Muitas vezes, dizemos que certo jogador conseguiu feitos únicos como força de expressão. No caso de Dirceu, não. Um dos maiores craques brasileiros dos anos 1970 e 1980, o meia canhoto, habilidoso e polivalente disputou três Copas do Mundo com a camisa do Brasil e conseguiu pelo menos uma homenagem até hoje inigualada no futebol: é o único atleta do nosso país que batiza um estádio na Itália.
Isso porque a acanhada praça da pequena Ebolitana, inaugurada em 2001, recebeu o seu nome: Dirceu José Guimarães. O meia de grande coração defendeu a equipe semiprofissional por dois anos, estabeleceu residência em Eboli, província de Salerno, na fase final de vida, e foi amado pelos locais.
Paranaense, Dirceu começou a carreira no Coritiba, e marcou seu primeiro gol profissional justamente num clássico contra o Atlético-PR. Depois de brilhar no Atletiba e por mais dois anos no Coxa, foi convocado para os Jogos Olímpicos de 1972 e salvou-se na pífia campanha brasileira. A partir de então, começou sua trajetória de cigano no futebol: foram 15 clubes em 25 anos de carreira, sete deles na Itália, onde conseguiu a proeza de trocar de equipe ano após ano, na Serie A. Depois, nas divisões inferiores, passou mais tempo.
O que importa é que, por onde passou, o meia, que também atuava pela ponta esquerda, destacou-se pelo incansável trabalho de equipe. Algo que o fez ficar conhecido como Formiguinha: corria bastante, marcava e criava. Leal, nunca recebeu um cartão vermelho sequer. Sentava a porrada apenas nas bolas, com um potentíssimo chute de canhota, sua arma letal.
Após deixar Curitiba com dois Campeonatos Paranaenses conquistados, foi para o Rio de Janeiro, onde apareceria de vez para o futebol brasileiro. Sua passagem de três anos pelo Botafogo não lhe rendeu títulos, mas o fez disputar a Copa de 1974. Na campanha do 4º lugar canarinho, foi titular em quatro jogos, entrando no time a partir da segunda fase da competição – a Seleção decepcionara na primeira fase de grupos.
Voltou ao time da estrela solitária, jogou mais dois anos por lá e, em 1976, fechou com o Fluminense, onde fez parte de um dos maiores esquadrões tricolores, ao lado de Roberto Rivellino, Carlos Alberto Torres e Paulo Cezar Caju. Após conquistar o título carioca com a Máquina Tricolor, transferiu-se novamente, passando a mais um rival: o Vasco. Em São Januário, arrumou o meio-campo da equipe e se destacou ao lado de Zé Mário, Zanata e Roberto Dinamite. Resultado: mais um título estadual e outra convocação para Copa do Mundo.
Em 1978, o mundo conheceu Dirceuzinho. Depois de começar a competição como reserva de Rivellino, entrou no segundo tempo na estreia contra a Suécia e nunca mais deixou o onze inicial. O craque foi fundamental na classificação do Brasil na primeira fase e foi o autor de grande jogada para o gol de Roberto Dinamite contra a Áustria. Ainda marcou dois gols contra o Peru e outro contra a Itália, e foi o nome da seleção que acabou a competição invicta e com o terceiro lugar. Dirceu ainda faturou a Bola de Bronze como terceiro melhor jogador do torneio e fez parte da seleção do Mundial.
Endinheirado, o América, do México, levou a sensação para o Azteca. Após apenas um ano por lá, Dirceu foi para o Atlético de Madrid, onde viveu três anos gloriosos. Foi convocado para seu terceiro Mundial, que acontecia justamente na Espanha, e sofreu vendo do banco a Tragédia do Sarrià. Já experiente, logo depois da Copa do Mundo conseguiu a chance de atuar na Serie A, o melhor campeonato do mundo à época. Recebeu uma proposta do Verona, que retornava para a elite do futebol na Bota.
O brasileiro chegou como a grande contratação da temporada, e não decepcionou. Vestindo a camisa 10 – número que utilizou em todos os times pelos quais passou na Itália –, foi o líder de presenças na temporada, um dos jogadores mais importantes do time treinado por Osvaldo Bagnoli, comandava o meio-campo ao lado de Pietro Fanna e Antonio Di Gennaro, que serviam o artilheiro Domenico Penzo.
