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Duro e preciso, Luigi Di Biagio foi um dos volantes mais regulares dos anos 1990 na Itália

Nem sempre os mais regulares são os mais brilhantes. Que o diga o volante Luigi Di Biagio, que calcou a sua carreira na solidez e na constância de suas atuações ao longo de quase duas décadas. O meio-campista romano raramente era o maior destaque nas partidas dos times que defendeu, mas se estabeleceu como peça frequente na seleção italiana, com a qual disputou duas Copas do Mundo e uma Eurocopa, entre 1998 e 2002.

Di Biagio nasceu para o futebol nas categorias de base da Lazio, como um meia com a função de bloquear as ações adversárias e reconstruir o jogo da equipe – no Brasil, seria um primeiro volante. A estreia como profissional aconteceu pela equipe romana numa partida disputada contra a Juventus no fim da temporada 1988-89, logo após Gigi completar 18 anos. No entanto, seria a única pelo clube celeste: não foi aproveitado pelo técnico Giuseppe Materazzi e acabou cedido ao Monza.

Pelo clube lombardo, Di Biagio continuou sofrendo com o pouco espaço dado aos jovens e atuou poucas vezes em suas duas primeiras temporadas. Após faturar a Coppa Italia da Serie C com os brianzoli, finalmente o volante ganhou uma vaga no time titular. Em 1991-92 foi peça fundamental do vice-campeonato da equipe na Serie C1 e um dos grandes responsáveis pelo retorno do time à segundona. As atuações lhe valeram uma passagem direta para a primeira divisão, pois seria contratado como um dos reforços do Foggia.

Gigi se encaixou como uma luva na sensação da Serie A, comandada por Zdenek Zeman. No esquema ofensivo do treinador checo, que ficou conhecido como Zemanlândia, Di Biagio cresceu: deixou de ser apenas um volante marcador e aprimorou a sua presença ofensiva, tornando-se um meio-campista completo e muito útil do ponto de vista tático. Competente na armação de jogadas, Gigi também atuava como regista e era capaz de atuar mais solto no meio-campo, chegando até a área adversária para desfrutar de suas fortes finalizações.

Di Biagio era exímio cobrador de pênaltis, mas perdeu cobrança que eliminou a Itália na Copa de 1998 (Allsport)

O volante passou três anos no Foggia e se tornou um dos principais jogadores do clube da Apúlia. Na primeira temporada pelos satanelli, Di Biagio marcou cinco gols e ajudou a equipe a se salvar do rebaixamento na reta final da Serie A. A boa média se manteve na última campanha de Zeman pelos rossoneri, concluída com três gols do meio-campista e o 9º lugar no campeonato. A saída do ousado treinador para a Lazio foi um duro golpe para o Foggia, que apesar das boas atuações de Di Biagio, Pasquale Padalino e Igor Kolyvanov, acabou caindo para a segunda divisão.

A queda significou a saída de Gigi, que assinou com a Roma, sua antiga rival. Assim, se tornou um dos poucos jogadores que vestiram a camisa dos dois clubes romanos em toda a história – até hoje, são menos de 40. Na Cidade Eterna, onde nasceu, Di Biagio ganhou mais relevância e começou a ser considerado um dos melhores jogadores de sua posição.

Em seus tempos de Roma, Gigi foi treinado por Carlo Mazzone, Carlos Bianchi, Nils Liedholm e Zeman, mas nunca deixou de ser titular. Na primeira temporada, concluída com a 5ª posição na Serie A, Di Biagio integrou uma equipe muito boa, que tinha Amedeo Carboni na lateral esquerda, Aldair no centro da zaga, os goleadores Abel Balbo e Marco Delvecchio, os habilidosos Giuseppe Giannini e Daniel Fonseca, além de um Francesco Totti em ascensão. Ao lado de Jonas Thern e Francesco Moriero, o romano dava sustentação para o ataque, sexto melhor daquela temporada. A defesa romanista foi a quarta menos vazada.

