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Mesmo contestado, Christian Abbiati é o goleiro com mais jogos pelo Milan

Geralmente o goleiro que acumula mais partidas por um time se torna ídolo inquestionável da torcida. Afinal, é necessário muita solidez embaixo das traves para uma figura tão singular no futebol permanecer bastante tempo num clube de grande porte. Christian Abbiati no Milan, porém, derruba essa tese. Com 380 jogos oficial pelo Diavolo, é o arqueiro que mais vezes vestiu a camisa rossonera. E não é que ele leva vantagem por causa de um ou outro jogo realizado: o segundo no ranking milanista, Sebastiano Rossi, tem 50 exibições a menos.

Abbiati, curiosamente, nasceu num lugar que remete a seu sobrenome: Abbiategrasso, pequena comuna a cerca de 20 km a oeste de Milão. Desde cedo, ele foi influenciado pelo pai, Luigi, a torcer pela Inter. Assim, o garoto viu em Walter Zenga, histórico goleiro da Beneamata e da seleção italiana, sua maior referência. Na infância, praticou atletismo e basquete, mas foi o futebol que despertou sua paixão. Em 1988, aos 11 anos, entrou para a Aurora OSGB, equipe paroquial da região onde morava. Como era a criança mais alta da turma, ele foi para o gol.

Vislumbrando uma carreira no futebol, Abbiati se mudou para Milão aos 13 anos. Depois do início na Aurora OSGB, passou por três times na transição da adolescência para a juventude: Atletic Trezzano (1991-92), Assago (1992-93) e Corsico (1993-94). Em 1994, entre os 16 e 17 anos, deu um salto de qualidade e acertou com o Monza, após encher os olhos de dirigentes ao defender dois pênaltis durante um amistoso pelo Corsico.

Naquela época, o Monza estava disputando a Serie C1, equivalente à terceira divisão da Itália. Abbiati entrou em campo somente uma vez, na derrota por 1 a 0 para o Modena, fora de casa, em dezembro de 1994. No verão europeu do ano seguinte, o jovem arqueiro foi emprestado ao Borgosesia, que militava no antigo Campionato Nazionale Dilettanti, equivalente à quinta divisão. O jogador não demorou a ocupar a posição de titular do time granata e chegou até a representar outra agremiação com as mesmas cores: em fevereiro de 1996, passou alguns dias emprestado ao Torino para disputar a Copa Viareggio. Após o torneio, fez escala no Borgosesia e retornou ao Monza na esperança de receber mais chances.

Embora tenha começado aquela temporada na reserva de Giuseppe Gatta, ele ganhou a titularidade na 11ª rodada da Serie C1. O Monza acabou subindo de divisão, após vitória nos playoffs, e Abbiati teve ótimo desempenho: sofreu apenas 17 gols em 25 jogos. Passou sete fins de semana com a meta inviolada e foi o goleiro menos vazado da competição.

Rivais em campo, “parceiros” políticos: Buffon e Abbiati se encontraram muitas vezes em clássicos entre Juventus e Milan (Getty)

No entanto, na temporada seguinte, o Monza lutou para não cair na Serie B, encerrou o campeonato à beira do rebaixamento, e Christian foi vazado quase o triplo de vezes em relação à época anterior. Após o fim do certame, o Milan finalmente conseguiu contratar o promissor goleiro após anos de namoro: pagou 1,5 bilhão de velhas liras para tirá-lo dos brianzoli.

No verão europeu de 1998, Abbiati se juntou ao plantel milanista, que já contava com dois gabaritados goleiros: Sebastiano Rossi e Jens Lehmann. Por isso, era de se imaginar que teria de aguardar pacientemente por uma oportunidade de atuar pelo seu novo time. O arqueiro, contudo, se beneficiou da saída do alemão para o Borussia Dortmund e da expulsão de Rossi aos 47 minutos do segundo tempo na vitória por 2 a 1 sobre o Perugia, em casa, pela 17ª rodada da Serie A, para se afirmar embaixo das traves milanistas. Assim, ele foi titular durante o restante da temporada 1998-99 e ajudou os rossoneri a conquistarem o scudetto.

