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Naim Krieziu, o albanês que fugiu da guerra e conquistou a Itália

Albânia e Itália são países com uma antiga ligação. No futebol, o mais recente intercâmbio entre os povos foi a digna participação das Águias na Euro 2016, sob o comando do italiano Gianni De Biasi e com elenco recheado por vários jogadores que já atuaram na Serie A. No entanto, o primeiro albanês a atuar no Belpaese foi o ponta-direita Naim Krieziu, que fez história com a Roma na década de 1940.

Krieziu nasceu em uma época cheia de conflitos na Europa e em uma região com muitas disputas territoriais, que perduram até hoje. Sua cidade natal, Gjakovë, atualmente fica no Kosovo e é habitada por pessoas de etnia albanesa – a fronteira com a atual Albânia fica localizada a cerca de 10 km de lá. Em 1918, o município acabara de ser conquistada pelo reino da Sérvia, o que fez Krieziu e sua família se mudarem para morar com o irmão, oficial do exército em Tirana, capital da Albânia. Até que, em 1939, o imperialismo fascista italiano atravessou o Mar Adriático e invadiu o país, provocando nova reviravolta.

Por um lado, a ocupação promovida pelo Rei Vittorio Emanuele III e por Benito Mussolini provocou um banho de sangue na Albânia, no escopo de conflitos que atiçaram a II Guerra Mundial. Por outro, alguns tratados assinados durante o período fizeram com que ainda mais albaneses fossem morar na Itália e fossem reconhecidos como cidadãos de direito no país e tivessem acesso a serviços públicos – assim como os arbëreshë, antigos povos de origem balcânica que emigraram para a Península Itálica no século XV. Krieziu foi um dos que se mudaram e ajudaram a constituir a segunda maior comunidade de imigrantes na Bota, com quase 500 mil pessoas.

Em 1939, um professor de educação física enviado pelo governo fascista a Tirana ficou encantado com Krieziu, que já era jogador profissional desde os 15 anos e, aos 16, atuava pela seleção – embora ela só viesse a ser reconhecida pela Fifa a partir de 1946. O professor era torcedor da Roma e, como o jovem Naim ia tentar ser educador físico na Cidade Eterna para escapar do conflito em sua terra, o indicou a dirigentes dos giallorossi.

Krieziu já sabia um pouco de italiano – as escolas albanesas ensinavam a língua de forma obrigatória – e decidiu atender ao convite para um teste, no antigo Campo Testaccio, estádio romanista. Foi aprovado após ir bem em um amistoso e, dias depois, estreou oficialmente – curiosamente, contra um amigo. Riza Lushta, meia albanês que havia sido colega de Krieziu no SK Tirana, também se transferira para a Itália e jogava pelo Bari – acabou fazendo carreira e atuou também por Juventus, Alessandria, Napoli e Siena. Na estreia, Krieziu se recordava da assistência que deu para o gol de Miguel Ángel Pantó, mas especialmente do barulho da torcida: “Os romanistas batiam os pés nas madeiras que formavam a arquibancada e faziam um ressoar incrível”, disse, ao AS Roma Ultras.

Ao longo de oito anos pelo clube capitolino, Krieziu virou dono da ponta-direita e se tornou um dos xodós da torcida, por causa do tridente ofensivo que montou com Pantó e Amedeo Amadei. O albanês era hábil com as duas pernas e tinha um chute potente, mas se destacava mesmo por ser muito veloz: fazia 100 metros em 11 segundos, de acordo com registros feitos na época, e por isso era chamado de “A Flecha de Tirana”.

O auge de Krieziu foi alcançado pouco antes de a II Guerra se intensificar e paralisar as atividades esportivas na Itália. Em 1941-42, o trio de frente, comandado pelo húngaro Alfréd Schaffer, conduziu a Roma ao primeiro scudetto de sua história, superando o Torino. Na campanha, o albanês marcou seis vezes e contribuiu bastante com assistências.

O ponta amava a Itália e continuou no país mesmo durante a guerra e depois do fim da ocupação fascista na Albânia. Krieziu deixou a Roma em 1947 e acertou com o Napoli, que ainda não era uma equipe tão forte no país. Vestiu a camisa azzurra por cinco temporadas e levantou uma Serie B até se aposentar, aos 35 anos. Mesmo que não tivesse ganhado nada em sua carreira, o albanês já era um vencedor, afinal escapou dos horrores do fascismo, da guerra e do ódio entre os povos. E viveu bastante, até os 92 anos.

Ao encerrar a carreira Krieziu voltou para a capital e se engajou na prospecção de novos talentos até se tornar um senhor de físico franzino – além de ter sido treinador interino da Roma. Na cidade que adotou como sua, ele treinou a Appio Latino Metronio Associazione Sportiva (conhecida como ALMAS) e foi o responsável por revelar alguns talentos. Entre os jovens lançados por Krieziu estão Vincenzo D’Amico (Lazio), Giancarlo Oddi (Lazio), Giampiero Pinzi (Udinese) e o principal deles: Giuseppe Giannini, que foi herdeiro do seu talento e virou ídolo da Loba giallorossa.

Naim Krieziu
Nascimento: 4 de janeiro de 1918, em Gjakovë, Kosovo
Morte: 20 de março de 2010, em Roma, Itália
Posição: ponta-direita
Clubes como jogador: SK Tirana (1938-39), Roma (1939-47) e Napoli (1947-52)
Títulos como jogador: Serie A (1942) e Serie B (1950)
Carreira como técnico: ALMAS (1956-62 e 1970-73) e Roma (1963)

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