A temporada 1996-97 foi falimentar: Bianchi chegou à Roma gabaritado pelos títulos da Libertadores e do Mundial Interclubes de 1994 com o Vélez Sarsfield, mas simplesmente implodiu o que havia sido deixado por Mazzone. Di Biagio foi um dos poucos a manter o bom nível, juntamente a Aldair, Balbo e Totti, mas os giallorossi acabaram brigando para não cair. O treinador argentino foi demitido no final da temporada e Liedholm apareceu como “bombeiro de luxo” para evitar, por quatro pontinhos, a queda da Loba.

Di Biagio teve anos bastante sólidos com a camisa da Roma (EMPICS/Getty)

Voltar a trabalhar com Zeman foi fulcral para a carreira de Di Biagio. Em 1997-98, após a contratação do checo pela Roma, o volante atingiu seu auge, atuando como o regista de um meio-campo de muita força e qualidade, ao lado de Damiano Tommasi e Eusebio Di Francesco. O camisa 4 atuou em 30 partidas daquela Serie A e anotou sete tentos, incluindo uma doppietta contra o Brescia e um contra o Milan. A ótima campanha da Roma, que ficou com a 4ª posição, lhe valeu a primeira convocação para a seleção italiana em janeiro de 1998.

Aos 26 anos, Gigi foi um dos últimos a serem chamados por Cesare Maldini antes da Copa da França, mas acabou participando da competição, da qual foi um dos protagonistas, para o bem e para o mal. Di Biagio jogou nas cinco partidas realizadas pela Nazionale e só não foi titular na estreia, contra o Chile. O volante marcou o primeiro gol da vitória contra Camarões, com uma bela cabeçada, e vinha sendo um dos melhores jogadores italianos no Mundial, até ser protagonista da eliminação contra os donos da casa. Nas quartas de final, italianos e franceses empataram por 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação. Nas penalidades, Di Biagio foi o responsável pela última cobrança, mas acertou uma pancada no travessão: a Squadra Azzurra trombava no fantasma dos pênaltis pelo terceiro Mundial seguido.

Na volta para a Roma, Di Biagio manteve a titularidade e, embora tenha sido considerado vilão por alguns italianos, continuou fazendo parte do projeto da seleção, agora treinada por Dino Zoff. Gigi marcou três gols em 1998-99 e foi apenas coadjuvante da equipe, 5ª colocada na Serie A. Mesmo assim, o volante estava valorizado e acabou passando à Inter.

A chegada de Di Biagio ao clube de Milão fazia parte de uma reformulação feita pela diretoria, que afetou o comando técnico e alguns setores, como o meio-campo. Marcello Lippi foi contratado e fez uma troca total no meio-campo: saíram Zé Elias, Aron Winter e Diego Simeone (envolvido na transação que levou Christian Vieri à Inter), e chegaram Di Biagio, Vladimir Jugovic e Ousmane Dabo. A temporada interista foi muito irregular, com a alternância de derrotas vexatórias e grandes atuações. Ainda assim, a equipe se classificou à Champions League após vencer o jogo-desempate contra o Parma e foi vice-campeã da Coppa Italia.

A Inter foi o último grande clube pelo qual Di Biagio atuou (imago/Contrast)

Ao fim da temporada, Gigi foi convocado para defender a Itália na Euro 2000. Assim como na Copa de 1998, ele marcou um gol na fase de grupos (este, diante da Suécia) e ganhou a titularidade no decorrer do torneio. Nas semifinais, contra a Holanda, foi escalado para cobrar um dos pênaltis após o 0 a 0, e dessa vez pode respirar aliviado com a bola nas redes. A França, porém, voltou a ser a fonte de sua tristeza, já que foi campeã em cima da Itália graças ao gol de ouro de David Trezeguet.

Ao vice-campeonato europeu se seguiu um ano de enorme confusão na Inter, com altos e baixos ainda maiores do que em 1999-2000. A irregularidade da Beneamata afetou o futebol de todos os jogadores e Di Biagio acabou perdendo espaço na seleção. Ele só voltou a ser considerado a partir da temporada 2001-02, quando se tornou titular absoluto do time treinado pelo argentino Héctor Cúper, que finalmente tornou a Inter competitiva.

