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Marcador implacável, Matías Almeyda venceu a depressão e se destacou por Lazio e Parma

Jogador de futebol precisa lidar com muitas adversidades, dentro e fora de campo, durante a carreira. Uma delas é a depressão. Segundo estudo da FIFPro, o sindicato internacional dos atletas, divulgado em 2015, um terço dos jogadores sofre com a doença. O ex-volante Matías Almeyda foi um dos atingidos pela enfermidade e quase acabou com sua vida. Após boas passagens por Lazio e Parma, o argentino recebeu na Internazionale o diagnóstico de que estava deprimido. Apesar disso, ele conseguiu construir uma carreira icônica.

Natural de Azul, cidade na província de Buenos Aires, Almeyda começou a jogar bola bem cedo. Foi convidado a fazer uma série de testes no River Plate. Na primeira chamada, quando apareceu no CT dos Millonarios com a cabeça raspada, ele ganhou o apelido de “El Pelado”. Aprovado na peneira em 1989, o jovem passou pelas categorias de base do gigante de Buenos Aires e chegou ao profissional dois anos depois.

Almeyda ficou no River até 1996 e ajudou o clube a conquistar três edições do Campeonato Argentino (1993, 1995 e 1996) e uma Copa Libertadores (1996). Ele fez parte de um dos grandes esquadrões da história do River Plate. Não à toa, dividiu vestiário com jogadores do calibre de Pablo Aimar, Ariel Ortega, Santiago Solari e Hernán Crespo – todos vingaram e foram para a Europa. Em 1996, o volante foi convocado pela primeira vez para a seleção argentina. Seu nome também esteve na lista de selecionados para os Jogos Olímpicos de Atlanta. A Albiceleste ficou com a medalha de prata, após perder a final para a Nigéria.

Em evidência no futebol latino-americano, Almeyda entrou no radar dos grandes clubes europeus. No fim de agosto de 1996, o Sevilla fez uma proposta irrecusável ao River: pouco mais de 9 milhões de dólares. Com isso, a promessa argentina trocou Buenos Aires pela Andaluzia, numa transação recorde no futebol argentino à época. O atleta também estava na pauta do Real Madrid.

Almeyda chegou ao Sevilla com pompa. Pegou a camisa de titular logo de cara, mas não conseguiu evitar o rebaixamento do time rojiblanco à segundona espanhola: eles ficaram na lanterna do campeonato. Depois de apenas 28 jogos pelo clube sevillista e uma queda de divisão, Pelado mudou para a Itália e assinou com a Lazio, onde ganhou outro apelido: “Índio”.

Foi na capital que sua carreira decolou. Por ser um dos jogadores mais baixos do grupo, ele montou uma academia em casa e praticou aulas de boxe, a fim de compensar sua baixa estatura (1,74m) com massa muscular. Em sua primeira temporada pela nova equipe, o camisa 28 revezou entre a titularidade e a reserva e foi campeão da Coppa Italia em cima do Milan. A Lazio também fez boa campanha na Copa Uefa (atual Liga Europa), perdendo para a Inter na final, por 3 a 0 – ele foi expulso nesse jogo, aos 44 minutos do segundo tempo.

Em 1997-98, Almeyda tomou conta do meio-campo defensivo da Lazio. Titular absoluto, ele fez grandes partidas e fisgou a torcida laziale. As águias iniciaram e encerraram a temporada levantando troféu: no início, vitória por 2 a 1 na Supercopa Italiana; no fim, um 2 a 1 sobre o Mallorca deu a taça da Recopa Europeia (torneio da Uefa já extinto) aos italianos. A Lazio – e a Juventus também, diga-se – brigou até o fim pela ponta da Serie A, mas foi o Milan que acabou levando o scudetto.

Almeyda foi peça fundamental no meio-campo da Lazio e conquistou seis títulos pelo clube romano (Allsport)

O Pelado estava em uma fase tão boa que até balançou as redes, nos 2 a 0 diante do Bologna, no Olímpico, pela 32ª rodada da liga. Almeyda também esteve no grupo que disputou a Copa de 1998, sendo titular nos cinco embates da Argentina no Mundial – os argentinos saíram nas quartas de final, após revés para a Holanda. Ao fim da temporada 1998-99, o hermano ganhou o Guerin d’oro, prêmio concedido pela revista Guerin Sportivo ao melhor do campeonato recém-concluído.

