Serie A

Massimo Ferrero e sua Samp: o que esperar?

Pode parecer absolutamente simplista dizer que a Sampdoria se encontra em um momento em que tudo pode acontecer, na administração de Massimo Ferrero. É uma coisa óbvia de se dizer para qualquer circunstância de todas as pessoas, instituições, blá, blá, blá. Há muita festa no lado doriano de Gênova. As “pérolas de Ferrero” – Luis Muriel, Andrea Coda, Alberto Frison e Joaquín Correa, apresentados oficialmente nesta sexta-feira – são o caso concreto mais recente que empolga a torcida do time, em uma temporada em que o flerte com a zona Champions é constante, jogos contra os gigantes não terminaram em derrota e está praticamente concretizada contratação do astro Samuel Eto’o. Mas a parte do tudo poder acontecer traz a preocupação de que algo de muito ruim também pode acontecer.

Ferrero deixa a entender, através de suas entrevistas, que não é uma pessoa “normal”. O caso mais famoso foi o que ele disse que Massimo Moratti, ex-presidente da Inter, deveria “chutar o filipino” Erick Thohir do comando do clube de Milão, comentário racista que lhe rendeu uma punição de três meses sem poder dar entrevistas – na verdade, Thohir é indonésio e a punição foi revogada meses depois, por causa de um apelo do clube.

São vários os episódios insanos do diretor de cinema em entrevistas, como, no meio de uma resposta de um repórter, convidar a apresentadora Ilaria D’Amico para se tornar uma atriz de seus filmes ou começar a cantar no meio de suas falas. Não se sabe se ele faz essas coisas de propósito, para brincar com os jornalistas, ou se simplesmente esse é Ferrero. Virou motivo de comédia na Itália, como em um quadro semanal do comediante genovês Maurizio Crozza, que constantemente faz piadas com a falta de sensatez e seriedade do dirigente.

Além disso, também em suas redes sociais Ferrero escreve coisas estranhas. Há alguns dias, ele publicou em sua conta de Twitter, como em forma de um poema, que traria Eto’o e Muriel para a Samp às 4h45 da manhã do horário italiano. Até aí, tudo bem. Momentos antes, porém, ele “retuitou” uma mensagem de um torcedor que dizia “mandemos embora aquele babaca do (Stefano) Okaka (atacante do clube)”. Ele não controla o que fala e não se importa. Estive há poucas semanas em Gênova, conversando com vários torcedores e até mesmo para eles o mandatário do clube é uma completa incógnita. Para dizer a verdade, até o fim de dezembro, a maior parte dos torcedores dorianos tinha suas restrições em relação ao presidente. Estavam bastante desconfiados.

Mas a imagem do cineasta mudou com o tempo. Primeiro, o carisma de suas aparições extravagantes e emocionadas, mas sobretudo na virada do ano, pois o dinheiro começou a aparecer. O melhor jogador do time nas últimas duas temporadas, o atacante Manolo Gabbiadini, foi vendido ao Napoli por 12 milhões de euros, sem que o clube pudesse fazer qualquer coisa para impedir – seu passe era vinculado também à Juventus. Porém, durante a longa negociação que levou o atacante à Campânia, o clube já havia assegurado a contratação do jovem meia argentino Correa por oito milhões de euros.

Pouco tempo depois, por mais 12,5 milhões de euros, arrancou o colombiano Muriel, juntamente ao zagueiro Coda da Udinese. Reteve o capitão Danielle Gastaldello e o goleiro Emiliano Viviano, assediados por outros clubes da Itália e ainda trouxe o goleiro Frison. Apresentou os quatro como as Pérolas de Ferrero. E a cereja do bolo é Eto’o, que chega sem custos para o time, mas com um alto salário e a promessa de que o cineasta fará um filme sobre a vida do camaronês. Antes de começar as negociações para trazer o africano, flertou com a contratação, por empréstimo, de Mario Balotelli.

Se as mexidas de mercado vão funcionar ou não nas mãos do técnico Siniša Mihajlović, aquele que, sem nenhuma sombra de dúvida, é o maior responsável pela boa campanha blucerchiata, veremos em breve. Fato é que a Samp virou notícia. Quando na Itália, percebi que a Samp era assunto onde quer que eu fosse, pelas engraçadas, absurdas, malucas ou incompreensíveis declarações do presidente. Ele colocou o clube, que depois de seu retorno à Serie A em 2012 nunca havia tido tanta atenção midiática, no centro das atenções. Primeiro por suas insanidades, mas, agora, por sua ativa e, teoricamente, ótima movimentação no mercado de transferências, em parceria com o diretor Carlo Osti. Espera-se muito da equipe, que já vem bem e pode voltar às competições europeias depois de quatro temporadas.

Contudo, cabe o questionamento: até onde uma administração como a de Ferrero pode ser boa para a Sampdoria? Ou também: até onde ela pode prejudicar o clube?

Ninguém ainda comparou, mas não me surpreenderei se em poucos meses a administração Ferrero seja comparada com a de Paolo Mantovani – não em resultados, mas em estilo. Após dois anos de estruturação à frente da Samp, Mantovani, maior vencedor da história blucerchiata, investiu muito na formação da equipe, como vem fazendo o próprio Ferrero. Mas é bem claro que o estilo Ferrero é extremamente mais liberal, economicamente falando do que o do antigo presidente, até pela notável diferença financeira com relação ao histórico dirigente, que se apoiou, além de em suas empresas petrolíferas, nas campanhas de abbonati do clube. Em outras palavras, Ferrero tem mais dinheiro e investe mais e mais impulsivamente.

