Serie A

Mourinho: ele não é mais especial?

Depois da eliminação da Inter nas oitavas-de-final da Liga dos Campeões, frente ao Manchester United no Old Trafford, o tablóide inglês Daily Mirror estampou em sua capa uma frase entoada em tom provocativo pelos torcedores devils, nas arquibancadas do “Teatro dos Sonhos”: Mourinho, você não é mais especial (em inglês, com trocadilho: “You’re not Special any Mour). A frase é clara referência a Special One, apelido cunhado pelo técnico português em sua passagem pelo Chelsea. A provocação dos torcedores mancunianos foi levada a sério por muita gente na Itália. Contratado para dar o título da Liga dos Campeões ao clube nerazzurro, o fracasso na competição tem naturais consequências: Mourinho começou a ser questionado por suas capacidades enquanto treinador.

Atenções voltadas a Mourinho: ele estará pressionado até o fim desta Serie A

Desde os primeiros jogos da Inter nesta temporada, os jornalistas italianos comparam a Inter treinada pelo português ao time tricampeão treinado por Roberto Mancini, seu antecessor. Divergências e brigas com a imprensa a parte, Mourinho ocasionalmente tentou afastar as comparações. Ao contrário de Mourinho, nós as fazemos. Comparando o desempenho nerazzurro nesta temporada com o da anterior (levando-se em conta 27 rodadas disputadas), o que se vê é um equilíbrio numérico muito grande entre as duas equipes. O aproveitamento da equipe de Mancini supera a de Mourinho por apenas um ponto. Ao se acrescentar o fato de que esta temporada da Serie A tem revelado o melhor nível e o maior equilíbrio entre os clubes na era pós-Calciopoli, é plausível afirmar que a posição de “Mou” é mais confortável que a de Mancini no mesmo período. Em outro cenário, se a comparação de desempenho for feita com o Manchester United, que tem sobrado em relação às outras grandes equipes inglesas, a Inter de Mourinho tem apenas dois pontos a menos, com o mesmo número de rodadas disputadas.

Semelhanças e diferenças

Há ainda mais similaridades entre o trabalho dos dois técnicos citados. Ainda sob o comando de Mancio, a Inter foi eliminada em um onze de março, mesma data da eliminação desta temporada. Naquele mesmo dia onze, após a derrota contra o Liverpool no Giuseppe Meazza, Mancini pedia demissão – negada pela diretoria do clube em seguida. Era o estopim de uma crise regada a problemas de relacionamento entre o treinador de Jesi e alguns jogadores experientes do elenco, além do natural desgaste de quatro temporadas de resultados inexpressivos e mau futebol apresentado pela equipe na Liga dos Campeões.

Aparentemente, Mourinho não tem seu cargo ameaçado. Na verdade, o português parece ter dado outra cara a Inter, ao estabelecer uma mentalidade diferente para a equipe. Diferentemente dos outros anos, o time que saiu vencido de Manchester o fez com a cabeça erguida: o resultado um pouco dilatado engana, já que a Inter teve duas bolas na trave e três outras grandes ocasiões de gol. Outro ponto positivo para Mourinho na gerência psicológica da equipe é sua relação com os jogadores. Ela é diametralmente oposta a construída por seu antecessor: disciplinador e paternalista, Mourinho ainda não perdeu o controle do elenco, mesmo encontrando a insatisfação de “macacos velhos”, como Crespo e Vieira, chateados por não serem escolhas tão constantes do técnico de Setúbal. Mourinho tem conseguido ajeitar os graves problemas disciplinares de Adriano e Balotelli. O caso Adriano, por exemplo, foi conduzido de maneira patética pela comissão técnica anterior.

Por outro lado, há quem diga que o trabalho de Mourinho é apenas uma continuação do trabalho do ex-atacante laziale. Meia verdade. De fato, o esquema implantado por Mancini continua sendo utilizado, com modificações na função de alguns jogadores. Após a chegada de Mourinho, Cambiasso passou a desempenhar menos funções ofensivas. Na última temporada, o volante argentino marcou oito gols, contrastando com os escassos dois tentos desta temporada. El Cuchu deixou de fazer infiltrações-surpresa nas zagas adversárias, para ser utilizado como um marcador mais fixo, o que acabou fortalecendo a defesa, mas deixou o ataque carente de jogadas inesperadas. Mourinho se defende: ao ser questionado se ele já tinha pensado em usar Cambiasso como trequartista, reagiu dizendo que o argentino exerce função única na execução de tarefas defensivas, e por isso não poderia sobrecarregá-lo ao atribuir mais tarefas. Por outro lado, Maicon ganhou ainda mais liberdade com o atual treinador interista, avançando com velocidade ao ataque com muita eficiência.

Mas nem tudo são flores: em termos de esquema, Mourinho não conseguiu criar uma identidade comum entre ele e o time, mesmo que a Inter lidere a Serie A com certa folga e merecimento. A adaptação do módulo tático de Mancini se deu contra sua vontade inicial, após o fracasso do 4-3-3 e de Quaresma e Mancini, suas indicações. Estes fracassos constituem-se como as grandes derrotas de Mourinho na Inter, até agora. Até mesmo Muntari, que chegou no verão e fez uma grande primeira metade de Serie A, pode ter uma primeira temporada fracassada na Inter, já que tem jogado muitíssimo mal desde a virada do ano. Com a queda de produção do meia ganense, o futebol de Stankovic também tem se apequenado. Explica-se: os dois jogadores se ajudam muito na produção das jogadas ofensivas da equipe de Appiano Gentile, por não serem playmakers de origem.

Domingo, contra a Fiorentina, a Inter voltará a campo, almejando dar mais um passo em direção ao quarto scudetto consecutivo. Com a confiança possivelmente abalada, pode acontecer de ser dado um passo em falso. Até que ponto o fantasma da eliminação da Liga dos Campeões pode emular a última temporada e atrapalhar a líder do campeonato na busca pelo título até os minutos finais? Com mais pressão em seus ombros, Mourinho terá de provar mais uma vez que é especial também fora das quatro linhas, em um de seus maiores trunfos: a motivação de jogadores.

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4 comentários

  • Fato é que não vai atrapalhar em nada e a Inter ainda vai ser campeã com vinte meses de antecipação.

    E a Europa fica pra próxima. Caiu sem se deixar derrubar numa das possíveis “finais antecipadas”, pro time mais forte da competição. Nem é terrível assim, só que a imprensa italiana, lógico, vai jogar contra Mourinho e a Inter.

  • Ainda falta cancha européia para a Internazionale, não adianta… Mas, com um Mourinho mais ambientado e a contratação de alguns jogadores pontuais, esse quadro pode mudar num futuro próximo.

    Abraços,
    Gustavo Vargas

  • Mourinho me intriga. As vezes é possível ver que está diante de uma rocha, mas depois descobre que é um cenário rochoso de propaganda de shoping. O Renan até discutiu comigo tentando me convencer da sua “mentalidade vencedora”, coisa que sempre foi um problema sério na Roma. Olha que cheguei até a imaginar… desespero romanista, tsc. :/

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