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Um bonde (eficiente) chamado Christian Riganò

Em meados de outubro de 2016, chamou atenção a aparição de Christian Riganò em uma partida beneficente organizada por Giancarlo Antognoni e Gabriel Batistuta em Florença: o ex-atacante, que se aposentou em 2015, aos 41 anos, engordou bastante e aparenta estar obeso. Aqueles que não viram o centroavante atuar até se impressionaram à primeira vista, mas não quem acompanhou a sua carreira na década de 2000. Quase sempre ostentando quilos a mais, Riganò não era um primor de técnica, mas foi goleador e conseguiu romper padrões estéticos e atléticos.

O centroavante siciliano era corpulento e, embora se assemelhasse a um ogro, a princípio não assustava seus adversários com sua expressão facial meio caipira e seus dentes separados. No entanto, se eles se distraíssem, a bola frequentemente acabava nas redes. Riganò costumava usar a força física para se sobressair e era a encarnação do típico atacante grosso que faz sucesso na Bota, que faz com que as dificuldades técnicas não o impeçam de ganhar o respeito das torcidas – no caso do siciliano, as de Fiorentina e Messina. O bomber ainda tem o mérito de ser um dos poucos jogadores que balançaram as redes da sexta à primeira divisões da Itália.

Desde o início a carreira de Riganò é daquelas que mostram como o futebol é uma bênção e pode mudar a vida de uma pessoa completamente. O jogador nasceu em Lipari e entre 1992 e 1997 atuou na homônima equipe semiprofissional das Ilhas Eólias, pela qual venceu o campeonato regional da Sicília e garantiu uma classificação à quinta divisão. Naquela época, o forte rapaz de 1,90 m e 94 kg não era encarregado de marcar gols, mas sim de evitá-los: certo dia, ainda nos juvenis, o titular do ataque se lesionou e o zagueiro Riganò foi alçado à condição de centroavante. Com um gol que valeu a vitória do seu time, nunca mais abandonou a posição.

O belo uniforme da Florentia Viola, na Serie C2, contrastava com o estilo ogro do capitão Riganò (Sestini)

Além da mudança de setor em campo, Riganò viveu outra peculiaridade: também não tinha o futebol como sua principal ocupação. O siciliano trabalhou como pedreiro até os 25 anos, quando se profissionalizou – e com a certeza de que, se não desse certo no esporte, voltaria a erguer muros e casas. Goleador pelo Lipari, o atacante ainda atuou no Messina, maior time da região, e no Igea Virtus, da cidade siciliana de Barcellona. Foi o último passo até chegar ao primeiro nível profissional do Belpaese, em 2000.

O surgimento tardio no esporte profissional não impediu que ele acabasse chamando a atenção da Fiorentina por seus tentos e pela conquista da Serie C2, já com a camisa do Taranto. O clube toscano havia declarado falência, teria de jogar a quarta divisão e Riganò foi uma das principais contratações dos florentinos para 2002-03. Surpreendentemente, ele se tornou um dos grandes ídolos recentes da torcida.

Então rebatizada Florentia Viola, a Fiorentina era a equipe mais cotada para subir para a terceira divisão naquela temporada e contava com os gols do grandalhão siciliano para isso. Riganò não decepcionou: colocou seu repertório de muita luta, presença de área e facilidade no cabeceio para marcar 30 gols e emplacar a artilharia da competição, que terminou com o título gigliato. Aos 29 anos, finalmente ganhava algum destaque em nível nacional. Não precisaria voltar a ser pedreiro se não quisesse.

O acesso da Fiorentina deveria ter sido para a Serie C1, mas uma virada de mesa que ampliou a Serie B de 20 para 24 equipes – entenda melhor o chamado Caso Catania aqui – acabou ajudando o time de Florença, que pleiteou uma vaga na repescagem que decidia duas vagas na competição. Dessa forma, por mérito esportivo e atestado de condições financeiras (critérios utilizados pela Federação Italiana de Futebol,  a Figc, em casos assim), a Viola ganhou o direito de disputar a segunda divisão. Melhor para Riganò, que vivia excelente fase e poderia mostrar seu potencial em um palco de mais prestígio.