A Inter fez uma excelente campanha naquela temporada, mas deixou tudo ruir em abril de 2002. Naquele mês, caiu para o Feyenoord nas semifinais da Copa Uefa e viu sua vantagem para a Juventus na Serie A cair de cinco para apenas um ponto; e até mesmo a Roma tinha chances matemáticas de ser campeã. O dia 5 de maio, no qual seria realizada a última rodada do Italiano, acabou se tornando pesadelo para os interistas: a equipe poderia ter saído da fila do scudetto, que não conquistava desde 1989, mas caiu para a Lazio. Com um gol de falta de Di Biagio, a Inter vencia por 2 a 1, mas levou a virada, perdeu por 4 a 2 e ficou com a terceira colocação. Após o desastre nerazzurro, Gigi viajou para a Ásia com a seleção italiana, mas disputou apenas uma partida da Copa do Mundo de 2002.

No ano seguinte, a Inter continuou brigando por títulos, sempre com Di Biagio na base de seu meio-campo. Do alto de sua experiência, o volante de 31 anos manteve o bom nível de suas atuações, colaborou com o início do ciclo europeu da Itália e, pela Beneamata, até marcou gols decisivos na Liga dos Campeões: um sobre o Sporting, que abriu o caminho para o avanço dos interistas à fase de grupos, e uma doppietta sobre o Bayer Leverkusen, na segunda fase da competição. A Inter acabaria sendo eliminada pelo Milan nas semifinais após empatar por 0 a 0 como visitante e 1 a 1 como mandante, e terminou a temporada com o vice-campeonato da Serie A. Com 32 anos recém-completados, Gigi deixou a Inter em fim de contrato e acertou com o Brescia.

Pouco antes de se aposentar, o volante chegou a ser capitão do Brescia (PA Images/Getty)

Por outro clube tradicional da Lombardia, Di Biagio também foi importante. Como suporte ao centroavante Andrea Caracciolo e ao veteraníssimo Roberto Baggio, que fazia sua última temporada, Gigi jogou mais solto e chegou a marcar sete gols em 2003-04. A aposentadoria de Baggio foi um duro golpe para as andorinhas, que não escaparam do rebaixamento na temporada seguinte, não obstante os nove gols anotados pelo volante – que teve sua melhor marca na carreira. A queda aconteceu apenas na última rodada, graças a uma derrota no confronto direto com a Fiorentina, que ultrapassou o Brescia na tabela.

O volante romano ficou para a disputa da segunda divisão com o Brescia, mas já experimentava diversos problemas físicos às vésperas de completar 35 anos. Ao fim de 2005-06, Di Biagio rescindiu seu contrato com os brescianos e acertou com o Ascoli, que estava na elite. Após somente sete jogos pelo clube marquesão, decidiu se aposentar. Até hoje, graças a sua garra e a sua rispidez nas jogadas, é o segundo jogador que mais vezes foi expulso na Serie A, atrás apenas do uruguaio Paolo Montero: são 12 cartões vermelhos para o ex-volante, que também recebeu 100 amarelos na competição.

Em 2008, o ex-jogador acertou com a Cisco Roma para treinar a equipe sub-17. Após três anos pelo pequeno clube capitolino e um curto período como comentarista, Di Biagio foi convidado para assumir a seleção sub-20 da Itália. Em 2013, com a saída de Devis Mangia, subiu um degrau e se tornou técnico da equipe sub-21.

À frente dos azzurrini, Gigi teve a chance de trabalhar com duas ótimas gerações, mas demorou a engrenar: após cair na fase de grupos da Euro da categoria, em 2015, levou a Itália à terceira posição, dois anos depois. Agora, com toda a confusão na FIGC, ele recebe a maior oportunidade da carreira. Como treinador interino da seleção principal, em substituição a Gian Piero Ventura, o ex-volante terá até a Copa do Mundo para convencer o próximo presidente da federação local de que tem condições de ser efetivado e conduzir o novo ciclo da Nazionale.

Luigi Di Biagio
Nascimento: 3 de junho de 1971, em Roma
Posição: volante
Clubes: Lazio (1988-89), Monza (1989-92), Foggia (1992-95), Roma (1995-99), Inter (1999-2003), Brescia (2003-06) e Ascoli (2007)
Títulos conquistados: Coppa Italia da Serie C (1991)
Carreira como técnico: Itália sub-20 (2011-13), Itália sub-21 (2013-hoje) e Itália (2018; interino)
Seleção italiana: 31 jogos e 2 gols

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