Extracampo

Clubes italianos enfrentam a burocracia para inaugurar novos estádios

As últimas semanas foram cheias de novidades no extracampo do futebol italiano. A começar pela reeleição do presidente da Federação Italiana de Futebol – FIGC, Carlo Tavecchio, que terá mandato até 2020. Apoiado pela maior parte dos grandes clubes do país, o dirigente teve como um dos mantras na campanha a candidatura da Itália para sediar a Euro 2028. Proposta ousada, tendo em vista a situação financeira e estrutural do país, que também impacta no futebol – em especial, nos estádios.

Atualmente, apenas quatro no país estão na categoria 4 da Uefa, maior nível técnico de classificação medido pela administradora do futebol europeu: Olímpico (Roma), San Siro (Milão), Olímpico Grande Torino e Juventus Stadium (Turim). De forma geral, a última grande reforma nas praças futebolísticas do Belpaese aconteceu para a Copa do Mundo de 1990. Quase três décadas se passaram e muito pouco mudou.

Entre os estádios usados no Mundial, o Olímpico de Roma e o San Siro tiveram algumas reformas, estão na maior categoria da Uefa, mas ainda tem uma estrutura envelhecida – principalmente se os compararmos com outros grandes palcos do futebol europeu. Ambos continuam recebendo grandes jogos: a arena de Milão hospedou a final da Liga dos Campeões em 2016 e a romana será uma das sedes da itinerante Euro 2020, com jogos da fase de grupos e das quartas de final.

Enquanto o Delle Alpi (Turim) nem existe mais, Marcantonio Bentegodi (Verona), Renato Dall’Ara (Bolonha) e San Nicola (Bari) estão não estão em boas condições – especialmente o último, que teve problemas graves nos últimos anos. O Sant’Elia (Cagliari), um dos maiores elefantes brancos daquele Mundial, chegou a ser interditado pela prefeitura da cidade sarda e, após uma série de intervenções foi reaberto: adaptado, com três arquibancadas de metal em cima da pista de atletismo, está liberado para receber apenas ¼ da sua capacidade total.

Com fachada feita nos anos 1950 e renovada para a Copa de 1990, o San Siro é um dos mais charmosos estádios do mundo, mas pode melhorar (AFP/Getty)

Pela participação dos clubes mandantes e concessionários em competições internacionais, os estádios Artemio Franchi (Florença), Luigi Ferraris (Gênova), Renzo Barbera (Palermo) e San Paolo (Nápoles) tiveram pequenas reformas nas tribunas e nos vestiários, mas as estruturas continuam obsoletas. O Friuli (Údine), hoje Dacia Arena, foi o único a ter sido remodelado – na verdade, reconstruído. Muito pouco sobrou do simpático estádio, que ganhou um belo visual e agora é de propriedade da Udinese, sob concessão de 100 anos junto à prefeitura.

>>> Saiba mais: Como a Copa de 90 ajudou a frear o futebol na Itália

A arena no nordeste italiano foi uma das primeiras de propriedade privada do país, diretamente ligada aos clubes – e ainda é uma das três da primeira divisão, ao lado das casas de Juve e Sassuolo. Pioneira, a Juventus acertou em cheio com o seu J-Stadium e abriu os olhos do outros clubes da Serie A. Em tempos de crise, com as prefeituras abarrotadas de dívidas e preocupadas com problemas sociais mais urgentes, os estádios não tiveram renovação ou reformas necessárias e se tornaram um dos principais motivos para a evasão dos torcedores e a queda de público do campeonato.

Por isso, depender do governo – em qualquer instância, municipal, regional ou nacional – não é mais uma opção para os clubes italianos. A Juventus aproveitou muito bem o terreno comprado junto à prefeitura de Turim para construir um centro esportivo e comercial, que vai muito além da arena, para dar uma experiência muito melhor para torcedores e turistas e aumentar a própria arrecadação. Pela força política da família Agnelli, conseguir o terreno e investidores não foi tão complicado, mas a burocracia italiana tem frustrado projetos similares.

Se, por um lado, a Udinese conseguiu construir seu estádio com o apoio de sua patrocinadora e o novato Sassuolo ganhou da patrocinadora Mapei sua casa (ainda que a alguns quilômetros de sua cidade), Inter, Milan, Roma e Napoli são exemplos de clubes grandes que esbarraram na burocracia. As prefeituras não têm sido favoráveis para os projetos de locais que poderiam mudar a cidade e ajudar a recuperar o crescimento. Porque, mesmo com investidores e planejamentos prontos, precisam do terreno e da aprovação do conselho municipal.

Fiorentina: o presidente Della Valle observa a maquete do estádio que o clube quer construir (AP)

Por exemplo, a Inter já estruturou um projeto para fazer uma grande reforma no San Siro, transformando o terceiro anel em uma área comercial, sem cadeiras, e realizando a renovação de todos os setores, banheiros, áreas de convivência e da parte externa do “Scala del Calcio”. Claro, tornando o estádio de sua propriedade, ou em conjunto com o Milan. Hoje, os clubes administram o Giuseppe Meazza através de um consórcio e devem se reportar ao Conselho Municipal, além de pagar nove milhões de euros por ano pela concessão exclusiva de um estádio que não gera dividendos a não ser em dias de jogos.

O impasse está na aprovação do conselho local, mesmo que já exista o posicionamento favorável do prefeito Giuseppe Sala. Outro fator importante é a indefinição societária do Milan, em meio às negociações entre Fininvest e Sino-Europe Sports na passagem de propriedade do clube. A própria agremiação rossonera planejou há dois anos seu próprio estádio, na área de Portello, mas desistiu e recentemente teve que pagar cinco milhões de euros de indenização à prefeitura – o processo previa o ressarcimento de 40 milhões, mas as partes chegaram a um acordo.

