Serie A

Superação, teu nome é Itália

Balotelli marca dois e garante a passagem de uma Itália cheia de histórias à final da Euro (Getty Images)

Why always Italy, Germany? O tabu permanece: em competições oficiais, a Itália continua sem perder para a Alemanha – ao todo, em Copas do Mundo ou Euros, são oito jogos, quatro vitórias da Squadra Azzurra e quatro empates. No 2 a 1 de hoje, em Varsóvia, a Itália foi praticamente perfeita no que se propôs e superou a boa e jovem equipe tedesca, chegando, de maneira mais que improvável – depois de um escândalo esportivo e de uma fase de grupos na qual a classificação foi obtida no sufoco -, à final da Euro 2012, contra a Espanha. O jargão futebolístico diz: sem dificuldades, não é a Itália.

Espanha que, bom lembrar, quase foi parada pela Nazionale menos de um mês atrás, na estreia de ambas pelo grupo C da Euro. Uma seleção que, assim como a Alemanha, nunca venceu a Itália em uma partida oficial. Favoritismo, entretanto, não há. O que pode-se dizer, ao menos, é que esta Nazionale traz grandes histórias, muitas delas de superação – a mesma superação que a fez chegar à final mesmo desacreditada.

A primeira grande história é a do técnico Cesare Prandelli, uma das figuras que mais merece crédito pela campanha. Em 2001 ele estava sendo demitido pelo intempestuoso Maurizio Zamparini no pequeno Venezia, na sua última participação na Serie A. Depois, Prandelli guiou o Parma, afundado em dívidas, em ótimas campanhas na elite e, depois de dois anos, foi contratado pela Roma. Preferiu se demitir para cuidar de sua esposa, Manuela, que enfrentava um grave câncer. Quando ela se recuperou, voltou a trabalhar, desta vez na Fiorentina, onde fez um grande trabalho em cinco anos. Sua esposa, porém, não pode ver o ciclo: faleceu em 2007. Desde 2010 na seleção, mudou o estilo de jogo da equipe, fazendo com que a equipe jogasse um futebol vistoso, de muito toque e posse de bola. Desde que assumiu o cargo, não perdeu um jogo oficial sequer.

O meio-campo, tão importante para a forma de jogar do time de Prandelli, também está cheio de grandes histórias. A começar por De Rossi, que fez uma temporada ruim pela Roma, mas tem sido fundamental para o equilíbrio da equipe azzurra. Assim como Montolivo, “sacrificado”, jogando como um falso trequartista, fora de sua posição natural, que fez sua melhor partida pela seleção. Ele, que tem mãe alemã, tem gravada na chuteira esquerda a bandeira italiana e, na direita, a bandeira alemã.

Foi justamente com a perna direita que ele lançou uma bola, de forma primorosa, para Balotelli, 40 metros à frente, fuzilar Neuer. Ou histórias como as de Diamanti e Thiago Motta, que seis anos atrás nem imaginavam vestir o manto azul – o primeiro, porque jogava no modestíssimo Prato, o segundo porque saía de uma passagem apagada pelo Barcelona e nem havia dado disponibilidade à Federação Italiana. Sem falar em Pirlo, renascido após sair do Milan, ser o melhor jogador da Serie A e também desta Euro.

Contra a Alemanha, Prandelli povoou o centro do campo como sempre, e obrigou Joachim Löw a mexer no time, deslocando o jogo das pontas para o centro, para evitar que a Itália dominasse o setor. Não deu certo: justamente em um dia de brilhantismo azzurro, a Alemanha não teve em Schweinsteiger a segurança de sempre.

Já a Itália teve a segurança de sempre na sua defesa, que resistiu bravamente por 91 minutos e só foi vazada porque Stéphane Lannoy assinalou um pênalti bem duvidoso, por toque de braço de Balzaretti. A zaga italiana também tem grandes méritos e histórias. Prandelli assumiu a ótima defesa da Juventus – mesmo que, nas Eliminatórias, com outros jogadores, a defesa italiana tivesse sofrido apenas três gols e tenha sido a menos vazada do certame – e deu certo.

Tudo dá certo desde Barzagli, que foi reserva da seleção italiana campeã do mundo em 2006, mas passou por maus bocados no Wolfsburg e, aos 30 anos, vive sua melhor fase da carreira na Juventus, a Bonucci, que teve seu nome envolvido no escândalo de apostas ilegais, mas não se abalou e faz ótima Euro. Ou Chiellini, que se lesionou antes e durante a Euro, mas se recuperou em tempo recorde nas duas oportunidades, para defender a seleção. Ainda há Buffon, que viveu o inferno da Serie B com a Juventus, em 2006-07, e passou por uma fase ruim, com inseguranças e lesões, entre 2008 e 2010. Gigi voltou a ser o grande goleiro que sempre foi, o maior da história italiana ao lado de Dino Zoff. Todos eles fizeram partidas muito boas contra a Alemanha, especialmente no segundo tempo.

