Jogadores

Giuseppe Bruscolotti: intocável por 16 anos na lateral do Napoli

Poucos cidadãos no mundo são tão bairristas e amam tanto sua terra natal quando as pessoas nascidas em Nápoles. Na belíssima cidade banhada pelo Mar Tirreno, torcer para o Napoli é um dos maiores componentes da identidade local: por todos os cantos se veem as cores do clube e os garotinhos que jogam bola pelas vilas querem representar o time de Fuorigrotta. Por isso, um dos fatos mais curiosos do futebol italiano é que, proporcionalmente, existem poucos jogadores nascidos na capital da Campânia que tenham sido bandeiras napolitanas. Entre os tantos adotados pela massa azzurra e que se apaixonaram pela cidade está Giuseppe Bruscolotti, eterno capitão da equipe.

Bruscolotti não é natural de uma localidade distante de Nápoles, como tantos outros que brilharam pelos partenopei: nasceu a 150 quilômetros da “Cidade das 500 cúpulas”, em Sassano, na província de Salerno. Peppe começou no futebol perto de casa, atuando pelos times juvenis da Pollese, uma equipe amadora do vilarejo vizinho de Polla. Aos 19 anos, no início da década de 1970, o lateral direito subiu de patamar e assinou com um dos times profissionais da Campânia, o Sorrento.

Na maravilhosa Península Sorrentina, Bruscolotti começou a chamar atenção. Ainda que fosse muito jovem, foi titular na era de ouro dos rossoneri: destaque do esquema do técnico Giancarlo Vitali, participou ativamente da histórica campanha do único acesso do time à Serie B, em 1970-71. O treinador, que foi jogador importante do Napoli na década de 1950, era amante do catenaccio e conseguiu montar um sistema que sofreu apenas 12 gols na Serie C, contando com o forte poder de marcação de Peppe pela lateral direita.

No ano seguinte Vitali foi treinar a Salernitana, mas Peppe continuou sendo peça-chave do Sorrento: só não atuou em duas partidas e, embora tenha feito uma boa competição, não conseguiu evitar o rebaixamento da equipe. Bruscolotti trocaria de time após a queda dos costieri, naquela que seria a última transferência de sua carreira, ainda que tivesse somente 21 anos. Entre 1972 e 1988, o defensor vestiria apenas a camisa do Napoli, time que ajudou a levar ao topo da Itália, escrevendo alguns de seus mais gloriosos capítulos.

Quando Peppe acertou com o Napoli, a equipe ainda era uma média que, às vezes, incomodava as gigantes: em 11 oportunidades havia ficado entre os cinco primeiros da Serie A e tinha sido vice-campeã uma vez, em 1968. A torcida estava ligeiramente desconfiada com o presidente Corrado Ferlaino, que cedeu dois pilares do time vice-campeão à Juventus – Dino Zoff e José Altafini – e estava investido em jovens, como Bruscolotti, mas o mal estar foi passando com o tempo. Após estrear com a camisa azzurra diante da Ternana, em 1972, o lateral ganhou a titularidade da equipe treinada por Giuseppe Chiappella, que chegou aàs semifinais da Coppa Italia naquela ocasião. Porém, foi sob o comando do brasileiro Luís Vinício, que ficou no clube de 1973 a 1976, que Bruscolotti e o Napoli decolaram.

Nos três anos em que Vinício foi o técnico do time do San Paolo, Bruscolotti foi um dos líderes de uma defesa fortíssima, que teve média inferior a um gol sofrido por partida. Após um terceiro lugar em 1973-74, o Napoli contratou o experiente zagueiro Tarcisio Burgnich, que se juntou a Peppe e formou uma dupla muito sólida pelo lado direito da defesa. Com os dois, os azzurri foram semifinalistas da Coppa Italia e vice-campeões italianos (apenas dois pontos atrás da Juventus) em 1975 e levantaram a copa local no ano seguinte. Era, até aquele momento, um dos períodos de maior destaque da equipe em nível nacional.

Bruscolotti (dir.) chegou ao Napoli no início da década de 1970 e participou da ascensão do time no cenário italiano (imago)

Peppe já encantara a torcida naquele momento, por ser capaz de anular adversários do calibre de Gianni Rivera, Sandro Mazzola e Gigi Riva, graças a muita determinação e, às vezes, faltas mais duras. Embora não fosse muito alto (tinha 1,81m), Bruscolotti era um muro e raramente perdia confrontos corpo a corpo ou divididas: por ser comum os atacantes rivais esbarrarem nele e caírem no chão sem que ele se abalasse, os torcedores do Napoli apelidaram o defensor como “Pal ‘e Fierro” – em português, “viga de ferro”.