O ano 2000 também ficou marcado na carreira de Abbiati. Isso porque ele foi o goleiro titular da seleção italiana sub-21, à época treinada pelo icônico Marco Tardelli, que faturou o título do Europeu da categoria. Passados alguns dias, Christian recebeu uma grande notícia: havia sido convocado por Dino Zoff, então técnico da Itália principal, para fazer parte do elenco que disputaria a Eurocopa de 2000. Ele entrou como terceiro goleiro, ocupando a vaga deixada por Gigi Buffon, lesionado.

Ainda naquele ano, o atleta também seria chamado para os Jogos Olímpicos de Sydney. Em 2002, foi relacionado por Giovanni Trapattoni para ser o terceiro arqueiro da Itália na Copa do Mundo. Um ano mais tarde, faria sua estreia pela Nazionale num amistoso vencido pela Itália por 2 a 1 sobre a Suíça, em Genebra.

Depois de quase quatro anos ostentando a titularidade embaixo da baliza milanista, Abbiati não conseguiu acompanhar a ascensão de um arrojado Dida e perdeu seu lugar no onze inicial para o brasileiro. Porém, o italiano teria papel fundamental no jornada rossonera que culminaria no título da Liga dos Campeões em 2003. Para o dérbi contra a Inter, válido pelo jogo de volta das semifinais, Dida foi vetado devido a uma lesão na mão esquerda. O técnico Carlo Ancelotti deixou bem claro, nas vésperas do embate, que confiava no camisa 18. E não deu outra: Abbiati confirmou as expectativas e teve uma grande atuação diante da rival regional. Na final, frente à Juventus, o brasileiro se recuperou da contusão e brilhou nas disputas de pênaltis.

Abbiati celebra defesa contra a Inter nas semifinais da Liga dos Campeões (Getty)

Com Dida evoluindo jogo após jogo, Christian não encontrou outra saída a não ser pedir para ser emprestado. Em meados de 2005, o Milan o cedeu ao Genoa, que retornava à elite após figurar na segunda divisão, por empréstimo com opção de compra. Mas o goleiro não chegou a entrar em campo oficialmente pelos grifoni, já que foi descoberto que as diretorias do Genoa e do Venezia combinaram o resultado do duelo entre eles, na rodada final da segundona. A punição aos genoveses foi o rebaixamento à Serie C1, o que levou o goleiro a outro destino: o Milan logo o emprestou gratuitamente à Juventus, que buscava um arqueiro após Buffon machucar o ombro.

Na Juventus, assumiu o posto de titular durante o tempo que Gigi se recuperava de lesão. O milanês atuou em 27 jogos e levou 17 gols. Em campo, a Juventus levou o scudetto da edição 2005-06, mas o título acabou revogado pela justiça italiana devido ao esquema Calciopoli, que também puniu a Vecchia Signora com o rebaixamento à segunda divisão. Pouco utilizado no segundo semestre da temporada, o arqueiro não foi convocado à Copa do Mundo. Ele voltou ao Milan para ser emprestado novamente. Seu rumo? O Torino.

Se na Juventus as exibições de Abbiati foram relativamente boas, no rival Torino o goleiro não teve vida fácil. Titular do Toro, tomou 44 gols e recebeu um cartão vermelho em 38 partidas pela equipe – entre Serie A e Coppa Italia. Resultado: o time de Turim escapou do descenso por ter somado um ponto a mais que o Chievo, clube que fechou a zona de rebaixamento à segundona.

Enquanto Dida desfrutava de mais uma conquista de Liga dos Campeões, Abbiati deixava a Itália para se transferir à Espanha, onde assinaria com o Atlético de Madrid um vínculo de empréstimo de um ano. O jogador se adaptou rapidamente à capital espanhola, pegou a vaga de titular do argentino Leo Franco no decorrer da temporada e demonstrou interesse em permanecer no clube. Mas, no fim das contas, ele acabou voltando ao Milan, dessa vez para ficar e batalhar por posição.

Na época 2008-09, o italiano de Abbiategrasso levou a melhor sobre Dida e o australiano Zeljko Kalac e foi titular da meta milanista até março de 2009, quando sofreu uma grave lesão no joelho direito numa colisão com Giuseppe Favalli, seu companheiro de equipe, num jogo contra o Siena, pela Serie A. Ele precisou passar por procedimento cirúrgico para reconstruir seu ligamento cruzado anterior e ficou ausente dos gramados por seis meses. O arqueiro brasileiro entrou em seu lugar.

