Brasileiros no calcio

Juan chegou ‘pronto’ à Itália e se tornou ainda mais líder na Roma

Se você tivesse que escolher uma expressão para resumir as características do ex-zagueiro Juan, qual seria? “Jogador técnico”, “atuava de terno”, “ídolo e inspiração”, “multicampeão, sendo exemplo de liderança e postura profissional” e “zagueiro artilheiro”. Qualquer uma das definições citadas serviriam para definir os mais de 20 anos de carreira profissional do defensor. Período bem aproveitado por ele para se tornar referência, conquistar títulos e deixar seu nome gravado na história.

O dia 27 de abril foi especial para Juan – talvez com misto de tristeza e felicidade para todos que o admiram. Aos 45 minutos do segundo tempo do jogo entre Flamengo e Cruzeiro, na rodada inaugural da Série A do Campeonato Brasileiro 2019, Juan, com 40 anos, voltava de uma séria lesão no tendão de Aquiles, e pisava no gramado do mítico estádio do Maracanã, atuando por quatro minutos na vitória por 3 a 1 do seu time. A cada toque na bola, a torcida rubro-negra ovacionava o zagueiro. Os adversários não apertavam a marcação quando ele, de terno, tocava na pelota. Foram os últimos momentos do defensor como jogador de futebol.

Ele decidiu pendurar as chuteiras… e o terno. Juan sempre foi um jogador técnico e apresentou futebol limpo quando atuava. De forma resumida, por isso ganhou “o terno” como alcunha. Foi ídolo por onde passou. Sem comparar grandezas, está marcado nas histórias de Flamengo, Bayer Leverkusen, Roma, Internacional e seleção brasileira. Perdemos uma referência em campo, mas a admiração ao ex-defensor será eterna.

Criado no bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro, Juan teve uma ligação de 31 anos com o futebol, considerando o período nas categorias de base no Flamengo, clube pelo qual iniciou sua relação entre futebol e campo. Antes de ingressar nos juvenis da agremiação, o carioca já possuía proximidade com o esporte, mas como torcedor. Da arquibancada, em jogos do time rubro-negro, o ex-zagueiro começou a cultivar o sonho de se tornar jogador. O pai – Roberto dos Santos – sempre que possível levava o futuro defensor para acompanhar jogos da equipe da Gávea, pela qual disputou 331 jogos. De longe a que representou por mais tempo.

Antes de se tornar zagueiro artilheiro e eterno camisa 4, Juan precisou mostrar seu talento para ter chances no profissional. O futebol cobra concentração, sobretudo atualmente, mas já nos anos 1990 o defensor apresentava foco total, leitura de espaços e demonstrava ser um atleta competitivo. As qualidades chamaram a atenção do técnico Joel Santana, responsável por dar a primeira chance ao jogador no time principal do Flamengo.

Um amistoso foi o pontapé inicial como profissional. Vitória rubro-negra por 1 a 0, no Estádio Engenheiro Alencar de Araripe, em Cariacica (ES), na sexta-feira do dia 5 de julho de 1996. Juan entrou em campo no decorrer do jogo, no lugar do então camisa 4, Fabiano. Começava a trajetória do defensor, que na sua primeira temporada seria uma das primeiras opções para jogar, quando um dos três zagueiros (Fabiano, Ronaldão e Márcio Costa) não atuavam. Contando com o amistoso, Juan fez 14 partidas em seu ano de debute no Flamengo.

Juan ganhou dois títulos com a camisa da Roma (AFP/Getty)

O número apenas cresceu nas temporadas seguintes: 36 (1997) e 29 (1998). A partir de 1999, porém, Juan passou a ser titular incontestável da equipe carioca e já somava passagens pelas categorias de base da seleção brasileira. Em 2001, foi convocado pela primeira vez para a equipe principal do Brasil.

Sua primeira passagem pelo Flamengo teve títulos estaduais (1996, 1999 e 2001) e a Copa Mercosul, em 1999. O sucesso na equipe carioca chamou atenção de clubes do exterior, como a Lazio. Contudo, foi o Bayer Leverkusen, da Alemanha, que desembolsou cerca de 6 milhões de euros para contratar o defensor. De 2002 a 2007, o zagueiro defendeu a equipe alemã, na qual chegou a fazer dupla com Lúcio. O mesmo dueto que marcou época pela Seleção: vestindo verde e amarelo, jogaram juntos 49 vezes, com um saldo de 34 vitórias, 10 empates e cinco derrotas. Foram apenas 28 gols sofridos pelo Brasil quando os dois jogaram juntos – média de 0,57 por partida.

Quando foi contratado pela Roma, na temporada 2007-08, Juan já tinha currículo vencedor e era um jogador consolidado na sua posição – ainda assim, custou apenas 6,4 milhões de euros, mas só porque exigira uma cláusula rescisória baixa ao firmar contrato com o Leverkusen. Não foi campeão na Alemanha, mas se tornou ídolo dos aspirinas e cresceu como jogador antes de vestir o manto giallorosso. Ao desembarcar na capital italiana, Juan já tinha no currículo, contudo, una conquista da Copa das Confederações e duas da Copa América, além de uma campanha como titular do Brasil na Copa do Mundo de 2006.

