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Eric Gerets: líder de uma geração belga, decepção de um Milan decadente

Antes da atual geração do futebol da Bélgica chamar a atenção do mundo todo, alguns jogadores do país conseguiram grande impacto nas décadas de 1980 e 1990. Os mais antigos ou saudosos vão se lembrar de nomes como Jean-Marie Pfaff, Michel Preud’homme, Georges Grün, Enzo Scifo, Jan Ceulemans, Marc Wilmots, Luc Nilis e, claro, Eric Gerets. O lateral direito, considerado um dos melhores de sua posição enquanto esteve em atividade, teve uma curta passagem pelo Milan e não conseguiu se estabelecer no futebol italiano.

Gerets nasceu na porção flamenga da Bélgica, mas fez carreira no Standard Liège, da parte francesa do país. Em 12 anos pelos rouches, o defensor de muito gás, garra, disciplina tática, verve ofensiva e longos arremessos laterais faturou dois campeonatos nacionais e conseguiu se estabelecer como titular absoluto da seleção.

Chamado de “Leão dos Flandres”, por causa da bravura em campo, aliada a seu visual barbudo e cabeludo, Gerets participou de algumas campanhas históricas dos Diabos Vermelhos: foi vice-campeão da Euro 1980 e quarto lugar na Copa do Mundo de 1986. O lateral também foi capitão quando a Bélgica foi à segunda fase de grupos do Mundial de 1982 e, já no fim da carreira, ajudou a seleção a chegar às oitavas de final em 1990. Ele é o terceiro atleta na lista dos que mais vezes vestiram a camisa vermelha, com 86 partidas.

No início da década de 1980, o Leão dos Flandres vivia o auge de sua carreira: foi eleito o melhor jogador belga em 1982 e, meses depois, com 29 anos recém-completados, acertou com o Milan. O Diavolo já era gigante, mas vivia um momento de baixa: passava por crise financeira, havia vencido apenas seis títulos nos últimos 15 anos (um scudetto, no final dos anos 1970) e sido rebaixado duas vezes entre 1980 e 1982. Na volta à elite, a equipe treinada por Ilario Castagner se reforçou de forma modesta e somente Gerets e o inglês Luther Blissett poderiam ser tidos como contratações de relevância.

Gerets liderou uma das maiores gerações da Bélgica e se esperava que fizesse sucesso no Milan (BT Sports Photography/Getty)

Os cinco primeiros jogos do belga pela equipe de Milão foram na primeira fase da Coppa Italia, que era realizada antes da Serie A. A classificação para o segundo turno da copa foi tranquila, mas a estreia no Campeonato Italiano foi trágica: o pequeno Avellino enfiou uma sacolada nos rossoneri e goleou por 4 a 0 no estádio Partenio. No jogo seguinte, cenário melhor para os rossoneri e para Gerets: com um gol de cabeça do belga, o Milan fez 4 a 2 sobre o Verona.

Dali para frente, o Diavolo demonstrou grande irregularidade, conquistando pontos em casa e perdendo fora do San Siro – a primeira das três únicas vitórias fora de casa dos rossoneri em 1983-84 foi conquistada somente na 11ª rodada, contra o Ascoli. Gerets era titular, apoiava bem pela direita, mas uma lesão acabou afetando sua continuidade. Até que, no início de março de 1984, uma bomba encerrou sua passagem pelo Milan.

Naquele mês, uma investigação na Bélgica apontava para fraude no jogo entre Standard Liège e Waterschei, que deu o título para o time do qual Gerets era capitão. O duelo antecedia a final da Recopa Europeia, contra o Barcelona (os belgas foram derrotados) e diretores do clube decidiram subornar atletas adversários para que eles facilitassem a partida do torneio local e possibilitassem ao Standard chegar mais descansado para o confronto diante dos catalães. Gerets teria sido escolhido para intermediar a passagem do dinheiro por ser capitão e por conhecer jogadores do outro time. Quando tomou conhecimento do caso, o presidente do Milan, Giussy Farina, demitiu o belga.

Gerets chegou à Itália acolhido pela torcida no aeroporto e saiu do país em lágrimas, também nos braços dos apaixonados torcedores rossoneri. No período em que esteve no Milan, foram disputadas 28 partidas e ele foi utilizado em 20 delas – 13 na Serie A –, e acabou deixando sua marca em uma temporada mediana, mas de recuperação da dignidade da equipe, que ficou com a 6ª posição no campeonato. Por isso, guarda boas recordações do clube e é visto com bons olhos pelos torcedores de mais idade.

Gerets e Blissett (esq.) chegaram para ajudar um Milan que retornava da Serie B, mas pouco fizeram (Colorsport)

De volta à Bélgica, Gerets assumiu sua participação no escândalo e foi punido com dois anos de suspensão – além de ter perdido a braçadeira de capitão dos Diabos Vermelhos. A pena foi extinta em 1985 e o Leão dos Flandres voltou a jogar pelo pequeno MVV Maastricht, de uma cidade holandesa vizinha à Rekem, região fronteiriça belga em que nasceu. Pouco depois, estava de volta ao futebol de alto nível e vestindo a camisa do PSV Eindhoven.

Gerets ainda jogou sete temporadas pela equipe holandesa e conquistou seis vezes a Eredivisie e a única Copa dos Campeões do PSV. Na reta final de sua trajetória, o Leão dos Flandres foi colega de monstros do futebol, como Ruud Gullit, Ronald Koeman e Romário e aprendeu com técnicos do calibre de Guus Hiddink e Bobby Robson.

Depois de se aposentar, quando tinha 38 anos, Gerets virou técnico e desenvolveu carreira consistente, mas que não decolou: treinou clubes de Bélgica, Holanda, Alemanha, Turquia, França e países do Oriente Médio, além da seleção Marrocos. Atualmente, o Leão dos Flandres está afastado do futebol para cuidar mais da saúde e pensa em “pendurar a prancheta”. Seu único contato com o Milan hoje em dia é com Franco Baresi, de quem ficou próximo nos seus meses de San Siro.

Eric Maria Gerets
Nascimento: 18 de maio de 1954, em Rekem, Bélgica
Posição: lateral direito
Clubes como jogador: Standard Liège (1971-83), Milan (1983-84), MVV Maastricht (1984-85) e PSV Eindhoven (1985-92)
Títulos como jogador: Copa dos Campeões (1988), Campeonato Holandês (1986, 1987, 1988, 1989, 1991 e 1992), Copa da Holanda (1988, 1989 e 1990), Campeonato Belga (1982 e 1983), Copa da Bélgica (1981) e Supercopa da Bélgica (1981)
Carreira como técnico: RFC Liège (1992-94), Lierse (1994-97), Club Brugge (1997-99), PSV Eindhoven (1999-2002), Kaiserslautern (2002-04), Wolfsburg (2004-05), Galatasaray (2005-07), Marseille (2007-09), Al-Hilal (2009-10), Marrocos (2010-12), Lekhwiya (2012-14) e Al-Jazira (2014-15)
Títulos como técnico: Campeonato Holandês (2000 e 2001), Campeonato Belga (1997 e 1998), Campeonato Turco (2006), Supercopa da Holanda (2000 e 2001), Supercopa da Bélgica (1998), Copa das Nações Árabes (2012), Campeonato Saudita (2010), Copa da Arábia Saudita (2010), Campeonato Qatari (2014) e Copa do Qatar (2014)
Seleção belga: 86 jogos e 2 gols

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