A Lazio aumentou o sarrafo na temporada seguinte e alcançou títulos. Os comandados de Sven-Göran Eriksson não deram chance para os rivais nacionais e fizeram a dobradinha, levando para a capital as taças da Serie A e da Coppa Italia. Antes disso, no primeiro jogo da campanha, os biancocelesti superaram o potente Manchester United na Supercopa da Uefa, graças ao gol solitário de Marcelo Salas. Na Liga dos Campeões, dominaram a fase de grupos – quatro vitórias e dois empates – e bateram o Chelsea na etapa seguinte, mas caíram nas quartas de final, diante do Valencia, finalista daquela edição.

Embora fosse um volante marcador, Almeyda, vez ou outra, se apresentava à frente. Ele tinha essa característica desde a época de River Plate, onde marcara muitos gols de cabeça e arriscando de fora da área. Na Lazio, Almeyda anotou um dos tentos mais bonitos de sua carreira. No dia 26 de setembro de 1999, os laziali empatavam em 1 a 1 com o Parma, no Ennio Tardini, pela quarta rodada da Serie A, até que o camisa 28 acertou, sem deixar a bola cair, um míssil a 35 metros do gol. O jovem Gianluigi Buffon, goleiro do Parma à época, estava adiantado e acabou encoberto.

Curiosamente, o Parma voltaria à rota do Pelado após o fim da época temporada 1999-2000. É que a Lazio o envolveu, junto ao português Sérgio Conceição, num negócio com os crociati para ter o bomber Crespo. Assim, Almeyda e Conceição foram para a Emília-Romanha, ao passo que o artilheiro rumara para a capital. No Ennio Tardini, o volante manteve a boa performance, ajudou os ducali na conquista da Coppa Italia 2001-02 e fez parte de um esquadrão de respeito, que contava com Cláudio Taffarel, Fábio Cannavaro, Néstor Sensini, Marco Di Vaio, entre outros.

O camisa 25, contudo, passou por alguns episódios de tensão. Em sua biografia, “Almeyda, Anima e Vita”, ele revelou que uma vez teve de sair do Ennio Tardini no porta-malas do carro de seus sogros, pois havia 20 ultras gialloblù à sua espera. É que o Índio tinha desferido um olhar desafiador aos torcedores após ter ouvido alguma coisa. Temendo o pior, ele fez amizade com um grupo de jogadores de rugby argentinos, que o acompanhou ao estádio do Parma na partida seguinte. “Um ultra grande e gordo me parou com a barriga: ‘Você deve pedir desculpas aos torcedores’. ‘Não pedirei desculpas por algo que eu não fiz’, eu respondi, sabendo que os meus amigos estavam prontos para intervir”, relatou.

Almeyda foi chamado pelo técnico Marcelo Bielsa para a Copa do Mundo de 2002, na Coreia do Sul e no Japão, mas a seleção argentina fez uma péssima campanha, sendo eliminada na primeira fase. O volante não foi utilizado na vitória sobre a Nigéria e na derrota ante a Inglaterra. Na última rodada, contra a Suécia, Bielsa o lançou como titular, mas acabou sacado aos 18 minutos do segundo tempo. Os argentinos empataram com os suecos em 1 a 1 e deram adeus ao Mundial. Após 2003, Índio não foi mais chamado para a Albiceleste.

O fim da linha para Almeyda no Parma veio no verão europeu de 2002, após receber um recado subliminar da máfia. A explicação está na sua biografia: “Depois que eu tive uma briga com [o presidente] Stefano Tanzi, uma vez a polícia me parou e apreendeu meu carro. Alguns dias depois, eu acordei e o carro novo havia desaparecido da garagem. Aconteceu o mesmo com [Savo] Milosevic, que também estava em conflito com o clube e tinha um contrato alto como o meu. Um dia minha esposa voltou para casa e ouviu vozes lá dentro. Ela fugiu e chamou a polícia. Não faltava nada na casa, mas tinha um tapa na parede, feito com óleo de carro. Uma mensagem da máfia. Ela teve um parto prematuro. Depois da Copa de 2002, eu não voltei mais a Parma”.