Naquela mesma temporada, Abbiati afirmou que rejeitaria uma futura convocação para a seleção italiana, se não fosse para ser titular – o que, com a concorrência de Buffon, logicamente era impossível. O atleta nunca mais foi chamado para a Squadra Azzurra. Assim, encerrou sua passagem pela Nazionale com quatro amistosos disputados, três gols sofridos e nenhum título no currículo.

Abbiati defendeu a meta da Juventus por seis meses na campanha do scudetto revogado, em 2006 (Getty Images)

Totalmente recuperado, Abbiati aproveitou a saída de Dida, em 2010, para se firmar como titular do time de Massimiliano Allegri. Não à toa, renovou com o clube até 2013 e foi um dos pilares na campanha da última Serie A conquistada pelo Milan, em 2011 – o seu terceiro scudetto. Meses depois, o lombardo ajudaria os rossoneri a vencerem mais uma taça: a Supercopa Italiana. O Diavolo bateu a Inter por 2 a 1, em Pequim, e faturou o troféu.

Em outubro de 2011, Abbiati utilizou a faixa de capitão do Milan pela primeira vez. Dois anos depois, o goleiro alcançou o recorde de arqueiro com mais partidas oficiais pelo clube milanês. Ao fim daquela temporada, ele estendeu contrato com a agremiação por mais um ano, e continuou a exercer sua influência no plantel. Em 2014-15, o veterano perdeu espaço no time após a chegada do espanhol Diego López e entrou em campo somente 13 vezes. Christian recebeu mais uma prorrogação de vínculo, este até junho de 2016.

A temporada 2015-16 foi a última de Abbiati como jogador profissional. O técnico sérvio Sinisa Mihajlovic promoveu a estreia do promissor Gianluigi Donnarumma, com apenas 16 anos, e definiu o já careca arqueiro como terceira opção para a posição, atrás também de Diego López. Ele fez cinco aparições na Coppa Italia, onde o Milan chegou à final – perdeu para a Juventus, na prorrogação, com Donnarumma embaixo das traves – e apenas uma na Serie A. Assim, pendurou as luvas e as chuteiras com 380 jogos e oito títulos nos 15 anos em que vestiu rossonero. Seba Rossi (330) e Dida (302) vêm atrás.

Aposentado dos gramados, Abbiati virou cartola. Em junho de 2017, o Milan anunciou que o ex-goleiro estava de volta ao clube, dessa vez para executar a função de team manager. O cargo consistia em ser uma interface entre a equipe e a diretoria do clube, respondendo diretamente ao então chefe da área técnica, Massimiliano Mirabelli. Porém, um ano depois, Christian pediu demissão e, desde então, não voltou a trabalhar como dirigente em outro lugar.

Polêmica fora dos gramados

Abbiati não é conhecido só por ser o jogador que detém o recorde de partidas como goleiro do Milan. Em 2008, o jogador revelou compactuar com algumas ideias ligadas ao fascismo. “Não tenho vergonha de manifestar minha fé política. Do fascismo, compartilho ideais como a pátria, a ordem social e os valores da religião católica”, admitiu o arqueiro, em entrevista à revista Sportweek, pertencente ao jornal Gazzetta dello Sport.

Curiosamente, o Milan é um clube que criou forte ligação com a direita nas últimas décadas, muito em função de Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano: o Cavaliere ficou 31 anos à frente da diretoria rossonera, tornando-se o maior presidente da história da agremiação. Além de Abbiati, outros atletas conhecidos dos fãs de futebol italiano já demonstraram ser adeptos de conceitos geralmente associados ao fascismo, como Gianluigi Buffon, Paolo Di Canio, Fabio Cannavaro, Daniele De Rossi e Alberto Aquilani.

Christian Abbiati
Nascimento: 8 de julho de 1977, em Abbiategrasso, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Monza (1994-95 e 1996-98), Borgosesia (1995-96), Milan (1998-2005 e 2008-16), Genoa (2005), Juventus (2005-06), Torino (2006-07) e Atlético de Madrid (2007-08)
Títulos: Serie A (1999, 2004 e 2011), Campeonato Europeu Sub-21 (2000), Coppa Italia (2003), Liga dos Campeões (2003), Supercopa Italiana (2004 e 2011)
Seleção italiana: quatro jogos e três gols sofridos

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