Se no centro financeiro da Itália a burocracia emperra os projetos, na caótica capital não é diferente. Depois de muita luta, a Roma conseguiu uma abertura com a prefeita Virginia Raggi e relançou o plano de abrir sua nova casa até 2022, juntamente com uma grande área comercial que teria investimentos de cerca de 2 bilhões de euros, sendo 400 milhões destinados ao estádio com capacidade para 52 mil espectadores e possibilidade de expansão para 60 mil. O projeto teve de ser readequado por questões ambientais e por pedido da prefeitura: entre as modificações, as duas torres comerciais que seriam construídas na vizinhança não existirão mais.

Por sua vez, o Napoli, na figura do seu presidente, Aurelio De Laurentiis, tem travado uma guerra com o conselho municipal napolitano, que rejeitou os planos de reestruturação do San Paolo e não colabora com o clube na busca por uma área para construir um novo estádio. A falta de apoio dos municípios é um problema corriqueiro, de norte a sul da Velha Bota.

Na semana passada, a bola da vez foi a Fiorentina, que finalmente lançou o projeto de uma nova arena. O “Renascimento viola”, se inspira no histórico da cidade de Florença, berço do Renascimento italiano, e prevê uma arena para 40 mil espectadores a um custo de 420 milhões de euros e que deve levar dois anos para ser construída, a partir de 2019. O belo projeto do clube é audacioso, mas não há nenhuma certeza de que irá avante. Por enquanto, é apenas mais um entre tantos projetos.

O estádio Renato Dall’Ara e a histórica Torre de Maratona: é mais trabalhoso recuperar um estádio com valor arquitetônico tão único (Benvenuti)

Outro clube que também está pensando em se renovar é o Cagliari, que também anunciou na última semana um plano para desocupar o Sant’Elia, antes de demoli-lo e construir um novo estádio no mesmo local. Enquanto erguem sua nova casa, os sardos pretendem usar as três arquibancadas de metal instaladas na pista de atletismo do estádio e a arquibancada principal da Is Arenas – outra praça cagliaritana já utilizada pelo clube, durante a interdição do Sant’Elia – e assim construir um campo improvisado no estacionamento, com lugar para pouco mais de 16 mil espectadores. Segundo o clube, o conselho municipal e o governo da região deram o aval e os trabalhos serão iniciados em abril.

Atalanta, Empoli e Torino já divulgaram planos para casas próprias, mas após mais de um ano desde que os projetos vieram à tona, muito pouco foi feito. O time de Turim, na verdade, decidiu transformar o histórico estádio Filadelfia em um complexo esportivo, com um campo principal para acomodar 4 mil lugares e campos secundários para treinamentos da equipe principal e Primavera, que mandará seus jogos lá. O Toro também transferiu a sede do clube para o local, e fará um museu e uma pousada para o setor juvenil. Já o Bologna e seus ambiciosos sócios tiveram a primeira aprovação para reformar o Renato Dall’Ara, um dos estádios mais antigos da Itália e conhecido mundialmente pela Torre de Maratona, que fica em uma das tribunas e foi concluída em 1929.

Entre projetos frustrados e novos anúncios, os clubes italianos tentam dar um passo importante para voltarem à grandeza, mas por enquanto esbarram na burocracia, na própria incompetência: na falta de dinheiro em caixa, faltam soluções criativas. Se a Udinese planeja ter lucro com seu estádio daqui a cinco anos, a Suning parece ter outras ideias para a Inter e os torcedores laziali estão em guerra com o presidente Lotito. Em meio a um ambiente de insegurança e com tantas realidades diferentes, ao menos os primeiros passos começam a ser dados. Resta saber se a caminhada continuará ou se acabará como grande parte dos projetos de arenas nos últimos anos: natimorta.

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1 Comentário

  • Muito relevante este texto acerca dos estádios italianos, uma vez que reflete um pouco da defasagem do futebol do Belpaese em relação ao resto da Europa. Em todo caso, é importante que os clubes levem em consideração as variáveis socioeconômicas. Porque existe uma diferença expressiva entre o Norte e o Sul, assim como não adianta erguer um belo estádio se o torcedor não tem condições de arcar com esse custo quando ver o preço dos ingressos bem elevado e incompatível com a renda familiar. Assim, sugere-se aos clubes fazer um censo para descobrir o que pensa o torcedor acerca da reforma ou construção do estádio, bem como até que ponto o torcedor é capaz de bancar para levar sua família ao estádio. Um exemplo que saiu caro é a SPAL: embora voltou à primeira divisão após 49 anos, verificou-se que o clube estava cobrando um valor muito elevado nos ingressos, mesmo que o seu estádio Paolo Mazza seja tão defasado quando o resto do país, e com apenas 7000 de capacidade; resultado: continuou vazio. A sugestão do censo também serve de bússola para o clube melhor se aproximar dos torcedores, mesmo fora do estádio e dos dias de jogos. Como exemplo, está o uso de redes sociais e implementação de programas de fidelidade envolvendo as empresas patocinadoras e os torcedores do clube. Exemplo: sabe-se que a Deco Supermercati é patrocinadora do SSC Napoli; então, o sócio-torcedor do Napoli tem direito a um desconto quando realizar compras nesse supermercado. Em suma, há um horizonte de oportunidades e eu, como um apaixonado pelo futebol italiano, torço para que os clubes italianos se adequem à realidade e reafirmem a expressividade do país no cenário mundial.
    Aproveito para destacar que o Frosinone inaugurou seu estádio recentemente, denominado Benito Stirpe.

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