Prestes a levantar o oitavo scudetto consecutivo, o 35º de sua história, a Juventus aumenta a cada temporada sua vantagem como equipe mais vitoriosa da Itália. A conquista iminente deixará a Velha Senhora com quase o dobro de títulos dos seus principais rivais, Inter e Milan – 18 cada um. O início desse domínio tem um capítulo bem demarcado na história do Campeonato Italiano: o Quinquennio d’oro.
A sequência de cinco títulos vencidos entre 1931 e 1935 alçou a Juve a um patamar inédito e ajudou a transformar a equipe em um sucesso internacional, com vários jogadores cedidos para a seleção italiana e estrelas estrangeiras. Antes disso, até o final dos anos 1920, os bianconeri apareciam apenas como força periférica do futebol local, que era dominado por Genoa e Pro Vercelli. Os genoveses já acumulavam nove títulos nacionais e os eusebiani, sete, enquanto a Juve somava só dois.
A história começou a mudar para a equipe de Turim em 1923, quando se iniciou a parceria entre o time e a família Agnelli, proprietária da Fiat. Edoardo Agnelli, filho do fundador da fábrica de automóveis, assumiu a presidência do clube em julho daquele ano e transformou a Juve no primeiro clube totalmente profissional do país, com investimentos em infraestrutura, comissão técnica e salários melhores. É dessa gestão, por exemplo, o primeiro estádio do clube, chamado Corso Marsiglia. Foi o primeiro da Itália com iluminação artificial.
Para implementar a desejada profissionalização dentro de campo, a primeira atitude de Agnelli foi contratar um treinador, figura que não existia até então. O húngaro Jeno Károly foi o escolhido para o cargo e organizou o esquema tático do time, que antes era decidido pelos próprios jogadores antes de cada partida. Com dinheiro em caixa, a nova comissão técnica também decidiu tirar o zagueiro Virginio Rosetta da Pro Vercelli para dar mais solidez à defesa, que já contava com o promissor goleiro Gianpiero Combi, formado no clube.
Na temporada 1925-26, as mudanças já surtiram efeito e a Juve conquistou o segundo scudetto de sua história. Os anos de ouro, porém, ainda estavam por vir. Combi e Rosetta ganharam a companhia de Umberto Caligaris, em 1928, e formaram o trio defensivo mais importante da década de 1930, que se tornaria o pilar do pentacampeonato juventino entre 1930 e 1935 e também da Copa do Mundo conquistada pela Squadra Azzurra, em 1934.
Nova Era
Antes do início da temporada de 1930-31, a Juve decidiu apostar alto no mercado e contratou os atacantes Giovanni Ferrari e Giovanni Vecchina, além do técnico Carlo Carcano. O novo comandante era conhecido por ser um entusiasta do chamado Metodo, uma forma de jogar criada por Vittorio Pozzo que mudava a tática da usual “pirâmide invertida” (2-3-5) para o WW (2-3-2-3), alterando o posicionamento dos jogadores para se aproveitar da recém-criada regra do impedimento e povoar o meio de campo.
Carcano era a peça que faltava para tornar o já forte elenco da Juve em uma equipe vencedora. Com o Metodo, ele levou ao clube de Turim novas técnicas de treinamento, concentração antes dos jogos e maior cuidado com o físico dos jogadores. Ferrari e Vecchina não tiveram problemas para se entrosar com o companheiro de ataque Raimundo Orsi, que estava lá desde 1928, e, juntos, eles foram responsáveis por 52 dos 79 gols que o time fez no campeonato. Eles tinha, ainda, o auxílio luxuoso de Renato Cesarini.
A campanha da Juve foi impecável do início ao fim. O time começou o torneio com oito vitórias consecutivas e mostrou que não estava para brincadeira. Roma, Bologna e Genoa foram os que tentaram perseguir os bianconeri desde o início, mas só a Roma teve fôlego para aguentar até o fim da temporada. O time da capital chegou a diminuir a diferença para apenas três pontos, mas a Juve conseguiu ampliar a vantagem para quatro e se sagrou campeã nacional pela terceira vez em sua história.
