Um aspecto é inerente a todos os líderes: de um jeito ou de outro, eles impõem respeito. Durante cerca de 20 anos na primeira divisão da Itália, foi isso que o zagueiro Dario Dainelli conseguiu angariar junto a seus pares e à comunidade de amantes do futebol. Com passagens por Brescia, Fiorentina, Genoa e Chievo, o defensor foi um dos mais eficazes jogadores de sua posição no início deste século.
Durante toda a sua carreira, Dainelli foi conhecido por ser um cara pacato nos vestiários. Talvez isso se deva às suas origens no interior da Toscana: nasceu em Pontedera, mas morou na minúscula Peccioli, cidadezinha de menos de 5 mil habitantes. Foi na amadora Pecciolese que o zagueiro deu seus primeiros passos, até chamar a atenção do Empoli, reconhecido pela excelência no setor juvenil. Depois de dois anos nas categorias de base dos azzurri, Dario se profissionalizou e rodou pelas divisões inferiores, sempre por empréstimo.
Primeiro, o defensor jogou no Modena, que disputava a Serie C1 em 1998-99. Dainelli até estreou profissionalmente numa partida da Coppa Italia da Serie C, mas foi só: em janeiro desceu de divisão e também no mapa da Itália, pois acertou com a Cavese, da Campânia. Foi o início de uma temporada no sul do país.
Na quarta divisão, teve mais tempo de jogo e chamou a atenção da Fidelis Andria, agremiação apuliana que disputava a terceirona. Em 1999-2000, Dainelli finalmente se tornou titular e, firmado nos leoni azzurri, impressionou o Lecce, um dos principais times da Apúlia. Contratado em coparticipação pelos salentinos, Dario teria a chance de estrear num time da Serie A – mas chegava com alguma desconfiança, como um reforço que aporta num clube de expressão nacional após destacar-se num estadual.
O zagueiro de 21 anos demorou para ser utilizado por Alberto Cavasin e só estreou no confronto de times aurirrubros contra a Roma, em fevereiro de 2001. A partir de então, Dainelli tomou a posição do brasileiro Juarez e foi titular até o fim do campeonato, ajudando o Lecce a permanecer na elite – ainda que tenha levado dois cartões vermelhos por inexperiência.
No fim da temporada 2000-01, o Empoli readquiriu o jogador junto ao Lecce e o repassou para o Brescia, dirigido pelo presidente Gino Corioni e treinado pelo veterano Carlo Mazzone. Na Lombardia, Dainelli teria a companhia de jogadores como Roberto Baggio, Pep Guardiola, Luca Toni e utilitários como Luca Castellazzi, Igli Tare, Federico Giunti e os irmãos Antonio e Emanuele Filippini. Na defesa, porém, seu espaço era reduzido, uma vez que Fabio Petruzzi, Alessandro Calori e Daniele Bonera eram soberanos. Assim, após apenas oito aparições nos primeiros meses da campanha, Dainelli foi emprestado ao Verona.
No Vêneto, Dainelli foi utilizado com frequência por Alberto Malesani, mas o Hellas acabou caindo – às custas do Brescia e de outros times, que ficaram poucos pontos à frente. O rebaixamento foi inesperado, já que o elenco gialloblù era bom e também tinha nomes como Fabrizio Ferron, Paolo Cannavaro, Andrea Dossena, Marco Cassetti, Anthony Seric, Massimo Oddo, Mauro Camoranesi, Mario Frick, Adrian Mutu, Adaílton e Alberto Gilardino. Apesar de o coletivo não ter funcionado a contento, Dario se destacou, participou da campanha do terceiro lugar no Europeu sub-21 com a Itália e retornou ao Brescia com status de titular, aproveitando as saídas de Bonera para o Parma e de Calori para o Venezia.
Em sua segunda oportunidade com a camisa biancoazzurra, Dainelli não decepcionou e começou a, de fato, construir as suas credenciais. Alto, forte, elegante no desarme, bom no cabeceio e no posicionamento, tranquilo no vestiário, tecnicamente na média da posição: Dario era um dos jovens zagueiros mais interessantes do futebol italiano.
Ao lado de Petruzzi, Seric e Gilberto Martínez, o toscano formou uma das linhas defensivas mais consistentes da Serie A, em 2002-03, e ajudou o time de Mazzone a garantir uma vaga na extinta Copa Intertoto. No ano seguinte, o experiente treinador deu lugar a Gianni De Biasi, que experimentou um futebol mais ofensivo e descompromissado na retaguarda. Mesmo mais exposto, Dainelli fez um campeonato de alto nível, foi o jogador que mais entrou em campo pelos andorinhas e deu um salto na carreira.
No verão de 2004, Dainelli passou à Fiorentina: foi a primeira contratação dos irmãos Andrea e Diego Della Valle, que queriam uma equipe competitiva na volta à Serie A. Jogando a poucos quilômetros de onde nasceu e se criou, o zagueiro deslanchou: na primeira temporada, foi absoluto no centro da defesa, ao lado de William Viali, enquanto Tomas Ujfalusi fazia a lateral direita e um jovem Giorgio Chiellini atuava na canhota. Com grande presença de área, Dainelli marcou quatro gols na campanha e ajudou a viola a se salvar do rebaixamento. Além disso, foi convocado pela primeira vez para a seleção italiana e entrou em campo num amistoso contra o Equador, em junho de 2005.
O ano de 2005 ainda reservaria a Dainelli outros dois fatos marcantes. Primeiro, se tornaria o capitão da equipe por causa da aposentadoria de Angelo Di Livio; depois, passaria a ter como companheiro de zaga o bolonhês Alessandro Gamberini, recém-contratado pela Fiorentina. Os dois, tal qual Cosme e Damião, raramente se separariam dali para frente: só em Florença, foram quatro anos e meio de parceria no centro da defesa. Um período marcante para a torcida gigliata.
