaram uma extensa lista de acusados no escândalo. O Ministério Público, no entanto, só poderia se aventurar na esfera do delito desportivo, sem ação penal. Por isso, os jornalistas não poderiam receber nenhum tipo de sanção de cortes italianas, uma vez que a sua conduta não era tipificada criminalmente – no entanto, uma parte deles acabou recebendo suspensões da Ordem dos Jornalistas, órgão de regulamentação do exercício da profissão.

O grupo do procurador Palazzi indiciou muita gente e pediu penas bastante pesadas para as pessoas e os clubes envolvidos no Calciopoli. Entre dirigentes, a punição mais branda solicitada pela acusação foi de 2 anos para Galliani; para os representantes das entidades organizadoras, 1 ano para Ingargiola e 2 para Mazzei; e para os árbitros, 3 anos para Baglioni e Titomanlio, 1 para Babini, Puglisi e Paparesta, 6 meses para Dondarini e Pieri. O pedido da acusação para todos os outros foi de uma sentença mais rigorosa: 5 anos de suspensão mais a proposta de banimento do esporte.

Quanto aos clubes, a Juventus teve a proposta de pena mais pesada: revogação dos scudetti de 2005 e 2006, rebaixamento para uma divisão inferior à Serie B e 6 pontos de punição. Para Fiorentina, Reggina, Milan e Lazio, a proposta era de rebaixamento para a segundona, com punição de 15 pontos, para os três primeiros citados, e 3 para os rossoneri. Para os procuradores, o Arezzo deveria ser rebaixado para a terceira divisão, com 3 pontos a menos no início da temporada.

O calhamaço que formava o processo, com as petições das sentenças, foi divulgado em um dia chave para a seleção italiana: 4 de julho. Horas depois da apresentação formal da denúncia à corte federal, a Nazionale, recheada de jogadores de Juventus e Milan, vencia a Alemanha, na prorrogação das semifinais da Copa, em uma das partidas mais lembradas da história azzurra.

Alguns dias depois, com a conquista do tetra pela Itália, houve boatos e até mesmo um movimento político – inclusive do partido de Silvio Berlusconi – com o intuito de promover uma anistia dos envolvidos no Calciopoli, mas as punições aconteceram, apesar de muitos indiciados (especialmente árbitros) terem sido absolvidos ao longo do processo.

Cada linha de investigação se desenrolou por tempos diferentes. O primeiro filão, mais espesso, teve as sentenças de segundo grau, após a apelação à corte, divulgadas em 25 de julho – o segundo, que investigava Reggina e Arezzo, apenas em meados de agosto. Os clubes ainda poderiam recorrer ao Comitê Olímpico Italiano – qualquer recurso à justiça comum poderia banir a Itália de competição internacionais, segundo as regras da Fifa –, como o fizeram.

No final das contas, todas as penas foram abrandadas, depois da sentença de apelo que foi definitiva para a atribuição do campeão da temporada 2005-06. A proximidade da temporada 2006-07, a qual precisaria ter calendário ajustado, fez com que as penas desportivas, referentes aos clubes, fossem agilizadas. O julgamento dos recursos das pessoas físicas só foi finalizado em 2007.

Assim, naquele dia de julho, a Inter, terceira colocada na Serie A 2005-06, foi declarada campeã do torneio, uma vez que a Juve tinha sido rebaixada e o Milan, vice, sofreu severa perda de pontos. O último scudetto nerazzurro havia sido conquistado em 1989, 17 anos antes. Por sua vez, o Chievo ganhou vaga na Liga dos Campeões e Palermo, Livorno e Parma foram alçados à Copa Uefa. O Messina, rebaixado para a Serie B pelos resultados no campo, foi repescado após a queda da Juve.

O circo, que já estava armado, ganharia nuances ainda mais acirradas, com polêmicas e rivalidade.

Penas finais (após todos os recursos)

Clubes:
Juventus: revogação dos títulos de 2005 e 2006, rebaixamento para a Serie B e -9 pontos em 2006-07;
Fiorentina: -30 pontos em 2005-06 e -15 em 2006-07;
Milan: -30 pontos em 2005-06 e -8 em 2006-07;
Lazio: -30 pontos em 2005-06 e -3 em 2006-07;
Reggina: -11 pontos em 2006-07 e 100 mil euros de multa;
Arezzo: -6 pontos na Serie B 2006-07.

Dirigentes dos clubes:
Luciano Moggi: 5 anos de suspensão com possibilidade de banimento;
Antonio Giraudo: 5 anos de suspensão com possibilidade de banimento;
Leonardo Meani: 2 anos e 2 meses;
Sandro Mencucci: 1 ano e 5 meses;
Pasquale Foti: 1 ano e 1 mês;
Andrea Della Valle: 1 ano e 1 mês;
Diego Della Valle: 8 meses;
Adriano Galliani: 5 meses;
Claudio Lotito: 4 meses.