No time scaligero, que ainda tinha Roberto Tricella e o histórico (embora quase nada utilizado) Wladyslaw Zmuda na defesa, e que era o embrião daquele que se sagraria campeão italiano duas temporadas depois, Dirceu atingiu ótimas marcas. Realizou 47 jogos e 6 gols, que ajudaram a equipe a conquistar um inédito 4º lugar na Serie A, melhor classificação na história do Hellas até então. Os butei ainda chegaram a ser finalistas da Coppa Italia. Venceram a partida de ida, por 2 a 0, em casa, e perderam a volta, por 3 a 0, apenas no último minuto da prorrogação, quando Michel Platini anotou o gol do título da Juventus.
A trajetória cigana de Dirceu na Itália começava ali, logo após o vice na Coppa. Na temporada seguinte, 1983-84, o meia passou a uma equipe rival do Verona: o ambicioso Napoli de Corrado Ferlaino. No San Paolo, seguiu sendo importante, mesmo em uma temporada difícil para os azzurri. Mesmo com os cinco gols de Dirceu e com uma defesa que tinha o histórico zagueiro holandês Ruud Krol, o experiente goleiro Luciano Castellini e as bandeiras Moreno Ferrario e Giuseppe Bruscolotti, pouca coisa deu certo. A salvação do rebaixamento aconteceu somente na penúltima rodada.
Após a temporada mediana no Napoli, Dirceu acabou precisando deixá-lo. O motivo é que o clube, que já havia liberado Krol e contratado o argentino Daniel Bertoni, precisava abrir uma nova vaga de estrangeiro para a chegada de ninguém menos que Diego Armando Maradona, que assumiria a 10 do brasileiro. Assim, Dirceu passou ao Ascoli do histórico presidente Costantino Rozzi, o maior da história do Picchio.
No entanto, problemas durante a temporada fizeram que nem mesmo dois técnicos de respeito, como Carlo Mazzone e Vujadin Boskov evitassem a queda dos ascolesi para a segundona. Dirceuzinho, novamente grande craque do time, anotou cinco gols, mas não conseguiu evitar o pior: a 14ª colocação e a queda.
Irrequieto, Dirceu mudou de ares de novo e assinou com o Como, indo morar novamente no norte da Itália. Na temporada anterior, que marcava a volta dos lariani à elite, o Como salvara-se do rebaixamento apenas no final do campeonato – mesmo tendo sofrido apenas dois gols no seu estádio, o Giuseppe Sinigaglia. Com a 10 nas costas e a faixa de capitão no braço, o Formiguinha ajudou o time que tinha como destaques os atacantes Stefano Borgonovo e Dan Corneliusson a alcançar a 9ª posição na Serie A e as semifinais da Coppa Italia.
Na melhor campanha dos lariani na copa, o time passou pela Juventus e pelo Verona, que defendia o título italiano, mas caiu nas semifinais contra a Sampdoria. O time vencia o jogo da volta por 2 a 1 na prorrogação, quando um objeto lançado ao campo feriu o árbitro do jogo. No tapetão, o juizado esportivo deu a vaga à Samp e, mais uma vez, tirou de Dirceu a chance de conquistar um título na Itália. Da mesma forma que uma lesão nos preparativos para a Copa de 1986 tirou do meia a possibilidade de ser convocado para o quarto Mundial seguido. Descartado por Telê Santana, nunca perdoou o treinador, pois achava que tinha condições de disputar a competição no México.
Dessa forma, Dirceu acabou voltando à Campânia, onde viveria grande parte de sua vida dali para frente. O meia fechou com o Avellino, único time alviverde de expressão do futebol italiano. A equipe ficou conhecida por, mesmo tendo pequeno porte, ter conseguido passar 10 temporadas consecutivas na Serie A, entre o final das décadas de 1970 e 1980. Dirceu fechou com o clube para a nona dessas campanhas, e fez parte do time que conseguiu a melhor classificação da história dos Lobos: uma 8ª posição, assim como em 1981-82.
Logo em sua estreia pelo Avellino, Dirceu anotou dois golaços de falta sobre a Fiorentina, na 1ª rodada. Foram os primeiros dos seis gols que ele fez em 23 jogos pelos irpini. Com quase 35 anos, o Formiguinha atuou em 23 jogos e foi o líder técnico da equipe, ao lado do atacante austríaco Walter Schachner. Curiosamente, aquele time teve vários jogadores com ótimo senso tático e que se tornaram treinadores depois. Além de Schachner, também Stefano Colantuono, Angelo Alessio e o capitão Franco Colomba. Nenhum deles, porém, teve o mesmo destaque que Dirceu dentro dos gramados.