Rádio e mais dinheiro
A temporada 1931-32 foi a primeira a ser transmitida pelo rádio em toda a Itália e, com o aumento do interesse do público, cresceram também as receitas dos clubes, que escolheram a América do Sul como fonte de contratações. A Lazio se reforçou com sete jogadores brasileiros, a Ambrosiana-Inter contratou o argentino Atilio Demaría, o Bologna buscou Raffaele Sansone no Uruguai, enquanto a Juve foi à Argentina para fechar com o meio-campista Luis Monti.
Luigi Bertolini também desembarcou em Turim na mesma temporada e eles formaram o melhor meio-campo do país. Monti, inclusive, ganhou o passaporte italiano no ano seguinte para começar a defender a Nazionale e, ao lado de Bertolini, levantar o título da Copa do Mundo três anos depois. Em 1931-32, o Bologna começou a competição melhor e parecia que seria campeão até meados de abril de 1932, quando finalmente foi ultrapassado pela sua perseguidora Juventus. Com um grande rendimento nas rodadas finais e, de novo, gols importantes de Orsi, a Juve conquistou o bicampeonato com quatro pontos de vantagem para o Bologna.
Início de uma rivalidade
O noticiário em torno da Inter, que em 1931 voltou a usar o nome Ambrosiana-Inter, e não só Ambrosiana, tomou conta da pausa entre um campeonato e outro. O novo presidente, Ferdinando Pozzani, assumiu com grandes ambições e contratou mais do que qualquer outro clube naquele verão, no intuito de desafiar uma Juventus cada vez mais poderosa. O time de Turim contratou pouco, mas bem: o jovem atacante Felice Borel chegou e já foi o artilheiro do ano, com 29 gols.
A equipe de Milão conseguiu ficar mais competitiva e iniciou ali uma rivalidade que, com o passar dos anos, viraria um dos principais dérbis do país. Apesar disso, ainda não foi dessa vez que a Juve foi superada. O time de Carcano manteve os melhores jogadores e, com boas sequências de vitórias no início e no fim da competição, levou mais um scudetto, o terceiro seguido, com nove pontos de vantagem sobre a Ambrosiana-Inter.
Aquecendo para a Copa
Em 1933-34, a Inter se reforçou ainda mais e continuou como a principal rival da Juve. Os nerazzurri, liderados por Giuseppe Meazza, chegaram a liderar a primeira metade do campeonato, mas acabaram cedendo para os bianconeri na metade final. O quarto título consecutivo da Velha Senhora veio em ano que a equipe, base da seleção italiana, dividia as atenções entre as orientações de Carcano, técnico da Juve, e Vittorio Pozzo, treinador da Nazionale que disputaria a Copa do Mundo em casa dali a alguns meses.
Por causa de sua experiência de quatro anos com os jogadores, Carcano foi convidado por Pozzo para ser seu auxiliar durante a Copa. A parceria deu resultado: a Itália conquistou, pela primeira vez, a taça Jules Rimet. Dos 22 convocados para aquele Mundial, nove eram juventinos: Gianpiero Combi, Umberto Caligaris, Virginio Rosetta, Luis Monti, Luigi Bertolini, Mario Varglien, Giovanni Ferrari, Felice Borel e Raimundo Orsi.
Fim do ciclo
Depois da conquista, Carcano retornou à Juve para continuar sua trajetória de sucesso. Àquela altura, o técnico já tinha escrito seu nome na história ao se tornar o primeiro treinador a conquistar quatro Serie A consecutivas, recorde só igualado em 2018 pelo atual treinador juventino, Massimiliano Allegri. Em uma época em que o fascismo crescia na Itália, no entanto, o currículo não foi suficiente para segurar o técnico no cargo. Pouco após o início do campeonato de 1934-35, ele foi demitido “por razões pessoais”, mas que provavelmente tinham a ver com os boatos de que ele seria homossexual. Sua carreira minguou depois disso e ele não teve a chance de carimbar o pentacampeonato que a Juve conquistaria ao fim da temporada.
O título foi para o currículo do substituto Carlo Bigatto, que só atuou como treinador naquele período e depois se tornou dirigente do clube. Ele teve papel importante ao saber mesclar os medalhões do time com jovens que pediam espaço, como o goleiro Cesare Valinasso e o zagueiro Alfredo Foni. A principal rival da temporada foi novamente a Ambrosiana-Inter, que dessa vez conseguiu terminar o campeonato só dois pontos atrás da Juve.