O ataque, por sua vez, tem algumas das melhores histórias do time. A começar por Cassano, que driblou os problemas cardíacos e se recuperou da cirurgia corretiva a tempo de disputar a Euro, mesmo longe das suas melhores condições físicas. Se driblou os problemas cardíacos, poderia também driblar o ótimo zagueiro Hummels, um dos melhores em sua posição atualmente, para colocar na cabeça de Balotelli, no primeiro gol.

Balotelli, por sua vez, tem mais histórias do que o restante do time – este link do Estadão tem um bom resumo. Desmiolado, filho de imigrantes ganeses e adotado por uma família italiana, polêmico, jocoso, marrento, gênio… por que sempre ele? Hoje, Balotelli foi herói, “virou” linha de ônibus em Roma (veja e aqui) e ainda pode chorar ao lado de suamãe adotiva, ao final do jogo. De quebra, estampou a capa dos maiores jornais italianos, mostrando que há, sim, negros italianos. E que eles podem ser importantíssimos para o país.

Balotelli fez dois golaços hoje, decidiu a partida e já é, ao lado de Cassano, Inzaghi, Casiraghi e Totti, o maior artilheiro da história da Nazionale em Euros – e, ao lado de Cristiano Ronaldo, Mandzukic, Dzagoev e Gómez, goleador desta edição, com três tentos. Fez apenas quatro gols pela seleção – todos bonitos e três deles decisivos. Se havia algum risco de que ele poderia colocar tudo a perder, por sua instabilidade, ele já parece distante. Ele, que costuma crescer nos momentos de dificuldade e maior pressão, tem a maior chance de sua carreira para ser protagonista.

Esta Itália, cheia de histórias, de superação e de curiosidades, pode gravar seu nome na história. Se não ganhar a Euro, ao menos já deu o recado: a seleção está de volta.

Notas
Buffon, 7,5 – Autor de grandes defesas durante o jogo, segurou o resultado. Mais uma vez, gigante
Balzaretti, 6,5 – Jogando fora de posição, fez mais uma partida sólida, mas desta vez com grande prestação defensiva
Barzagli, 7 –  Leão no centro da zaga, cortou todas que passaram perto de si
Bonucci, 7 – Seu carrinho perfeito sobre Klose foi seu ápice. Seguro no jogo

Chiellini, 6,5 – Um pouco abaixo dos companheiros, por questões físicas, não comprometeu. E participou do lance do primeiro gol
Marchisio, 6 – Ainda abaixo de todo o time, foi regular em seu papel, mas perdeu uma ótima chance de liquidar a fatura
Pirlo, 8 – Estratégico, geômetra, líder. Mais partida impecável do melhor jogador da Euro
De Rossi, 7,5 – Fundamental para a organização tática do time, mas também em subidas para o ataque
Montolivo, 7,5 – Melhor partida vestindo azzurro. Além de fazer bem sua função tática, deu um lançamento que valeu o ingresso para o segundo gol de Balotelli
Cassano, 7 – Belo drible e cruzamento perfeito para o primeiro gol, deitou e rolou sobre Hummels
Balotelli, 8,5 – Decisivo e devastador, com duas finalizações raivosas que deram a vitória à equipe
Diamanti, 6,5 – Mais uma vez, entrou bem no jogo, dando mobilidade à equipe e armando bons contra-ataques
Thiago Motta, 6 – Apareceu pouco, mas continuou executando bem as atribuições de marcação de Montolivo
Di Natale, 5 – Perdeu duas chances de matar o jogo, uma delas cara a cara com Neuer

Ficha técnica – Alemanha 1-2 Itália

Local: Estádio Nacional de Varsóvia, Polônia

Árbitro: Stéphane Lannoy, da França

Gols: Özil (46′ 2T) e Balotelli (20′ e 36′ 1T)

Cartões amarelos: Hummels (Alemanha), De Rossi, Balotelli, Bonucci, Thiago Motta (Itália)

Alemanha: Neuer; Boateng (Müller 25’ 2T), Hummels, Badstuber, Lahm; Khedira, Schweinsteiger; Kroos, Özil, Podolski (Reus 1′ 2T); Gómez (1′ 2T). Técnico: Joachim Löw

Itália: Buffon; Balzaretti, Barzagli, Bonucci, Chiellini; Marchisio, Pirlo, De Rossi; Montolivo (Thiago Motta 18′ 2T); Cassano (Diamanti 12’2T), Balotelli (Di Natale 24’2T). Técnico: Cesare Prandelli

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