Após a odisseia vivida em cinco anos de Serie A por cinco clubes diferentes, Dirceuzinho voltou ao Brasil, onde defenderia o Vasco por um curto período de tempo. Entrou em atrito com o técnico Sebastião Lazaroni e atuou apenas sete vezes pelos cruzmaltinos em sua segunda passagem pela Colina. Dirceu ainda atuou nos Estados Unidos, pelo Miami Sharks, treinado pelo amigo Carlos Alberto Torres, mas decidiu retornar à Itália. Não para jogar futebol, mas sim futebol de salão, no Harvey Bologna.
O meia chegou a atuar novamente nos gramados de futebol por alguns anos, disputando o campeonato Interregionale, equivalente à quinta divisão do Campeonato Italiano. Primeiro, na pequeníssima Ebolitana, onde foi treinado pelo ex-jogador do Fluminense Rubens Galaxe, e depois no Benevento. Foi em Eboli que o jogador fixou residência e ganhou o respeito da população local.
Como um craque do seu calibre e com três Mundiais disputados desejaria ter uma vida tão simples em uma cidade pequena do sul da Itália? Ao mesmo tempo que disputava os campeonatos amadores, Dirceu tinha uma vida de empresário na cidadezinha, atuando como dono de uma concessionária de automóveis para aluguel.
De vida pacata, virou um personagem local. Tanto é que, em 2001, o clube inaugurou um novo estádio e o batizou com o nome do jogador mais brilhante que passou pelo clube até hoje – e que, provavelmente, será o maior craque biancazzurro. Hoje, o estádio é utilizado pela própria Ebolitana e também como centro de treinamentos da Salernitana, equipe que disputa a Lega Pro.
Dirceu ainda viveu algum tempo em Ancona, onde jogou pelo time de futsal da cidade e teve um restaurante. O brasileiro também jogou no México outra vez, onde encerrou sua carreira aos 43 anos, pelo Atlético Yucatán. Seu jogo de despedida, no estádio Jalisco, em Guadalajara, teve a presença de 50 mil torcedores.
Tão amado, Dirceu se despediu da vida tão logo se despediu do futebol profissional. Em uma noite de setembro, uma semana depois de ter voltado ao Brasil, o ex-jogador retornava de uma partida de futebol com seu amigo Pasquale Sazio, que atuara com ele na Ebolitana. O carro de Dirceu foi atingido em cheio por outro, que estava em alta velocidade, fazendo um “racha”. Os dois morreram na hora. Dirceu deixou três filhos e uma esposa grávida do quarto, já com sete meses de gestação. Um triste fim para um craque idolatrado por onde passou e que tinha no futebol o seu grande amor.
Veja todos os 20 gols – muitos golaços – de Dirceu pela Serie A clicando aqui.
Dirceu José Guimarães
Nascimento: 15 de junho de 1952, em Curitiba (PR)
Morte: 15 de setembro de 1995, no Rio de Janeiro (RJ)
Posição: meia
Clubes: Coritiba (1970-72), Botafogo (1973-76), Fluminense (1976), Vasco (1977-78 e 1988), Club América (1978-79), Atlético de Madrid (1979-82), Verona (1982-83), Napoli (1983-84), Ascoli (1984-85), Como (1985-86), Avellino (1986-87), Miami Sharks (1988), Ebolitana (1989-91), Benevento (1991-92) e Atlético Yucatán (1994-95)
Títulos: Campeonato Paranaense (1970 e 1971) e Campeonato Carioca (1976, 1977 e 1988)
Seleção brasileira: 44 jogos e 7 gols
Um dos melhores artigos que li sobre a carreira do meu pai, obrigado!
Abs
Que honra! Muito obrigado! 🙂
Tive o privilégio de apertar a mão de seu pai e trocar umas rápidas palavras com ele no tempo em que os sogros dele moravam no mesmo prédio que morei em Copacabana, na Rua Djalma Ulrich, na década de 80. Ainda lhe disse que gostaria de vê-lo jogar no meu time, Flamengo. Ele sempre cavalheiro e simpaticíssimo. Que Deus tenha essa bela alma num lindo lugar.
Desde episódio da copa 86 eu ja li: Tinha Zico, Falcão, Cerezo e Dirceu voltado de lesão. Cortados os dois últimos ( palavra de Cerezo).
Estava, hoje, pesquisando sobre o Dirceu e, infelizmente, fui surpreendido com essa morte trágica na década de 90.
Um dos melhores jogadores de futebol do Brasil e que, aqui no país, não teve o seu devido reconhecimento.