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Gianfranco Bedin e Inter: uma história de amor e títulos que esteve perto de jamais acontecer

Nos anos 1960, a chamada Grande Inter entrou para a história do futebol italiano como um dos times mais vitoriosos já montados na Velha Bota. No meio-campo, um jovem se tornaria fundamental para o funcionamento do esquema armado por Helenio Herrera: seu nome era Gianfranco Bedin, cria da base nerazzurra. Entre sua estreia em uma partida da Coppa Italia, em junho de 1964, e sua despedida de Milão, em maio de 1974, foram 3629 dias de pura entrega, dedicação e amor ao clube que ele escolheu defender. Contudo, essa união quase não foi concretizada.

Nascido na pequena comuna de San Donà di Piave, na região de Veneza, em 1945, Bedin começou a jogar futebol de maneira mais constante aos 10 anos de idade. Naquela época, ele ingressou numa escolinha local, que tinha uma parceria com a Juventus. O jovem Bedin foi desenvolvendo seu jogo como um meia ofensivo e, dessa forma, adquiriu uma visão de jogo que o acompanharia no restante da carreira. Ainda como trequartista, Gianfranco esteve muito perto de ir jogar na Vecchia Signora, mas um episódio que mudaria o rumo de sua carreira e daria à Inter um dos principais volantes de sua história.

Poucos dias antes de viajar para Turim, onde iniciaria uma semana de testes na Juventus, um dirigente da Inter viajou até San Donà di Piave em busca de jovens talentos. Em sua excursão ao Vêneto, teve a oportunidade de assistir o talentoso trequartista do time local jogar e resolveu, no mesmo dia, conversar com sua família sobre levá-lo a Milão. Com uma oferta concreta, Bedin declinou os testes na Juve e, assim, iniciou sua história na Beneamata.

Bedin integrou a primavera da Inter por uma temporada, sempre treinando em sua posição de origem, embora seu físico e vitalidade já indicasse que o jogador poderia ser muito versátil. Para o duelo das quartas de final da Coppa Italia de 1963-64, contra o Torino, Helenio Herrera perdeu Carlo Tagnin lesionado. Para substitui-lo, resolveu fazer uma aposta ao utilizar o jovem Bedin, que ainda nem tinha 19 anos, numa posição em que ele não estava habituado a ocupar.

Bedin dominou o meio-campo da Inter por uma década (Arquivo/Inter)

Tagnin tinha uma função bastante específica dentro do estilo de jogo de Herrera. Era o jogador responsável por acompanhar todos os passos do regista do time rival: ou seja, era um carrapato grudado nos calcanhares do mais criativo dos adversários. Com a vitalidade própria de um jogador que tem fome de se provar, e mostrando muita inteligência em sua movimentação, Bedin conseguiu impressionar o comandante na execução de um novo papel. Mesmo com uma derrota interista por 4 a 1, Bedin ascendeu como um fenômeno para se transformar em titular na temporada seguinte.

Integrante do onze titular na segunda metade da temporada 1964-65, Bedin foi uma das peças importantes para a conquista do scudetto, que ficou com os nerazzurri depois de uma disputa espetacular, rodada a rodada, com o Milan. Cada vez mais adaptado à função exigida por seu comandante, Gianfranco também  entendia que, como não era o jogador mais talentoso do meio para frente, poderia se destacar sendo parte da sustentação defensiva da Grande Inter. E assim foi: ainda em sua primeira temporada como titular, Bedin teve uma das maiores atuações de sua carreira ao anular Mário Coluna, fiel escudeiro de Eusébio e craque do Benfica, na final da Copa dos Campeões de 1965.

Na temporada seguinte, o meia defensivo viveu o momento de real afirmação na carreira. Foi titular em 28 das 34 rodadas do Campeonato Italiano, e marcou cinco gols nessa campanha – esta viria a ser sua melhor marca em uma única época. De quebra, a Inter conquistou uma vez mais a Serie A, ao vencer a Lazio por 4 a 1 na penúltima rodada. Com as exibições de destaque na temporada, o ano de 1966 rendeu ainda a Bedin outro momento marcante na carreira: a primeira convocação para a Squadra Azzurra. O vêneto estreou com a camisa da Itália com uma vitória por 1 a 0 num amistoso contra a Áustria, em Milão.

Apesar do sucesso com a Grande Inter e de ter integrado a seleção do campeonato na temporada de 1965-66, Bedin não voltaria a receber chances na Nazionale até 1971. A concorrência era muito forte e jogadores como Romano Fogli, Giovanni Lodetti, Pierluigi Cera e Giacomo Bulgarelli estavam à frente na hierarquia da seleção italiana – comandada por Edmondo Fabbri até a Copa do Mundo de 1966 e por Ferruccio Valcareggi, depois.

