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‘Pedreiro num time de arquitetos’, Sergio Brio ganhou tudo o que disputou pela Juve

Quando crianças, muitos de nós sonhamos em jogar por nosso time do coração. A óbvia verdade é que a vida não costuma seguir os planos que arquitetamos. Os caminhos traçados se bifurcam e a grande maioria dos garotos e garotas que sonham em ser futebolistas seguem carreiras bem distantes do esporte. Entre os que de fato viram jogadores de futebol, uma ínfima parte consegue realizar aquele desejo primordial. Menos ainda são aqueles que conseguem defender as cores que amam e ainda são capazes de fazer história com a sua camisa. O zagueiro Sergio Brio foi um desses: integrou uma das principais linhas defensivas já montadas pela Juventus.

Brio é natural de Lecce, uma das maiores cidades da Apúlia – região do sul da Itália com grande concentração de torcedores da Juventus. O jovem Sergio, no entanto, não foi tentar a vida no futebol do norte do país, pelo time que amava: começou sua carreira em sua terra natal, nas categorias de base do Lecce. No tradicional clube salentino, porém, deu seus primeiros passos como atacante, por ser muito bom na bola área – só depois de algum tempo é que virou zagueiro.

Efetivado como defensor, Brio foi integrado ao elenco profissional giallorosso em 1973-74, mas atuou apenas em alguns jogos da Coppa Italia de semiprofissionais. Sua estreia na Serie C ocorreu no início da temporada seguinte, em uma partida contra o Trapani. A partida coincidiu com a excursão de uma das equipes de base da Juve ao sul da Itália. Giampiero Boniperti, na época presidente da agremiação, estava junto e ficou impressionado com o garoto. Assim, em outubro de 1974, Brio acertou com a Velha Senhora.

Apesar de ter precisado de somente uma temporada para, aos 18 anos, ser contratado pelo clube que torcia na infância, Brio demorou para poder estrear no time de cima. Em 1974-75, o zagueiro integrou a equipe Primavera juventina e não foi utilizado pela equipe principal. Após a campanha no sub-19, o defensor foi emprestado para a Pistoiese, que estava na Serie C.

Brio acabou ficando três anos na equipe laranja da Toscana, amadurecendo enquanto jogador. Pela olandesina, o zagueiro disputou 59 partidas e anotou cinco gols nos dois primeiros anos, que culminariam no título da Serie C, em 1977. Em 1977-78, Sergio Brio foi o jogador dos arancioni que mais entrou em campo na campanha da segundona: foram 37 jogos como titular, com contribuição efetiva para salvar o time de Pistoia do rebaixamento. Mais experiente, prestes a completar 22 anos, o apuliano retornou para a Juventus. Seria, finalmente, aproveitado.

Brio se destacava pelos atributos atléticos e pela garra (Arquivo/Juventus)

De volta a Turim, Brio teria a missão de ser a sombra de Francesco Morini, que havia sido titular durante toda a década de 1970, mas, aos 34 anos, caminhava para a fase final da carreira – aposentou-se dois anos depois, inclusive. Devido à titularidade do veterano, Sergio só fez sua estreia com a camisa bianconera em março de 1979, numa vitória contra o Napoli por 1 a 0.

Apesar de ter jogado poucas partidas nesta temporada, o defensor sulista foi decisivo para o título da Coppa Italia. A Juventus fez a final contra o Palermo, que disputava a segundona naquela época, mas foi surpreendida com um gol de Vito Chimenti logo no primeiro minuto do duelo, que ocorria em Nápoles. A Velha Senhora não conseguia furar o catenaccio rosanero nem mesmo com as alterações feitas na etapa final. Perder para um time da segunda divisão seria um vexame para a gigante.

Foi então que surgiu um herói improvável. Brio havia acabado de se recuperar de uma lesão na perna sofrida nas semifinais, contra o Catanzaro, e havia sido liberado da imobilização com gesso três dias antes da decisão. Mesmo assim, foi para o banco de reservas. Mais: entrou no segundo tempo, foi mandado ao ataque por Giovanni Trapattoni e marcou o gol de empate aos 83, levando a partida para a prorrogação. A vitória foi obtida no finalzinho do tempo extra, graças a Franco Causio.

A conquista da copa nacional foi a primeira das 12 taças que Brio levantou em sua passagem pela Juventus. Jogador excelso na bola área, do alto de seu 1,90m o apuliano havia provado que podia ajudar muito defensiva e ofensivamente. Faltava ser titular: e Sergio conseguiria ser presença constante na defesa bianconera durante toda a década de 1980.

Brio foi utilizado com mais frequência em 1979-80 e acabou promovido de vez ao time titular devido à saída de Morini, que no fim da temporada acertou com o Toronto Blizzards, da NASL. No entanto, o novo xerife da zaga bianconera acabou sofrendo uma entorse no joelho em um treino e ficou fora de ação por oito meses, perdendo a maior parte da campanha de 1980-81. Quando voltou, ocupou seu lugar ao lado de tinha Gaetano Scirea, Claudio Gentile e Antonio Cabrini, naquela que foi considerada uma das melhores defesas da história do futebol.