O carinho dos napolitanos por Bruscolotti só aumentava. Em 1975-76, temporada em que os azzurri eram comandados pelo ídolo Bruno Pesaola, o lateral marcou dois gols importantíssimos – considerando que ele fez somente 11 em 16 anos de casa, dá para dizer que a média é boa. Peppe balançou as redes contra o Anderlecht na partida de ida das semifinais da Recopa Uefa – na volta, os azzurri acabaram eliminados – e na decisão da Copa da Liga Anglo-Italiana, contra o Southampton. Nessa ocasião, levantou mais uma taça pelo Napoli.

Bruscolotti se manteve firme como uma rocha no time titular do Napoli nos anos que se passaram. No final da década de 1970 e início de 1980, os partenopei quase sempre ocuparam a parte alta da tabela e incomodaram na Coppa Italia, mas não conquistaram títulos. Ainda assim, Peppe – que também atuava como zagueiro, se necessário – continuou se destacando, pois formou um forte trio de defesa com Ruud Krol e Moreno Ferrario.

Em 1982, um episódio definiu sua dedicação e empenho pelo clube. O Napoli brigava contra o rebaixamento e Peppe estava afastado dos gramados por causa de uma hepatite viral. Sabendo que poderia contar com o defensor, o técnico Pesaola pediu que ele atuasse apenas 10 minutos contra a Sampdoria, em Gênova: Bruscolotti, que não estava completamente recuperado, ficou em campo por 70 e deixou o campo comunicando ao treinador que estava bem. Na temporada seguinte, com mais de 10 anos de clube, em 1983 Pal ‘e Fierro voltou a ostentar faixa de capitão da equipe: entre 1978 e 1980, a herdou de Antonio Juliano e, mas nos três anos seguintes a havia cedido a Claudio Vinazzani.

O lateral direito só deixaria a braçadeira em definitivo em 1986, para dá-la a Diego Armando Maradona – e sob uma condição: o argentino deveria levar o scudetto a Nápoles. A promessa de Dieguito se cumpriu e a temporada 1986-87 foi de alegria dupla em Fuorigrotta, já que o Napoli conseguiu conquistar a Serie A e a Coppa Italia.

Bruscolotti foi um dos poucos a quem Maradona se curvou na carreira: El Pibe o respeitava (Guerin Sportivo)

O Pibe d’Oro não se esqueceu de Bruscolotti, com quem desenvolveu uma grande amizade, e em uma de suas primeiras entrevistas, ainda no calor da comemoração, fez questão de salientar o peso do companheiro na conquista: “uso a faixa de capitão, mas nosso verdadeiro líder é Beppe”. Pal ‘e Fierro foi um dos poucos neste mundo a quem Maradona escutava e era provavelmente o único que podia repreendê-lo por seu comportamento inadequado sem provocar uma briga.

Dentro de campo e nos vestiários, Bruscolotti era uma peça fundamental do Napoli de Ottavio Bianchi. E não só, pois durante os 16 anos no San Paolo, Peppe foi um jogador de grupo: até mesmo sua esposa Mary contribuía, pois buscava reunir esposas e namoradas dos jogadores para formar um grupo homogêneo e coeso.

No ano seguinte à dobradinha na Itália, Bruscolotti faria sua última temporada como profissional e entraria em campo somente dez vezes – seu herdeiro, Ciro Ferrara, já estava pronto para sucedê-lo. Ao todo, o campano realizou 511 partidas com a camisa do Napoli, número que custou a ser superado: só em 2018, Marek Hamsík (520) ultrapassou o lateral em quantidade de aparições com o uniforme azul. Seu único dissabor foi não ter atuado pela seleção italiana: foi convocado três vezes, mas não entrou em campo, já que havia uma enorme concorrência na Nazionale naqueles tempos.

Após se aposentar, com 37 anos recém-completados, Bruscolotti não quis seguir carreira como técnico ou dirigente. Chegou a ser responsável pela relação entre o Napoli e seus torcedores e cartola do diletante Gladiator por um breve tempo, mas seu temperamento sanguíneo e taciturno o afastava das luzes da ribalta.

Ele preferia ser discreto e efetivo: com Maradona, abriu uma escolinha para crianças carentes em San Sebastiano al Vesuvio, na região metropolitana de Nápoles. Ao mesmo tempo, teve um restaurante no lindo bairro de Posillipo, cujo nome homenageava o dia do primeiro scudetto do Napoli: 10 maggio 1987. Depois, se tornou dono de uma pequena banca de apostas localizada próxima ao estádio San Paolo e também passou a atuar esporadicamente com análises esportivas.

Giuseppe Bruscolotti
Nascimento: 1º de junho de 1951, em Sassano, Itália
Posição: lateral-direito
Clubes: Sorrento (1970-72) e Napoli (1972-88)
Títulos: Serie C (1971), Copa da Liga Ítalo-Inglesa (1976), Coppa Italia (1976 e 1987) e Serie A (1987)

Compartilhe!

Deixe um comentário