Não foram apenas as mudanças no elenco e na comissão técnica que marcaram o fim do ciclo vitorioso da Juve. Em julho de 1935, um mês após a conquista da quinta taça, o presidente Edoardo Agnelli foi vítima de um trágico acidente aéreo e faleceu. Sem seu principal dirigente, a nova diretoria bianconera optou por um caminho de austeridade nos anos seguintes e o elenco perdeu força.
A Juventus do Quinquennio d’oro foi a primeira equipe a conquistar cinco títulos seguidos na Itália – marca que foi repetida apenas duas vezes, pelo Grande Torino (1942-49), e pela Inter (2006-10). Um recorde que entrou para a história e forjou a força da equipe de Turim, até hoje uma das principais do futebol mundial. Um feito superado na Itália apenas por ela própria, no período de dominação que iniciou em 2011-12 e ninguém sabe quando vai acabar.
Os craques
Gianpiero Combi
Formado nas categorias de base da Juve, Combi é um dos principais nomes do período em que a Juve se transformou de um time médio num dos principais da Itália. Estreou na equipe profissional em 1921, viu a família Agnelli assumir e profissionalizar todo o clube na segunda metade da década, e depois foi protagonista nos quatro primeiros títulos do Quinquennio d’oro. Se aposentou antes do pentacampeonato, após vencer a Copa do Mundo de 1934 com a Squadra Azzurra, como capitão. Nunca defendeu outro time.
Virginio Rosetta
Um dos maiores defensores e vencedores da história da Serie A, Rosetta começou a carreira na Pro Vercelli, onde conquistou dois títulos italianos, e depois foi contratado pela Juventus para iniciar a nova era do time, que se profissionalizava e buscava mais conquistas na década de 1920. Formou uma defesa histórica ao lado de Umberto Caligaris e Gianpiero Combi e foi protagonista nos cinco títulos consecutivos do Quinquennio d’oro, entre 1930 e 1935, além de campeão mundial com a Itália. Quando se aposentou, virou técnico da Juventus entre 1935 e 1939 e levou o time à conquista de sua primeira Coppa Italia, em 1938.
Umberto Caligaris
Jogou por Casale, entre 1919 e 1928, e Brescia, entre 1935 e 1937, mas sua identificação mesmo é com a Juventus, onde conquistou seus principais títulos e honrarias. Ao lado de Combi e Rosetta, formou uma das melhores defesas de todos os tempos, segundo a mídia especializada italiana. Era um zagueiro rápido e com ótima impulsão, se destacando em uma época em que tais atributos físicos ainda não eram determinantes.
Luis Monti
Outro que se destacava pela força física era o meio-campista Luis Monti, argentino com cidadania italiana que foi vice-campeão do mundo pela Argentina em 1930 e vencedor em 1934 pela Itália. Ele é o único jogador da história a ter disputado duas finais de Copas do Mundo por seleções diferentes. Na Europa, fez carreira apenas na Juventus, tendo participado da conquista de quatro dos cinco scudetti do Quinquennio d’oro e também da Coppa Italia de 1938. Antes, na Argentina, venceu um campeonato local com o Huracán e outros três com o San Lorenzo.
Luigi Bertolini
Começou a carreira como um meio-campista de boa chegada ao ataque – tinha um cabeceio muito bom e aparecia como centroavante diversas vezes –, mas quando se juntou ao técnico Carlo Carcano, ainda na Alessandria, virou um meia defensivo. Carcano percebeu nele uma ótima capacidade de fechar espaços e proteger a bola. Ficou conhecido por quase nunca ser desarmado e por usar um lenço branco amarrado na testa, para proteger a região das pancadas. Também esteve presente em quatro dos cinco títulos da Juve entre 1930 e 1935 e foi campeão mundial em 1934. Depois, virou técnico, mas não teve uma carreira de muito sucesso.
