Brasileiros no calcio

‘Pelé branco’ do Mantova, Angelo Sormani ganhou tudo pelo Milan

Na cidade de Jaú, no fim da década de 1930, nasceu o descendente de italianos Angelo Benedicto Sormani. Em trinta anos, o ítalo-brasileiro já tinha passado pelo melhor Santos de todos os tempos, fez história num pequeno clube recém-promovido à elite do futebol da Bota e foi campeão europeu e mundial no famoso Milan de Nereo Rocco.

Assim como 99% dos jogadores de futebol – habitualmente –, o pequeno Angelo começou a bater bola nas ruas da cidade no interior do estado de São Paulo. Seu pai, no entanto, com problemas de saúde, não podia sustentar a família. Sormani, recém-formado em contabilidade, transformou seu hobby em profissão. Em 1958, após ter jogado por um período no XV de Jaú, foi vendido para o Santos.

Com 20 anos de idade, o atacante teve poucas chances em sua primeira temporada. Afinal, ele era reserva de um cara ali chamado Pelé – foi ele quem indicou Sormani ao Peixe. No entanto, a facilidade em jogar em outras posições acabou rendendo uma vaga no time titular a partir do segundo semestre de 1959, como atacante aberto pela direita. No ano seguinte, uma viagem acabou por culminar o destino do jogador.

Giancarlo Debecca vivia no Brasil à época. O correspondente de um jornal esportivo da Itália alertou o primo, Giuseppe Nuvolari, presidente do Mantova, que existia, em território brasileiro, o “Pelé branco”. Desta forma, o mandatário enviou Edmondo Fabbri, treinador da equipe, para observar o jogador durante uma turnê europeia do Santos. Sormani fez uma ótima excursão e foi titular na final do Troféu Giallorosso, no Olímpico, contra a Roma. O Peixe venceu por 3 a 2, com dois gols de Dorval – suplente de Sormani – e um de Pelé. O Mantova, que conseguiria a promoção à Serie A naquela temporada, então, contratou o jovem jogador de Jaú.

No Mantova, Sormani recebeu a alcunha de “Pelé branco” (Arquivo/Mantova Calcio)

A estreia de Sormani na elite do futebol italiano calhou de ser, também, a do Mantova, no novo formato do campeonato. A última participação da equipe na competição mais importante do país fora em 1926, na Prima Divisione – na Lega Nord, existia uma fase de qualificação para dois grupos de 12 equipes interregionais; na Sud, os dois melhores times da fase regional se classificavam para a fase nacional. Os campeões de suas ligas se enfrentavam na finalíssima. Baita confusão.

A primeira partida da temporada colocava frente a frente os campeões das séries A e B. Toni Allemann, atacante suíço comprado do Young Boys naquele mesmo ano, marcou o único gol biancorosso no empate em 1 a 1 contra a Juventus. De físico invejável, poderoso e com técnica extraordinária, Sormani liderou o Mantova na época de 1961-62. O ítalo-brasileiro marcou 16 gols e foi o terceiro goleador do campeonato – empatado com Gerry Hitchens, da Inter, e atrás de José Altafini (Milan) e Aurelio Milani (Fiorentina). Os virgiliani terminaram o torneio na nona colocação, com 32 pontos.

Logo em seu primeiro ano na Itália, Sormani conseguiu a cidadania italiana graças à origem de seus avôs, que nasceram no Belpaese. Para completar, o ótimo futebol apresentado rendeu-lhe uma convocação por parte de Paolo Mazza e Giovanni Ferrari para a Copa do Mundo de 1962. Assim, Sormani se juntou aos também oriundi Altafini e Omar Sívori. O jogador atuou apenas na partida derradeira contra a Suíça, na fase de grupos. A Itália caiu cedo e, consequente, muitos jogadores daquele grupo não voltaram mais a vestir a camisa azzurra. Sormani foi um deles.

Em nove meses, Sormani saiu de uma incógnita para o sucesso absoluto na Lombardia e para os primeiros passos com a seleção italiana. Ele foi o assunto principal na janela de transferências de verão. Juventus, Fiorentina e Barcelona queriam o atacante. A Sormanimania tomou conta da cidade, que protestou contra a possível venda do jogador.

O sucesso em clubes menores levou Sormani ao Milan, clube em que faturou uma Copa dos Campeões (imago/Buzzi)

Disse Nuvolari: “cheguei em Milão no sábado à tarde e havia um monte de repórteres e fotógrafos, que me atacaram. Um deles, especialmente, perguntou: ‘é verdade que você vendeu Sormani por 500 milhões de liras para a Juventus?’. Eu respondi: “eu não vendi e não tenho nenhuma intenção de vendê-lo”. Cogitava-se até uma troca por Costanzo Balleri, atacante da vice-campeã Inter. Nuvolari: “é absolutamente impossível pensar nisso. Um jogador de 29 anos, que há três é conhecido como o maior preguiçoso da Itália e que custa 15 milhões…”.

As cifras comentadas pela venda de Sormani eram altíssimas. Nenhuma equipe havia desembolsado 400 ou 500 milhões de liras italianas por um atleta (500 mi, em euros, é cerca de 260 mil, em valores atuais). Para um agremiação pequena, o dinheiro em caixa para se manter livre das dívidas era importantíssimo. O presidente revelou a conversa sobre uma partida de Sormani ao primo Debecca: “porque, pelo amor de Deus, antes de aceitar os 400 milhões – e não os 500, valor que nunca foi oferecido -, eles queriam chegar lá com 250 e Nicolè”. Bruno Nicolè, atacante nascido em 1940, foi o vice-artilheiro da Juventus em 1961-62, com 12 tentos.