Curta passagem do argentino pelo Parma foi marcada por desavenças fora dos campos (imago/PanoramiC)

Em julho de 2002, a Inter pagou 22 milhões de euros ao Parma e contratou Almeyda. O argentino aceitou uma proposta de três anos de contrato e uma redução salarial para poder jogar na Beneamata. No entanto, Pelado viveu seus piores momentos vestindo nerazzurro. O atleta sofreu duas graves lesões (uma na tíbia e outra na fíbula da perna direita), que o tiraram dos gramados por muito tempo. O consumo de cigarro e o álcool aumentaram consideravelmente nesse período. “Durante toda a minha carreira eu fumei dez cigarros por dia. O álcool também era um problema. Eu queimava tudo nos treinamentos, mas vivia no limite”, confessou, em sua biografia.

Nos tempos de Inter, Índio chegou a beber cinco litros de vinho, durante uma visita a sua cidade natal, Azul, e acabou em coma alcoólico. Ele tentou tirar o álcool do corpo correndo cinco quilômetros, mas desmaiou e precisou receber soro nas veias por cinco horas. “Teria sido um escândalo, [porque] na época eu jogava na Inter. Quando eu acordei e vi toda a minha família ao lado da cama, pensei que fosse o meu funeral”, contou.

Foi nessa época, inclusive, que a depressão o laçou. Ele detectou os sintomas, mas rejeitou ajuda. Deixou rolar, achando que era forte o suficiente para suportar a pressão da doença. Sua filha, entretanto, teve papel fundamental em sua recuperação. “Na Inter, tinha uma psicóloga. Ela me diagnosticou com ataques de pânico e prescreveu um tratamento, mas eu não a dei ouvidos. Eu entendi que deveria fazer alguma coisa quando a minha filha me descreveu como um leão triste e cansado. Desde então todos os dias eu tomo antidepressivos e ansiolíticos. Eu os chamo de pílulas da bondade, me fazem ser melhor”, escreveu.

A volta do camisa 25 às redes após três anos talvez seja seu único momento feliz pelo clube de Milão. Ele guardou o segundo gol da goleada por 4 a 1 sobre o Newcastle, na Inglaterra, em jogo válido pela quinta rodada da segunda fase de grupos da Liga dos Campeões 2002-03. A Inter caiu nas semifinais, diante do rival Milan, e Almeyda, lesionado, perdeu o mata-mata.

A amizade com Daniele Adani – ex-zagueiro e hoje comentarista da Sky Sport Italia – também marcou a curta passagem do Índio pela Inter. Em sua biografia, ele descreve Adani como sua “alma gêmea”. “Nós nos conhecemos quando comecei a ficar cansado do sistema. Eu o considero o irmão que a vida me deu”, revelou.

Embora tivesse mais um ano de contrato para cumprir, o volante entrou em consenso com a Inter para poder deixar o clube de graça ao fim da temporada 2003-04, quando firmou vínculo anual com o Brescia. Porém, depois de apenas cinco jogos e um encontro com os torcedores, ele percebeu que não se sentia querido pelos brescianos e informou ao presidente Luigi Corioni que não queria continuar na equipe.

Em 2005, a depressão atingiu Almeyda fortemente a ponto de ele tentar o suicídio. Um artigo no site Futebol Portenho relata o caso: “Na ocasião, ele fugiu para Azul em busca de alguma salvação nos seus referenciais da origem. Seu mau humor o tornou intratável, suas atitudes beiravam a esquizofrenia e o pânico era tal que sequer conseguia dormir com a luz apagada. De filhas à esposa, passando por amigos íntimos e aos próprios país: Almeyda não reconhecia ninguém. Sua esposa o salvou. Sem se comunicar com o homem à sua frente, ela abandonou o lugar e foi em busca de ajuda. A consulta a vários especialistas respondia a duas necessidades: encontrar um terapeuta que pudesse tratar do marido e inúmeras dicas e conselhos sobre como ela, Luciana Pena, pudesse lidar com ele e ao menos resgatá-lo a uma mínima condição comunicativa”.