Formado como meia ofensivo, Bedin foi recuado e se tornou um dos principais volantes da história da Inter (Colorsphoto)

Entretanto, Bedin continuava sua trajetória de sucesso na Inter a todo vapor. O volante foi novamente titular em quase toda campanha do time no Campeonato Italiano de 1966-67, o qual a Beneamata deixou escapar na última rodada. O scudetto evanesceu quando a equipe perdeu por 1 a 0 para o Mantova, com direito a frango do goleiro Giuliano Sarti, e a Juventus triunfou, sacramentando a ultrapassagem e a volta ao topo.

Na Copa dos Campeões daquele ano, os comandados de Helenio Herrera fizeram outra grande campanha e Bedin também se destacou. O meia defensivo adicionou outra excelente exibição ao currículo quando a Inter encarou o Real Madrid nas quartas de final: na vitória por 2 a 0 no Santiago Bernabéu, Gianfranco anulou um experientíssimo Paco Gento. Ao fim da campanha, a Beneamata acabaria perdendo a decisão para o Celtic, por 2 a 1, e o vice-campeonato foi considerado o canto do cisne da Grande Inter.

Após a saída de Herrera, Bedin enfrentou temporadas difíceis, perdendo a condição de titular em muitos momentos e tendo que se adaptar ao novo momento do clube. O jogador voltou a recuperar a titularidade para valer na temporada 1970-71, quando Giovanni Invernizzi assumiu o comando técnico da Inter e confiou a Gianfranco a responsabilidade de ser seu ajudante dentro de campo. No campeonato daquela temporada, que consagrou a Beneamata outra vez campeã depois de três anos, Bedin começou jogando em 28 partidas e a Beneamata só perdeu uma delas.

Com Invernizzi no comando, Bedin continuou a ser responsável pelo regista adversário, mas como os integrantes de outras escolas do futebol mundial mapeavam o catenaccio italiano, o ídolo interista precisava cobrir uma área cada vez maior do campo. Isso ficou evidenciado na última final europeia que o vêneto disputou com a camisa da Inter: a decisão da Copa dos Campeões de 1972, quando a equipe nerazzurra foi derrotada por 2 a 0 pelo Ajax de Johan Cruyff, que teve uma das atuações mais emblemáticas da história da competição.

Na parte final da carreira, Bedin também foi capitão da Samp (Wikipedia)

Em 1974, o jogador deixou a Inter e foi jogar na Sampdoria. No novo momento da carreira, trabalhou em uma função mais próxima à que esteve habituado quando ainda era um menino, com mais liberdade para atacar. O clube de Gênova vivia anos duros e, distante do glamour de Milão e das glórias que a equipe lombarda lhe proporcionava, Bedin estava imerso numa realidade bem distinta da que se acostumou a encarar em sua década áurea pela Beneamata. O meia auxiliou o clube a escapar do rebaixamento por duas temporadas consecutivas, mas em 1976-77 a queda acabou sendo inevitável.

Bedin ficou no clube da Ligúria e disputou a Serie B Italiana na temporada seguinte, sendo titular em 35 partidas. Contudo, a Sampdoria não conseguiu o acesso e o meia encerrou sua trajetória no clube com 125 partidas disputadas e oito gols marcados. Acabou abrindo espaço para a renovação feita pelo presidente Paolo Mantovani, que arquitetou o time que fez a Samp viver sua era de ouro nos anos posteriores.

Enquanto a Sampdoria se reencontrava, Bedin passou por Varese, Livorno e Rondinella, mas não obteve muito sucesso nas divisões inferiores. O meio-campista pendurou as chuteiras em 1981, como exemplo de atleta que soube se adaptar às necessidades da equipe que defendia e que, também por isso, construiu uma carreira vitoriosa. Depois de se aposentar, Bedin ocupou cargos nas divisões de base da Inter e, entre 2012 e 2014, foi auxiliar técnico da equipe principal nerazzurra.

Gianfranco Bedin
Nascimento: 24 de julho 1945, em San Donà di Piave, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Inter (1964-1974), Sampdoria (1974-1978), Varese (1978-1979), Livorno (1979-1980), Rondinella (1980-1981)
Títulos como jogador: Serie A (1965, 1966, 1971), Copa dos Campeões (1965), Copa Intercontinental (1965)
Seleção italiana: 6 jogos

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