Em suma, o Mantova conseguiu segurar o goleador por mais uma temporada. Na época seguinte, a equipe fez um campeonato pior, terminando na 13ª posição, a três pontos do primeiro rebaixado, o Napoli. Após mais 13 gols na Serie A, Sormani foi finalmente negociado, na transferência recorde de 500 milhões de liras italianas para a Roma. O clube da capital pagou 250 milhões em dinheiro e ainda cedeu três jogadores: Torbjörn Jonsson, Elvio Salvori e Karl-Heinz Schnellinger.

Talvez a aura magnífica criada em torno do ítalo-brasileiro ajudou para que ele fizesse fracas exibições durante as duas temporadas seguintes. Na Roma, os três técnicos que passaram em 1962-63 (Alfredo Foni, Naim Krieziu e Luis Miró) não domesticaram o bando de bons jogadores na capital. Fora de posição porque o meia Antonio Angelillo ocupava a ala direita, Sormani ainda teve de conviver com a insatisfação de Pedro Manfredini na reserva – o argentino fora artilheiro do campeonato anterior.

Sormani chegou ao Milan para substituir Altafini, de quem foi colega no Napoli e na seleção italiana (Sport del Sud)

A Roma até acabou sendo campeã da Coppa Italia, mas Sormani não comemorou o título. A final da competição foi disputada no início do ano posterior, quando os giallorossi já haviam vendido o “Senhor Meio Milhão” para a Sampdoria. Nestas duas temporadas, Sormani foi à rede apenas oito vezes, sendo duas delas em Gênova, onde também atuou fora de posição.

A imprensa já falava em estado de declínio do atacante e que ele deveria se transferir para um time menor. No entanto, Nils Liedholm investiu na contratação do atleta para seu Milan. Sem a pressão excessiva nem da torcida, nem dos profissionais rossoneri – mesmo com a “missão” de substituir Altafini, vendido ao Napoli, Sormani terminou a época com 22 gols na Serie A.

Os melhores momentos de Sormani no futebol aconteceram exatamente na equipe de Milão. Em 1966-67, mesmo sem o atacante na final contra o Padova, o rossonero venceu pela primeira vez a Coppa Italia. Na temporada seguinte, novamente com Rocco, o time voltou a conquistar a Serie A, com 11 pontos de vantagem para o Napoli. Sormani foi o vice-artilheiro milanista, com 11 gols.

Além do sucesso na Bota, o Milan deixou para trás Levski Sofia, Györi ETO, Standard Liège, Bayern de Munique e Hamburgo para vencer a Recopa Europeia. O título da Copa dos Campeões veio na temporada seguinte, ao bater o Ajax de Rinus Michels por 4 a 1. O atacante nascido em Jaú marcou o terceiro gol milanista.

Sormani atuou brevemente pela Roma como jogador e, mais tarde, voltou como braço direito de treinadores, como Liedholm (imago)

O ítalo-brasileiro permaneceu no Milan por mais duas temporadas, antes de se transferir para o Napoli, clube no qual jogou duas temporadas, entre 1970 e 1972. A primeira delas foi ótima: terceiro posto ao fim da época no campeonato nacional e vice-artilheiro da equipe, com cinco gols; Altafini liderou, com sete.

Depois da passagem pelo clube do sul, Sormani voltou ao centro-norte da península para atuar na Fiorentina. Porém, foi pouco aproveitado na Viola e, após um ano, foi trocado com o Lanerossi Vicenza pelo jovem Walter Speggiorin. 57 jogos e 12 gols depois, aos 37 anos, Sormani pendurou as chuteiras.

Ele, no entanto, não se separou do futebol nem da Itália. Entre 1985 e 1991, foi treinador da Roma, em dupla com Sven-Göran Eriksson e, depois, Liedholm, e Catania, mas teve mais destaque treinando os juvenis da equipe romana. Até hoje mora em Roma, com sua esposa Julieta. Na terra de seus antepassados, nasceram Amerigo, Angela, Magda e Adolfo. Adolfo, inclusive, virou jogador de futebol e teve uma carreira mediana, jogando por Parma e Avellino. Hoje, enquanto seu pai curte a aposentadoria, Adolfo é treinador: já foi técnico dos juvenis da Juventus e do Napoli, assistente de Gianfranco Zola no Watford e viajante pela Europa, com trabalhos por clubes de Albânia, Dinamarca e Ilhas Faroe.

Angelo Benedicto Sormani
Nascimento: 3 de julho de 1939, em Jaú (SP)
Posição: atacante
Clubes: XV de Jaú (1957), Santos (1958-61), Mantova (1961-63), Roma (1963-64), Sampdoria (1964-65), Milan (1965-70), Napoli (1970-72), Fiorentina (1972-73) e Lanerossi Vicenza (1973-76)
Títulos: Coppa Italia (1967), Serie A (1968), Recopa Uefa (1968), Copa dos Campeões (1969) e Copa Intercontinental (1969)
Seleção italiana: 7 jogos e 2 gols

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2 comentários

  • Gostei muito de conhecer Angelo Benedicto Sormani,Sua esposa Julieta,suas duas filhas ,uma delas mãe de dois garotos gêmeos…Muito simpático, amável,educado…O que me fez ler a respeito de sua carreira.Parabéns, Ângelo B.Sormani. Estou encantada

  • Como Brasileiro e torcedor do SFC, sou fã de Sormani desde que passou pelo Santos, Brasil. no time e ataque dos Sonhos. Com uma ressalva, o Sormani era reserva de Dorval, embora antes de se transferir para à Itália, se tornou titular, quando o Dorval andava mal, não rendendo o suficiente, para ser titular. E por falar em Dorval, tivemos um após Natal triste este ano com à perda do atleta. Minhas condolências à família.

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