Em seus anos de Inter, Almeyda teve de lidar com males físicos e psicológicos (imago/PanoramiC)

Em dezembro de 2004, Almeyda entrou em acordo com o West Bromwich, da Inglaterra, mas nem chegou a pisar em campo. Devido a problema familiares, anunciou aposentadoria em 17 de janeiro de 2005. Três dias depois, contudo, repensou sua decisão e firmou vínculo com a Universidad de Chile. Só que, mais uma ve,z seu corpo lhe deu uma rasteira: alegando problemas físicos, rompeu com os chilenos.

O mais inesperado disso tudo que é, dias depois de declinar a proposta da Universidad, ele viajou de volta para a Argentina e concordou em atuar pelo Quilmes, onde teria a chance de disputar a Libertadores. Permaneceu na instituição apenas no primeiro semestre de 2005, até que, em julho do mesmo ano, se transferiu para o River Plate. No entanto, seu contrato – com validade de um ano – foi rompido quatro dias depois devido a mais um anúncio de aposentadoria. Matías queria se dedicar completamente à sua família e à sua fazenda.

Em janeiro de 2006, Almeyda começou a dar os primeiros passos como treinador. O Pelado aceitara ser auxiliar técnico de Diego Simeone, seu ex-companheiro de Lazio e seleção argentina, no Racing. Enquanto isso, para manter a forma, jogou torneios de futebol de cinco junto com Diego Maradona pelo mundo afora.

Depois de quase dois anos de inatividade, Índio foi anunciado como reforço do Lyn Oslo, da Noruega. Pouco aproveitado no time escandinavo, o volante topou defender o modesto Fénix, então militante da quarta divisão argentina, em janeiro de 2009. Porém, realizou apenas quatro jogos e foi expulso duas vezes. Passagem terrível.

Sete meses depois, Almeyda retornou ao River Plate, dessa vez para valer. Jogou duas temporadas, contabilizando 62 jogos no total, e pendurou as chuteiras de vez, aos 36 anos, após os millonarios não conseguirem escapar do rebaixamento, em 2011. O Índio continuaria vinculado ao clube, agora como treinador, numa aposta da diretoria para recolocar o gigante de Buenos Aires na primeirona em 2012. E não deu outra: o River venceu a Primera B Nacional e ascendeu à elite na temporada seguinte.

Em novembro de 2012, o presidente Daniel Passarella optou por sacar Almeyda do cargo de técnico, tendo em vista a oscilação da equipe no campeonato. Depois disso, o ex-volante sentou no banco do Banfield (2013 a 2015), do Deportivo Guadalajara (2015 a 2018) e do San Jose Earthquakes, onde está atualmente. Em oito anos como comandante, ele soma sete títulos no currículo, incluindo uma Liga dos Campeões da Concacaf.

Matías Jesús Almeyda
Nascimento: 21 de dezembro de 1973, em Azul, Argentina
Posição: volante
Clubes como jogador: River Plate (1991-96, 2005 e 2009-11), Sevilla (1996-97), Lazio (1997-2000), Parma (2000-02), Inter (2002-04), Brescia (2004), Quilmes (2005), Lyn Oslo (2007-08) e Fénix (2009)
Títulos como jogador: Campeonato Argentino (1993, 1995 e 1996), Libertadores (1996), Serie A (2000), Coppa Italia (1998, 2000 e 2002), Supercopa Italiana (1998), Recopa Europeia (1999) e Supercopa da Uefa (1999)
Clubes como treinador: River Plate (2011-12), Banfield (2013-15), Guadalajara (2015-18) e San Jose Earthquakes (2018-hoje)
Títulos como treinador: Série B do Campeonato Argentino (2012 e 2014), Copa do México (2015 e 2017), Supercopa do México (2016), Campeonato Mexicano (2017) e Liga dos Campeões da Concacaf (2018)
Seleção argentina: 77 jogos e cinco gols

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