Dirigentes de instituições:
Innocenzo Mazzini: 5 anos de suspensão com possibilidade de banimento;
Pierluigi Pairetto: 2 anos e 6 meses;
Gennaro Mazzei: 2 anos;
Tullio Lanese: 1 ano;
Franco Carraro: multa de 80 mil euros;
Pietro Ingargiola: advertência;
Paolo Bergamo: não foi julgado, pois se demitiu de cargos esportivos.

Árbitro: 
Massimo De Santis: 4 anos

Todos os outros citados foram absolvidos pela justiça italiana.

No âmbito esportivo, os clubes punidos pelo Calciopoli tiveram diferentes destinos. A Juventus venceu a Serie B, passou por um interregno e agora é pentacampeã nacional; o Milan foi campeão europeu e mundial logo na temporada sucessiva à pena e, após outro título italiano, entrou em crise; Fiorentina e Lazio reconquistaram lugares na Europa e são times estáveis, com os mesmos presidentes da época do escândalo; enquanto a Reggina, na época, conseguiu uma salvezza histórica e, só depois, faliu e foi relegada ao amadorismo.

A devassa no futebol nacional teve consequências negativas necessárias. A descoberta de um claro esquema de corrupção nos bastidores, que falseava os resultados esportivos, fez com que houvessem naturais perda de credibilidade do campeonato (como saber que não havia mais sujeira encoberta?) e desvalorização da Serie A como produto – os contratos de transmissão do torneio para o resto do mundo tiveram reajuste menor que o dos campeonatos inglês, espanhol e alemão, por exemplo.

A revelação do escândalo ajudou a quebrar a Serie A: muitos dos grandes clubes perderam receitas, craques se esquivaram de um país em que não poderia se saber ao certo se o que acontecia em campo era verdadeiro. A bolha, inflada por operações financeiras de alto padrão nos anos 1990 e 2000, começou a estourar antes do Calciopoli e explodiu de vez depois dele.

Gravações que não foram anexadas ao processo inicial surgiram depois da morte de Facchetti, presidente da Inter (Getty)

A polêmica prosseguiu: sobre o que veio antes e depois
Durante a fase quente do Calciopoli, a Itália parecia o Brasil durante a condução do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff: a polarização era nítida e virulenta. De um lado, havia o partido anti-Juve, que via no escândalo a confirmação de uma série de supostos esquemas que beneficiaram os bianconeri. Esta corrente acredita até hoje que a manipulação de resultados vinha de longa data, já que Moggi e Giraudo estavam na Juventus desde 1994, ano em que a equipe voltou a ser soberana na Itália.

Neste período de 12 anos, a Velha Senhora ganhou 16 títulos, incluindo sete scudetti. Teve, também, times fortíssimos, como que teve os títulos retirados, treinado por Fabio Capello e com Gianluigi Buffon, Lilian Thuram, Fabio Cannavaro, Gianluigi Zambrotta, Emerson, Patrick Vieira, Mauro Camoranesi, Pavel Nedved, Alessandro Del Piero, David Trezeguet e outros ótimos jogadores no elenco. Este time, em 2005-06, fez 91 pontos na Serie A, um recorde até aquele momento – superado pela Juve de Antonio Conte, em 2013-14.

Foram questionados lances muito polêmicos que marcaram a Era Moggi, como a sequência que definiu o scudetto em 1998: Juventus e Inter disputavam o campeonato ponto a ponto e se encontravam em um Derby d’Italia na reta final da temporada. Em uma distância de segundos, o árbitro Piero Ceccarini não marcou pênalti de Mark Iuliano em Ronaldo e anotou carga em Del Piero, no contra-ataque – o craque desperdiçou a cobrança, mas a vitória da Juve foi crucial para que o título ficasse em Turim. Os aderentes a esta forma de pensar também acham que as acusações de Zeman são verdadeiras e que a Juventus dopava seus atletas.

Uma outra corrente adotou parte da defesa de Luciano Moggi como mote para tentar invalidar o veredito do processo – ou, pelo menos, adicionar outros clubes e diretores à investigação. Novas escutas, que não foram incluídas no processo inicial e foram divulgadas em 2010 pelos advogados do cartola, apontavam para cartolas da Inter – ou seja, os diálogos mostravam que até mesmo gente ligada ao time que ficou com scudetto revogado pela Juventus conversavam com os responsáveis pelos árbitros.

Bergamo, chefe da arbitragem, e a secretária da AIA, Maria Grazia Fazi, apareciam em conversas com Massimo Moratti, dono do clube nerazzurro, e Giacinto Facchetti, falecido presidente (veja algumas transcrições aqui). Em depoimentos à Justiça e a programas de TV, o próprio Bergamo já havia afirmado que os contatos com diretores da Inter eram frequentes e também citou algumas conversas que teve com Capello, à época (2003-04), técnico da Roma, e Massimo Cellino, ex-presidente do Cagliari.