Renato Cesarini
Cesarini chegou à Juventus em 1929 e participou de todo o ciclo vitorioso nos anos 1930. Conhecido por marcar gols decisivos, na reta final dos jogos, o criativo meia ítalo-argentino criou a chamada “zona Cesarini”. Mesmo importante em Turim e com convocações para a seleção, não foi ao Mundial de 1934. Com o acidente que matou o presidente Agnelli, Renato foi uma das estrelas que a Juventus perdeu. Depois, entre 1946 e 1948, voltou à equipe para tentar frear o Grande Torino, mas bateu na trave, ficando sempre com a segunda posição. Em 1959, pela segunda vez foi treinador da equipe e, desta vez sim, conquistou títulos: foi bicampeão nacional e ganhou uma Coppa Italia.
Giovanni Ferrari
Chegou na Juve em 1930 e, portanto, participou da conquista dos cinco títulos do Quinquennio d’oro. É considerado um dos maiores personagens do futebol italiano de todos os tempos e um dos primeiros grandes meias que o país produziu. Além dos cinco scudetti com a Juve, ganhou o campeonato também por Ambrosiana-Inter e Bologna, chegando a oito troféus e se tornando o primeiro dos cinco jogadores da história que já conseguiram vencer a Serie A por três times diferentes. Pela Squadra Azzurra, teve participação importante nos títulos das Copas de 1934 e 1938 e entrou para a história, ao lado somente de Cesare Maldini, que participou da Copa como jogador e como treinador.
Pedro Sernagiotto, o Ministrinho
Ministrinho ficou conhecido na Itália com seu sobrenome de batismo, Sernagiotto – nascido Pedro, foi italianizado como Pietro. Ele foi o primeiro brasileiro a vestir a camisa da Juventus em toda a história e participou dos títulos de 1932, 1933 e 1934. Os bianconeri negociaram com o Palestra Itália a transferência do meio-campista em 1930, mas Sernagiotto só pode atuar no ano seguinte, pois foi suspenso por firmar, por engano, um segundo contrato com o Genoa. Com a camisa da Juventus, o velocista não era absoluto, mas colaborou com 14 gols em 50 partidas. Ele também foi convocado para a seleção B da Itália e, de volta ao Brasil, atuou por São Paulo, Portuguesa e Palmeiras.
Raimundo Orsi
Foi o jogador mais habilidoso dessa época de ouro da Juve. Atuando sempre pela esquerda do ataque, abusava dos dribles para quebrar as defesas adversárias e tinha também potência para ganhar na corrida. Ficou conhecido também pela ousadia de tentar – e muitas vezes com êxito – fazer gols em cobranças de escanteio. O rendimento dentro da área era melhor: anotou 76 gols em 177 jogos pela Velha Senhora. Nascido na Argentina, recebeu o passaporte italiano para jogar a Copa de 1934. Antes da Juve, fez carreira no Independiente e depois passou por Boca Juniors, Penãrol e, brevemente, até pelo Flamengo.
Felice Borel
Borel foi tirado do Torino pela Velha Senhora em 1932, quando tinha 18 anos, e causou impacto imediato. Atacante magro, ágil e elegante, Farfallino impressionou logo em suas duas primeiras temporadas, sendo artilheiro da Serie A, com 29 e 31 gols, respectivamente. Conquistou três scudetti pela Juventus e integrou o elenco italiano que faturou o primeiro mundial, em 1934. Felice parecia destinado a se tornar um dos maiores atacantes italianos da história, mas decaiu muito cedo: com apenas 21 anos, uma grave lesão no joelho condicionou o restante de sua carreira. Os números de aparições e gols de Borel caíram drasticamente até deixar a Juve, em 1941. Ainda assim, retornou para atuar como jogador e técnico entre 1942 e 1946, se aposentando com 161 tentos pelo clube. É o sexto principal goleador juventino.
Carlo Carcano
Entusiasta do Metodo, ajudou na profissionalização do futebol em toda a Itália e se tornou um dos principais treinadores da história. Foi o comandante por trás do Quinquennio d’oro juventino e também teve papel importante na conquista mundial azzurra na Copa de 1934, ao lado de Vittorio Pozzo. Teve a carreira boicotada na época em que o fascismo tomava conta da Itália por uma suspeita de que fosse homossexual. Em 2014, entrou para o hall da fama do futebol italiano.