Tardelli, Cabrini, Platini e Brio: parte da espinha dorsal de uma Juventus extraordinária (Presse Sports)

A equipe treinada por Trapattoni viveu o seu auge entre 1981 e 1986. Brio contribuiu para isso de maneira determinante, sendo o zagueiro mais fixo da Juventus. No 4-3-1-2 trapattoniano, o lateral-esquerdo Cabrini tinha liberdade total para subir e Scirea, na posição de líbero, também saía mais para o jogo, sobretudo para oferecer uma opção qualificada nas linhas de passe com Marco Tardelli e Massimo Bonini. Gentile cobria o vice-capitão e Brio era seu companheiro à frente de Dino Zoff, primeiro, e Stefano Tacconi, depois.

O próprio Sergio definiu seu papel como o de “um pedreiro numa equipe de arquitetos”. De fato, Brio não era o jogador que mais brilhava ou chamava a atenção naquele time de craques – era um coadjuvante, por assim dizer. No entanto, sem pedreiros competentes nenhum projeto arquitetônico pode vir a ter sucesso. O apuliano era um dos jogadores que corriam, davam carrinhos, sujavam o uniforme e erguiam muros na defesa para que Michel Platini pudesse ter a liberdade de dar vazão à sua genialidade.

Durante o auge daquela Juventus, Sergio Brio ganhou a maior parte dos títulos que constam em sua prateleira – italianos e continentais. Naquele período, comemorou quatro scudetti, uma Coppa Italia, uma Recopa Uefa, uma Supercopa, uma Copa dos Campeões e um Mundial Interclubes, atuando sempre como titular. Como era o jogador mais recuado da zaga juventina, Brio travou duelos com alguns dos principais centroavantes adversários da época, como Roberto Pruzzo (ex-Roma), Frank Stapleton (ex-Manchester United), Horst Hrubesch (ex-Hamburgo) e Ian Rush (ex-Liverpool, depois colega na Juve). Embora muito firme, era leal – tanto é que foi expulso uma vez só em toda a carreira.

Apesar de ser um pilar do melhor time italiano da primeira metade dos anos 1980, Brio nunca vestiu a camisa da seleção – fato que o zagueiro afirma ser a grande decepção de sua carreira. A concorrência era enorme, a bem da verdade, e havia menos compromissos para os times nacionais do que hoje em dia. Enquanto os companheiros Gentile, Scirea e Cabrini eram absolutos na Nazionale, para a função executada por Brio o técnico Enzo Bearzot preferia Fulvio Collovati e Pietro Vierchowod, titulares nos Mundiais de 1982 e 1986, respectivamente. O apuliano acabou fazendo apenas algumas aparições em amistosos preparatórios da seleção olímpica, em 1987 – na época ainda não havia limite de idade.

Sergio Brio não conseguiu ter uma carreira na Squadra Azzurra, mas seus anos de Juventus lhe colocaram numa seleta lista. É um dos nove únicos jogadores – e um dos seis italianos – que ganharam os títulos de todas as competições europeias que existiam em sua época: os outros são os colegas Scirea, Cabrini, Tacconi e Tardelli, além de Gianluca Vialli, Danny Blind, Vítor Baía e Arnold Mühren. Quando o assunto é ter ganho todos os torneios de clubes reconhecidos por Uefa e Fifa, restam apenas Brio, Scirea, Cabrini, Tacconi, Blind e Mühren.

Em sua última temporada como profissional, Brio foi capitão da Juve (SAS)

Depois da saída de Trapattoni da Juventus, em 1986, Brio manteve seu status no time titular. Como um dos remanescentes do timaço, continuou como pilar da equipe treinada por Rino Marchesi, que não conseguiu fazer os bianconeri conquistarem títulos. Em 1988, Zoff retornou ao clube como treinador, mas Sergio já não tinha mais o mesmo vigor físico de antes e acabou perdendo a titularidade.

O segundo ano do ex-goleiro no comando coincidiu com a última temporada do zagueiro como profissional. Em 1989-90, Brio chegou a ser o capitão quando entrava em campo e conseguiu ainda comemorar dois títulos antes de se aposentar – o da Copa Uefa e o tri da Coppa Italia. No total, o zagueiro realizou 385 jogos e 24 gols com a camisa juventina.

Uma vez aposentado, Brio se manteve ligado ao futebol e à Juve. Trapattoni retornou ao clube em 1991 e convidou o ex-zagueiro para ser seu assistente técnico. Sergio foi promovido a vice-treinador em 1992 e participou de mais uma conquista da Copa Uefa, em 1993. Após deixar a Juve, em 1994, no ano seguinte acompanhou o treinador em sua curta passagem pelo Cagliari.

Uma década depois, Brio teve sua única experiência como treinador à frente do Mons, no futebol belga, e salvou a equipe do rebaixamento. Permaneceu para a disputa da temporada 2004-05, mas foi mandado embora por causa de uma sequência de maus resultados e nunca mais treinou outra equipe. Novamente aposentado, Sergio foi comentarista esportivo em vários dos principais canais da Itália e chegou a fazer uma participação num episódio do seriado Boris.

Sergio Brio
Nascimento: 19 de agosto de 1956, em Lecce, Itália
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Lecce (1973-74), Juventus (1974-75 e 1978-90) e Pistoiese (1975-78)
Títulos como jogador: Serie C (1977), Coppa Italia (1979, 1983 e 1990), Campeonato Italiano (1981, 1982, 1984 e 1986), Recopa Uefa (1984), Supercopa Uefa (1984), Copa dos Campeões (1985), Mundial Interclubes (1986) e Copa Uefa (1990)
Clube como treinador: Mons (2004)

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