Outra declaração, do auxiliar de arbitragem Rosario Coppola, foi que “os policiais não se interessavam pela Inter”. Segundo ele, Facchetti havia invadido os vestiários para pressionar os árbitros a mudarem a súmula, de modo que um soco de Iván Córdoba em Stefano Bettarini fosse transcrito como acidental. Após estas revelações, houve quem dissesse que o sistema estava tão corrompido que alguns dirigentes tentavam “equilibrar forças”, porque já se sabia que algumas equipes tentavam burlar as normas.

O tenente-coronel Attilio Auricchio, responsável pela investigação em que se baseou o processo, declarou que esses telefonemas não existiam e outros indícios e depoimentos que relacionavam outros possíveis acusados foram considerados irrelevantes para a corte. Porém, essas ideias foram questionadas: o júri foi acusado de falta de isenção. Por que essas escutas e declarações não foram incluídas na investigação original do Calciopoli?

Mais: segundo sua defesa, Moggi utilizava chips suíços para fazer algumas das ligações telefônicas que foram grampeadas – dessa forma, a Tim, sucursal da Telecom, não teria como invadir a privacidade do ex-dirigente e as provas não seriam legítimas. Já em 2012, Giuliano Tavaroli, ex-chefe de segurança da Telecom, declarou, no âmbito das investigações do processo que envolviam a empresa de telecomunicações e o SISMI, que membros da diretoria da Inter haviam pedido a ele que espionasse Moggi, Giraudo e o árbitro De Santis. Provas comprovadas – e pelas quais a Beneamata e a Tim foram condenadas – foram as da espionagem feita ao atacante Christian Vieri, em seus tempos de Beneamata.

O processo teve sua isonomia colocada em xeque desde o início, mas após a divulgação das conversas que envolviam Moratti, Facchetti e Bergamo, isso voltou à tona. Juventinos, em especial, questionavam a atribuição do scudetto aos nerazzurri e enxergavam parcialidade em todo o processo. Isso porque Marco Tronchetti Provera, presidente da Tim, era acionista minoritário da Inter e porque o presidente extraordinário da FIGC, após a demissão de Franco Carraro, era Guido Rossi.

O novo dirigente já havia sido diretor da Telecom e membro do conselho deliberativo da Inter, time do qual é torcedor fanático. Houve um grupo de especialistas para analisar o caso e definir o mérito das denúncias, mas um destes executivos, Gerhard Aigner, teria declarado à imprensa que a decisão de atribuir o scudetto à Inter foi de Rossi. O então presidente da FIGC negou veementemente qualquer parcialidade.

O procurador Stefano Palazzi tentou reabrir o processo, no que seria chamado de “Calciopoli 2”, com o envolvimento de Inter, Milan, Chievo, Cagliari, Empoli, Palermo, Reggina, Vicenza, Brescia e Udinese, mas tudo acabou arquivado. Facchetti não poderia se defender, pois faleceu em 2006, e as provas já haviam prescrito. Por outro lado, a Juventus pediu a restituição dos scudetti em diversos foros e o pagamento de um ressarcimento de mais de 443 milhões de euros para a FIGC – o processo de compensação financeira ainda corre na justiça. Em suas comunicações oficiais, o clube está em desacordo com a federação: afirma que tem 34 títulos da Serie A e não 32, como homologado pela entidade.

Após o período de cinco anos de suspensão, Moggi, Giraudo e Mazzini foram banidos do futebol. Maior pivô do escândalo, Moggi acabou sendo investigado por outras supostas irregularidades, além do Calciopoli. Ao passo em que respondia ao processo penal pelos delitos de manipulação de arbitragens (poderia ser condenado a 2 anos e 4 meses de prisão), o dirigente foi acusado de favorecer jogadores da Gea – empresa de agenciamento do seu filho, Alessandro – e fazê-los constar em convocações da Squadra Azzurra; lavagem de dinheiro e doping de atletas. O processo do caso Gea acabou sendo anulado, por incorreção no uso da norma e, no que tange ao Calciopoli, os crimes de Moggi prescreveram em 2015 ele não podia mais ser julgado.

Ficou algum legado? Difícil crer. Apesar de grandes times do país terem sido punidos de forma severa, isso não mudou os bastidores do futebol italiano. Em 2011 e 2015, novas denúncias relativas a apostas ilegais e manipulação de jogos vieram à tona, nos escândalos conhecidos como “Calcioscommesse”. Jogadores que participaram de Copa do Mundo pela Itália, como Giuseppe Signori e Cristiano Doni, foram flagrados no esquema.

No final das contas, os fatos são claros: a Justiça italiana é falha, o Campeonato Italiano era manipulado e não tem dirigente santo nessa história.

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