Por outro lado, Ferrero contraria o estilo dos que presidiram a Samp nos 12 anos anteriores, a família Garrone. Riccardo Garrone, também petroleiro, assumiu a presidência em 2002, depois de uma catastrófica administração de Enrico Mantovani, filho de Paolo, que optou pelo conservadorismo extremo, que, por sua vez, culminou no terceiro rebaixamento da história do clube, em 1999. Com Garrone, a Samp retornou à elite depois de quatro anos, se estabilizou, cresceu como equipe e alcançou o auge em 2010, quando conseguiu a classificação à Liga dos Campeões, com o time mágico de Antonio Cassano e Giampaolo Pazzini no ataque.

Foi então que, em um momento assim tão grande, Garrone optou, assustadoramente, pelo conservadorismo. Não investiu. Perdeu peças como o técnico Luigi Delneri, o diretor esportivo Giuseppe Marotta e o goleiro Marco Storari, todos para a Juventus, e não houve reposição à altura. Caiu na fase preliminar da maior competição europeia e, ao fim da triste temporada 2010-2011, caiu para a Serie B pela quarta vez na história, depois de liberar Cassano para o Milan e Pazzini para a Inter. “Da Champions para a Serie B”, caçoavam os torcedores rivais.

Após uma única temporada, o time voltou à elite e Edoardo Garrone assumiu o clube em 2013, em função da morte de Riccardo, seu pai. Edoardo sequer teve opção: se viu obrigado a ser conservador, para reestruturar a equipe. Mas, como o pai, não ousou em momento algum. Foi passivo todo o tempo, o que manteve a Samp na mediocridade por duas temporadas. Era compreensível até ali, mas esperava-se mais de Edoardo, que cedeu sem resistência peças como Mauro Icardi, Andrea Poli, Enzo Maresca e o ídolo Nicola Pozzi.

Quando se esperava que Edoardo fosse fazer as coisas funcionarem, depois de duas temporadas brigando contra o rebaixamento, veio o negócio em que Ferrero comprou o clube, no meio de 2014. E, de lá para cá, começou o chamado “Ferrero Show”, o qual já expliquei brevemente. Deste momento em diante, restam dois caminhos aos torcedores da Samp. Apostar todas as fichas e se empolgar com o que vem fazendo o cineasta até aqui e esperar que os resultados venham. E por resultados, obviamente, me refiro a títulos – algo que aconteceu apenas na gestão da família Mantovani. Boas campanhas e saúde financeira também. O já tantas vezes mencionado estádio próprio do clube, que chegou a ser aprovado pela prefeitura. Mas títulos, acima de tudo. Se conseguir resultados iguais a Mantovani ou até maiores, entra para a história.  Mihajlović já vem fazendo um bom trabalho com um time modesto. Quem sabe o que ele conseguirá com reforços de tanto peso.

Mas há um outro caminho nesta bifurcação, que leva alguns à cautela. À desconfiança, talvez. O famoso, “está bom demais para ser verdade”. Sendo bem honesto, me vejo tomando este segundo caminho. Anteriormente me referi às várias nuances psicológicas de Ferrero porque são elas que me assustam. As coisas vêm dando certo (até que se prove o contrário) não unicamente pelo dinheiro de Ferrero, mas, acima de tudo, pela conduta responsável de, sobretudo,  Mihajlović e do competente diretor esportivo Carlo Osti, na formação e manutenção da equipe.

Não afirmo, mas fica a impressão de que Ferrero comprou um brinquedo e que Osti, Mihajlović e os outros membros da diretoria e comissão técnica o orientam em como brincar. Mas como garantir que o diretor de cinema não vai se empolgar demais com seu brinquedo em momentos cruciais e comprometer a saúde financeira da instituição? Ou, pelo contrário, se enjoar do brinquedo? Na coletiva em que apresentou suas Quatro Pérolas, Ferrero, interrompendo a fala de um dos atletas aos gritos (pois estava distante dos microfones), falou a um repórter o seguinte: “nunca imaginei que no futebol se trabalhasse tanto”.

Ou ainda, como saber se Ferrero vai saber lidar com momentos de crise ou de fracassos? Se ele fosse esclarecido em suas entrevistas, pontos de vista e etc, poderíamos ter uma noção das respostas de todos estes últimos questionamentos. Mas fica difícil tentar decifrar essas informações em uma figura que começa a cantar no meio de uma resposta a um jornalista e ainda diz que “quer ir até a lua”, na mesma resposta. Ferrero se mostra um personagem, cheio de dinheiro. Tem a ousadia que faltou aos Garrone, mas está longe da sensatez que teve Mantovani, ainda que financeiramente mais ousado que este. Serve um pouco de tempo para descobrirmos qual faceta de Ferrero prevalece: a de personagem ou a de presidente. Até aqui, não o vi como nada além de uma marionete com uma enorme conta bancária.

Compartilhe!

2 comentários

Deixe um comentário para gabriel cardoso X