Por isso, não demorou para ter chances como titular na Roma. Na época da sua contratação, os veículos de comunicação na Itália noticiavam que Juan seria o substituto do zagueiro Cristian Chivu, que poderia deixar a Loba para acertar com a Inter. Dito e feito. Em seu primeiro ano, após a saída do romeno, Juan atuou em 32 jogos pela equipe giallorossa, formando dupla de zaga com Philippe Mexès. Algumas lesões musculares o atrapalharam em seu primeiro biênio na Cidade Eterna e ele não ficou disponível para a utilização de Luciano Spalletti durante todo o período.

Em 2007-08, Juan não era o único brasileiro da Roma. A equipe que conquistou a Supercopa Italiana e a Coppa Italia, últimos títulos da Loba, tinha no elenco os goleiros Doni e Júlio Sérgio, o lateral direito Cicinho e os meias Mancini e Rodrigo Taddei. Como já chegou “pronto” na Itália, o defensor cresceu como líder. Seja por Flamengo, Bayer, Roma, Internacional ou Seleção, o defensor deixou imagem de liderança. No seu período que defendeu as cores aurirrubras, conviveu com líderes como Daniele De Rossi, David Pizarro, Simone Perrotta e Francesco Totti. De alguma forma, o defensor foi influenciado pelos companheiros.

Por causa das atuações, dos movimentos em campo, do espírito de liderança e demais características, Juan chegou a ser comparado por Rudi Völler com outro ídolo da Roma: Aldair. A origem brasileira também ajudou, mas sua dedicação e qualidade como jogador foram suficientes para que a comparação existisse e fosse adotada pelos torcedores, que acataram o que o ex-atacante alemão vislumbrou. O camisa 4 atuou em 149 partidas pela equipe italiana e marcou 11 gols.

Juan passou cinco anos na Roma e se tornou um dos xodós da torcida (Image Photo Agency)

Pela Roma, Juan viveu momentos de alegrias e vários confrontos decisivos. Entre 2008 e 2011, Roma e Inter tiveram um crescimento em sua rivalidade, com disputas de títulos de Coppa, Supercopa Italiana e Serie A. Os nerazzurri levaram a melhor em duas Copas (sendo um avanço à final, após eliminar a Roma nas semis), duas Supercopas e também faturaram dois scudetti no período. Enquanto vestiu a camisa giallorossa, o zagueiro continuou no radar da Seleção e participou da vitoriosa campanha na Copa das Confederações de 2009 e no naufrágio do time de Dunga no Mundial de 2010. A derrota contra a Holanda, nas quartas de final, foi a sua última pela Canarinho.

Também ocorreram momentos tristes na passagem do zagueiro pela Roma. O principal deles ocorreu em 2012, sem que o defensor tivesse qualquer responsabilidade por isso. Na disputa do Derby Della Capitale, pela 26ª rodada da Serie A, Juan foi vítima de ofensas raciais dirigidas por torcedores da Lazio. Durante a partida, o jogador chegou a se virar para a Curva Nord e pedir silêncio aos ultras. O capitão laziale, Stefano Mauri, também advertiu seus adeptos com um alto falante, mas sem sucesso. A Lazio venceu o jogo (2 a 1) e foi multada em 20 mil euros – o equivalente a R$ 45,9 mil, na época do episódio.

Juan começou a perder espaço na Roma em 2012, quando voltou a conviver com lesões musculares. O período coincidiu com a aquisição da equipe pelo grupo de norte-americanos que ascenderam ao controle da sociedade e emplacaram as gestões de Thomas DiBenedetto e James Pallotta. O primeiro técnico da gestão foi o espanhol Luis Enrique, com quem o zagueiro teve alguns desentendimentos, o que também reduziu seu tempo em campo: foram apenas 16 aparições na temporada, todas na Serie A. Curiosamente, o brasileiro marcou três vezes naquela campanha, diante de Cesena, Cagliari e Inter.

No final da temporada 2011-12, Juan foi liberado pela direção romanista e, aos 33 anos, retornou para o Brasil. Ele chegou a ser sondado pelo Flamengo, mas acertou sua transferência para o Internacional, clube no qual permaneceu por três anos e meio, e só regressou à Gávea em 2016, no intuito de encerrar a longa e exemplar carreira.

Nos últimos dias de sua carreira, Juan foi abraçado pelo Maracanã, por amigos e familiares. Quatro dias depois, também foi ovacionado pelo Beira Rio, onde Inter e Flamengo se enfrentaram: houve homenagem prestada ao zagueiro antes do time colorado vencer o rubro-negro por 2 a 1. A Roma, na sua conta oficial no Brasil, também lembrou do jogador que deixará saudades. Uma liderança silenciosa que, mesmo sem dizer uma palavra, se fazia ouvir em alto e bom som.

Juan Silveira dos Santos
Nascimento: 1º de fevereiro de 1979, no Rio de Janeiro (RJ)
Posição: zagueiro
Clubes: Flamengo (1996-2002 e 2016-19), Bayer Leverkusen (2002-07), Roma (2007-12) e Internacional (2012-15)
Títulos: Copa Mercosul (1999), Campeonato Carioca (1999, 2000, 2001, 2017 e 2019), Taça Rio (2000 e 2019), Taça Guanabara (2001 e 2018), Copa dos Campeões (2001), Copa América (2004 e 2007), Copa das Confederações (2005 e 2009), Supercopa Italiana (2007), Coppa Italia (2008) e Campeonato Gaúcho (2013, 2014 e 2015)
Seleção brasileira: 79 jogos e sete gols

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