Serie A

Vergonha ainda deixa marcas

Primeiro grande escândalo na Itália completa hoje 30 anos: jogadores fraudaram resultados em partidas das séries A e B e foram presos em imagens ao vivo para todo o país. Na foto, o mais conhecido deles causou alvoroço ao retornar aos campos.

Originalmente para o Correio Braziliense.

Carrasco do Brasil em 1982, Paolo Rossi foi suspenso por dois anos no primeiro calcioscomesse (Abril)

Itália, início da década de 1980. Era comum a alguns atletas apostar dinheiro no resultado de partidas nas quais eles mesmo participavam. Um tipo de aposta absurda para os princípios esportivos: para favorecer o resultado apostado, não havia qualquer garantia de que o jogador desse o melhor de si nos jogos de sua equipe.

Uma polêmica instigante, claro. Mas que jamais havia alcançado dimensões relevantes até 1º de março daquele ano. O hortifrutigranjeiro romano Massimo Cruciani costumava fazer suas apostas na loteria esportiva e fornecia alimentos a um restaurante de Roma conduzido por Alvaro Trinca, que tinha contato com alguns jogadores da Lazio. Estes atletas convenceram a dupla a apostar em algumas partidas da Serie A que já teriam seus resultados previamente combinados.

Mas nem todas as previsões foram confirmadas e Cruciani, assim, perdeu centenas de milhões das velhas liras – ou centenas de milhares de euros, em moeda de hoje. Sem o dinheiro, o comerciante apresentou naquele dia de março uma queixa à Procuradoria da República afirmando ter sido enganado. Mudava ali o futebol italiano.

Sete clubes foram envolvidos nas investigações e no dia 23 daquele mês, os oficiais agiram. Depois da 24ª rodada da primeira divisão, às 17h, carros da Polícia e da Guarda da Finança (uma polícia especial italiana subordinada ao ministro de Economia e Finanças) entraram com algemas em vestiários para cumprir ordem de prisão. Entre os levados para a capital, alguns nomes ilustres.

No total, foram 13 jogadores detidos: Pellegrini (Avellino), Girardi (Genoa), Cacciatori, Giordano, Manfredonia, Wilson (Lazio), Merlo (Lecce), Albertosi, Morini (Milan), Magherini (Palermo), Casarsa, Della Martira e Zecchini (Perugia). Além destes, foram intimados Paolo Rossi (Perugia), Dossena, Savoldi (Bologna) e Damiani (Napoli). As imagens foram ao ar, ao vivo, durante o 90º Minuto, programa de grande audiência da RAI, a TV estatal italiana.

Faltavam apenas três meses para a disputa da Eurocopa, que teve a própria Itália como sede. Artemio Franchi, então presidente das federações italiana (FICG) e europeia (Uefa), pediu demissão do cargo nacional. A credibilidade do país estava bastante afetada e a opinião pública estava atônita ao ver a Squadra Azzurra desfalcada de Giordano e Rossi, fundamentais para o setor ofensivo, mas em cárcere temporário.

Uma Itália incrédula perguntava se tudo aquilo era verdadeiro. Montesi, um meio-campista da Lazio que nunca se afirmaria por conta de problemas no joelho direito, confirmou ao diário La Repubblica: “verdadeiríssimo”. Não havia mais para onde fugir e mesmo Trinca e Cruciani acabaram presos. Contatado por telefone pela reportagem, em um primeiro momento Trinca confirmou estar envolvido, mas depois afirmou não saber do que tratava o assunto e recusou-se a falar.

Todos foram logo liberados da prisão, mas só em 23 de dezembro é que o inquérito foi concluído, com uma absolvição geral por falta de sustentação de fatos. Até aqueles anos, a fraude esportiva realmente não era um crime e a justiça não reconheceu o golpe contra Trinca e Cruciani, os apostadores clandestinos. Apenas o último, aliás, acabou condenado a pagar uma pequena pena pecuniária.

Grandes foram rebaixados
As investigações foram longas e as primeiras sentenças em âmbito esportivo partiram da FIGC, no fim de abril. Milan e Lazio foram rebaixados para a Serie B da temporada 1980-81 e Avellino, Bologna, Perugia, Palermo e Taranto começaram os campeonatos do ano seguinte com cinco pontos a menos. Em junho, mesmo após as apelações, todos os envolvidos acabaram punidos. Felice Colombo, presidente do Milan, foi suspenso até o fim da vida. Entre os jogadores, as penas variaram entre seis anos (Pellegrini, do Avellino) a três meses (Colomba, do Bologna, e Damiani, do Napoli).

Em um só golpe, o futebol italiano perdera sua credibilidade e entusiasmo. Na temporada seguinte, o Milan venceria a Serie B com relativa facilidade, mas acabaria rebaixado de novo em 1982, desta vez por “méritos” estritamente esportivos. Voltaria à Serie A em 1983, junto da Lazio. O Perugia, que começou com cinco pontos a menos na primeira divisão em 1980-81, acabaria rebaixado. Paolo Rossi, suspenso por dois anos, voltou aos campos a tempo de disputar apenas três partidas da Serie A 1981-82, agora com a Juventus, mas acabou convocado por Enzo Bearzot para o Mundial. Marcou seis gols no título italiano, metade deles contra o Brasil, na tragédia de Sarriá.

Somente com a conquista da Copa do Mundo de 1982 é que o país recuperou a estima pelo esporte. Com a vitória, a FICG também anulou a suspensão de todos os envolvidos no escândalo, salvando assim carreiras como as de Albertosi, Giordano, Wilson e Savoldi. A Itália ainda sofreria com outros dois duros casos de manipulação de resultados, primeiro em 1986 e depois em 2006.

As algemas não voltariam aos campos, mas para muitos italianos aquela traição fez-se encerrar ali uma paixão. A primeira vez que o programa dominical do país nos últimos 80 anos se aproximava de uma farsa.

Novas suspeitas
O empate em 1 a 1 entre Chievo e Catania, neste domingo, está sob suspeita de armação. É o que insinuou o diário inglês The Sun. Saiba mais clicando aqui.

Compartilhe!

3 comentários

  • Braitner e moçada,

    Belo texto, com o gancho atual que ainda deve render boas matérias (a suspeita de fraude publicada no The Sun).

    Congratulações e continuem mandando bem. Abraços fraternos,

    Samuca
    FAC/UnB

  • Braitner e moçada,

    Belo texto, com o gancho atual que ainda deve render boas matérias (a suspeita de fraude publicada no The Sun).

    Congratulações e continuem mandando bem. Abraços fraternos,

    Samuca
    FAC/UnB

  • o que dizer disto tudo? Acompanhei como um alucinado o calciopolis envolvendo moggi e juventus. Antes já existia a tal da epo com o dm bianconero sob o banco dos réus e nesta mesma época um certo time que tinha shevichennko era beneficiado pela arbitragem descaradamente. Isto inclusive era motivo de piada amarga nas locandine animadas do zeta no portale romanista. No jogo de ontem dentro do proprio olimpico, o descarado bandeirinha legitimando jogadas absurdasem favor da inter e inclusive o gol que empatou a partida parcialmente. Nao se iludam, totti já alertav, esta concentração de scudetti apenas em 3 equipes da italia não é mérito esportivo, mas roubalheira pura, e o pior é que a prostituição sempre atrai a pobreza, o que torna mais fácil para os donos da grana na bota agirem ao seu bel prazer. Ontem não consegui vibrar com a merecida vitória romanista em campo, apenas fiquei ainda mais puto com esta impunidade. O baandeirinha da partida de ontem não deveria sair vivo dw Roma!

Deixe um comentário