Com futebol bastante físico, Riganò foi goleador violeta nas divisões inferiores e devolveu a equipe à Serie A (Sestini)

O atacante siciliano estava mesmo em estado de graça. Ele prestou seus serviços com eficiência mais uma vez e anotou 23 gols na segundona, sendo um dos artilheiros da competição e o principal goleador da Fiorentina na campanha que valeu o retorno à elite. Com isso, sua idolatria em Florença apenas aumentava e a faixa de capitão que recebeu foi apenas uma consequência de sua liderança dentro de campo. Apesar de tudo, sua primeira temporada na elite não foi boa: uma série de lesões musculares limitaram seus minutos em campo e o centroavante jogou apenas 18 partidas, com quatro gols marcados.

Em 2005, a chegada de Luca Toni à equipe da Toscana relegou Riganò ao banco de reservas e o atacante optou por ser negociado. Ele nem foi muito longe de Florença: passou um ano emprestado ao Empoli, mas foi coadjuvante de Francesco Tavano na boa campanha dos azzurri, que ficaram na 8ª posição da Serie A.

Na volta à Fiorentina, Riganò continuou sem espaço, mas uma porta se abriu. O Messina foi repescado para a primeira divisão depois do rebaixamento da Juventus por envolvimento de diretores no Calciopoli e resolveu apostar em um filho da terra para comandar o ataque. Uma aposta (quase) certeira. Com 32 anos, Riganò fez a temporada em mais alto nível de sua carreira e chegou até a sonhar com uma convocação para a seleção da Itália, algo que nunca chegou a acontecer.

O bomber caneleiro marcou 19 gols e foi o terceiro colocado na artilharia da Serie A 2006-07, atrás apenas de Francesco Totti e Cristiano Lucarelli – naquela campanha ainda marcou dois gols no Derby dello Stretto, realizado contra a Reggina. O problema é que os peloritani tinham um elenco bastante fraco, incapaz de disputar a primeira divisão em alto nível, e foram rebaixados com facilidade – ocuparam a lanterna do torneio, com 26 pontos, 14 a menos que o Cagliari, primeiro time fora da zona de rebaixamento.

Natural da província de Messina, o atacante conseguiu defender, com sucesso, o maior clube da região na elite do futebol italiano (Ansa)

A passagem pelo Messina foi o canto do cisne de Riganò, embora ele tenha se mantido ativo no futebol até 2015. Logo após a queda dos biancoscudati, o atacante foi vendido ao Levante, mas ficou apenas seis meses no futebol espanhol – apesar de uma tripletta contra o Almería, não deixou saudades. O centroavante siciliano ainda atuou brevemente pelo Siena, em sua última oportunidade na elite, e rodou sem brilho algum por Ternana e Cremonese, ficando sem clube em 2009.

Um ano e meio depois, voltou aos campos já com alguns quilos a mais e passou a atuar em equipes semiprofissionais – entre as quais somente a Rondinella tem uma microscópica relevância no futebol do Belpaese. Enquanto ainda atuava em equipes amadoras da Itália, Riganò ainda dividia seu tempo como treinador de juvenis e também como membro de um time de ex-jogadores da Fiorentina, destinado a partidas beneficentes. O fato de desafiar a todos e continuar jogando mesmo sem atender aos padrões atléticos do futebol de hoje só nos faz colocá-lo com mais carinho na estante de bondes de que gostamos.

Christian Riganò
Nascimento: 25 de maio de 1974, em Lipari, Itália
Posição: atacante
Clubes: Lipari (1992-97), Messina (1997-98 e 2006-07), Igea Virtus (1998-2000), Taranto (2000-02), Fiorentina (2002-05 e 2006), Empoli (2005-06), Levante (2007-08), Siena (2008), Ternana (2008-09), Cremonese (2009-10), Rondinella (2010-11), Jolly e Montemurlo (2011), Audax Montevarchi (2011-12), Benaco Bardolino (2013), Settignanese (2013-14) e Incisa (2015)
Títulos: Promozione Siciliana (1996), Campeonato Nacional Dilettanti (1998 e 2000) e Serie C2 (2001 e 2003)

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