Não são muitos os jogadores que conseguem ser eleitos como unanimidade quando se escolhem os 11 integrantes do melhor time de todos os tempos de um grande clube. Ele foi o único. Tampouco é fácil ser novamente unanimidade em um pleito que elege os dez maiores ídolos da história desta equipe. Ele, mais uma vez, foi o único. Também não é fácil estar entre os 125 maiores jogadores de futebol da história ainda vivos. Ele esteve, quando a lista foi montada. Campeão, ídolo e craque incontestável, Sócrates teve apenas uma frustração: sua passagem pela Fiorentina.
Destaque de um Corinthians multicampeão e um dos líderes do primeiro – e até hoje único – movimento social liderado e mantido por jogadores dentro e fora dos gramados, a Democracia Corinthiana, o Magrão, como era conhecido, jamais repetiu na Itália a genialidade que o consagrou com as camisas do Timão e da Seleção. Sócrates sofreu com diversos problemas – frutos de seu temperamento diferenciado ou não – e não foi, na Fiorentina, nem sombra do jogador que brilhou pelo Corinthians. Especulações não faltam para tentar explicar o insucesso, mas poucas são aquelas que realmente justificam a passagem tão apagada do meia pela viola.
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Os sucessos nos tempos de Corinthians e a classe com a qual se apresentou no Mundial de 1982, quando o Brasil caiu diante da Itália de Paolo Rossi, fizeram de Sócrates um objeto de desejo na Europa. Bom para a Fiorentina, que em 1984 conseguiu levar o jogador para atuar no Artemio Franchi, para substituir seu ídolo Giancarlo Antognoni, que ficaria um ano parado por grave lesão. O sonho da equipe de Florença era ter o mesmo sucesso que a Roma, que brilhava sob o comando de Falcão, parceiro do ex-corinthiano e também um dos responsáveis por encantar o mundo com a seleção de Telê em 82. O plano, porém, não saiu do papel e se tornou em uma das grandes frustrações da história viola – e também da carreira do Doutor.
A temporada de 1984-85 não foi nada boa para a Fiorentina. O time ficou apenas com a nona colocação do Italiano, sem chance alguma, ao longo de todo o campeonato, de sequer encostar nos líderes e entrar na briga pelo scudetto. O futebol longe do ideal apresentado pelos gigliati também foi notado em Sócrates, que realizou apenas 25 jogos e marcou seis gols, e, por não repetir as grandes atuações que o consagraram no Brasil, terminou o ano apontado como o grande culpado pela campanha pífia de sua equipe. Foi o estopim para que o Magrão deixasse a Itália e voltasse ao Brasil – onde, mesmo jogando em grandes clubes, nunca mais voltou a repetir o sucesso dos tempos de Corinthians.
O caminho até sua saída, no entanto, não foi nada curto, apesar de ter durado apenas um ano. O problema começou ainda no Brasil. Sempre foi sabido que Sócrates odiava concentrações, treinos físicos e todas as atribuições cotidianas da vida de um atleta. Era visto fumando e bebendo com frequência, principalmente nos tempos em que, líder da Democracia, foi um dos responsáveis por acabar com concentrações no Corinthians. Na Fiorentina, porém, nada disso deixava de ser feito para satisfazer as vontades de qualquer jogador. Resultado disso foi uma dificuldade imensa para que o Magrão voltasse a se adaptar às tarefas que não estava mais acostumado a realizar.
A insatisfação com os treinamentos puxados que aconteciam em Florença e com o regime muito menos liberal imposto pela Fiorentina, porém, eram apenas a ponta do iceberg. Mais para baixo estavam dois problemas um tanto quanto maiores que Sócrates enfrentou e que, para muitos, foram os grandes responsáveis por seu fracasso na Itália.
Em primeiro lugar estava um imbróglio que o próprio Doutor criara: assim como outros tantos craques, o meio-campista era adepto assíduo da noite italiana. Sua presença em festas era semanal – quando não diária – e atrapalhou muito seu rendimento dentro dos campos. Não só pelo desgaste natural que esses eventos proporcionam, mas também pela perseguição da imprensa local, que aumentava a cada jogo ruim, ou até mesmo não tão bom, que o jogador realizava.
Além das baladas e da perseguição da imprensa, estava um suposto relacionamento ruim com o restante da equipe. Nunca confirmado oficialmente, o mal-estar entre Sócrates e seus companheiros teria começado quando o Doutor teria dado a entender que desconfiava que alguns de seus colegas estariam envolvidos em um novo escândalo como o Totonero, acontecido em 1980.
Um ano após a saída do meio-campista da Fiorentina, em 1986, seria revelado mais um escândalo deste tipo, mas sem nenhum jogador ou dirigente da Viola envolvidos. O fato é que a antipatia de seus companheiros – talvez não só pelas suspeitas em questão – fizeram com que o Magrão ficasse sozinho em Florença. Passou, então, a deixar o futebol de lado e aproveitou a oportunidade para se aprofundar na história da arte, realizando cursos durante sua estadia na cidade.
Batizado com o nome de um dos mais famosos filósofos gregos, Sócrates viveu na Itália uma pequena tragédia helênica. O meia teve em sua passagem pela Fiorentina a imagem perfeita de uma das mais famosas histórias gregas: a Viola foi para o brasileiro o que foi o calcanhar para Aquiles na mitologia.
Depois do infortúnio na Itália, Sócrates jogou pelo Flamengo e ainda disputou a Copa de 1986 pelo Brasil. Após se despedir da Seleção, o Magrão atuou pelo Santos e pendurou as chuteiras no Botafogo de Ribeirão Preto, onde começara. Só em 2004, voltou aos campos de forma breve, numa homenagem do Garforth Town, da décima divisão inglesa. À época, ele tinha 50 anos.
Fora dos campos, Sócrates seguiu ativo na vida cultural, jornalística, política e social – nesta última área, também através do exercício da medicina, que não largou depois de se profissionalizar. A saúde do Doutor, porém, começou a se deteriorar no início da década de 2010, na mesma época em que o craque admitiu ter problemas com o alcoolismo. Após ter sido internado por três vezes no espaço de quatro meses, a lenda faleceu no dia 4 de dezembro de 2011, em virtude de falência de múltiplos órgãos decorrente de choque séptico. Sem o Magrão, restou um espaço vazio no coração daqueles que pensam o futebol para além das quatro linhas.
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
Nascimento: 19 de fevereiro de 1954, em Belém (PA)
Morte: 4 de dezembro de 2011, em São Paulo (SP)
Posição: meio-campista
Clubes: Botafogo-SP (1974-78 e 1989), Corinthians (1978-84), Fiorentina (1984-85), Flamengo (1985-87), Santos (1987-89) e Garforth Town (2004)
Títulos: Campeonato Paulista (1979, 1982 e 1983) e Campeonato Carioca (1986)
Seleção brasileira: 62 jogos e 25 gols
Assim como muitos jogadores brasileiros, Sócrates foi um peladeiro no futebol profissional.
Apesar da genialidade, nunca levou a sério a profissão.
Ele foi o avesso de seu irmão mais novo, Raí. Esse sim conseguiu aliar o bom futebol que tinha com a seriedade que a profissão merece. Não a toa chegou mais longe. Os títulos e a regularidade falam por si.
Disse tudo cara, gostei