Em 2005-06, devido às lesões de Gamberini, a dupla não chegou a jogar muitas vezes junta. Contudo, Dainelli teve um ano muito positivo e chegou a marcar um gol que ajudaria a Fiorentina a se classificar para a Champions League – a equipe terminou na quarta posição, mas foi punida em 30 pontos por envolvimento no Calciopoli e perdeu a vaga. Ainda assim, Dario voltou a ser convocado para a Nazionale, mas sem entrar em campo outras vezes.
A revista L’Ultimo Uomo define a temporada 2006-07, numa referência ao trabalho mais cultuado dos Beatles, como o White Album de Dario Dainelli e Alessandro Gamberini. A Fiorentina, que começou a Serie A com 15 pontos a menos, em virtude do Calciopoli, terminou em sexto, com 58 – sem a punição, teria ficado em terceiro.
O principal feito do time de Cesare Prandelli, contudo, foi terminar a campanha com a melhor defesa do campeonato, com apenas 31 gols sofridos. A dupla esteve em campo ao mesmo tempo em 22 partidas, nas quais a viola foi vazada 14 vezes – seis delas nos dois jogos contra a Inter, que seria a campeã. Os centrais se complementavam perfeitamente: Gamberini era mais dinâmico e dado a botes fora da área, enquanto Dainelli ficava mais estático e era insuperável no jogo aéreo.
Nos três anos sucessivos, a Fiorentina teve campanhas gloriosas, nas quais o capitão Dainelli foi protagonista. Em 2007-08 e 2008-09, a equipe toscana ficou com a quarta posição na Serie A, conquistando a classificação para a Liga dos Campeões. Os violetas também foram semifinalistas da Copa Uefa, em 2008, e avançaram ao mata-mata da UCL em 2009-10, liderando um grupo com Liverpool e Lyon – ademais, a equipe de Florença bateu os Reds em casa e em Anfield. No Franchi, Fernando Torres (que era um dos grandes atacantes da época) não viu a cor da bola por causa de Dario e Alessandro.
Em janeiro de 2010, porém, a dupla foi desfeita: Dainelli vivia um grande momento, mas Prandelli queria renovar o setor e também pensava em um jogador que tivesse mais dinâmica. O ítalo-brasileiro Felipe foi o escolhido e o acordo que o toscano havia feito com o diretor Pantaleo Corvino se concretizou – o zagueiro combinou que sairia caso percebesse que iria perder seu lugar entre os onze.
Como a relação entre jogador, colegas, clube e torcida sempre foi muito boa, não foram colocados obstáculos para que sua vontade fosse feita. Na verdade, os maiores órfãos do zagueirão estavam nos vestiários da própria Fiorentina: afinal, Dainelli já havia tentado passar a faixa de capitão para outro jogador, mas sempre era impedido por seus companheiros. Dessa vez, contudo, era definitivo: Dario levaria sua influência nos bastidores e seus dotes em jogadas aéreas para o Genoa.
A passagem do defensor pelo clube genovês, contudo, não foi tão frutífera. Dainelli atuou como titular dos grifoni em todo o período que permaneceu na Ligúria, com exibições regulares, mas a equipe nunca decolava: as constantes mudanças no elenco e os desgastes entre torcida, treinadores e diretoria impedem, até hoje, qualquer projeto de longo prazo no Genoa. Em janeiro de 2012, depois de duas temporadas em que colaborou com campanhas de meio de tabela para a equipe, o toscano recebeu uma proposta do Chievo, no último dia da janela de inverno, e decidiu rumar para Verona. De volta ao Vêneto, encontraria um time modesto, mas com cultura defensiva, no qual poderia se revigorar.
Assim foi. Dainelli chegou ao Ceo com 32 anos e permaneceu no elenco até completar 39 – sempre com status de titular, a não ser quando se lesionou mais gravemente, em 2015-16, e em sua última temporada. A partir de 2015, o zagueiro teve atuações tão regulares que foi premiado com renovações de contrato ano após ano. Afinal, Dario era tudo o que mais se encaixava no perfil buscado pela diretoria do Chievo: italiano, experiente e defensivo.
Sob as ordens de Domenico Di Carlo, Eugenio Corini, Giuseppe Sannino e Rolando Maran, Dainelli esteve sempre em evidência e colaborou com campanhas de permanência tranquilas – com exceção da última, em 2017-18. Os momentos de maior destaque ocorreram na gestão de Maran. Na temporada 2013-14, os clivensi chegaram a ter a quarta defesa menos vazada do campeonato, com 41 gols sofridos, abaixo apenas dos três primeiros colocados da Serie A. Dois anos depois, em 2015-16, a defesa sofreu apenas 45 tentos e os veroneses ficaram na nona posição.

Na fase final da carreira, o toscano também capitaneou o Chievo em partidas em que Pellissier não atuou (Itasportpress)
Pelos mussi volanti, Dario ainda ganhou um presente: reencontrou o parceiro Gamberini, que assinou pelo clube em 2014. Os dois dividiram vestiários até 2018, quando Gambero se aposentou e Dainelli rumou para o Livorno. No Chievo, só atuaram juntos 40 vezes em quatro anos, mas puderam completar oito temporadas e meia de parceria – mais tempo do que conjuntos defensivos famosos, como Lilian Thuram e Fabio Cannavaro (oito anos pela Juventus) e Gerard Piqué e Carles Puyol (seis no Barcelona).
A L’Ultimo Uomo, inclusive, fez um belo levantamento sobre a performance da dupla. Em suas carreiras, Dainelli e Gamberini ficaram em campo ao mesmo tempo durante 9404 minutos, distribuídos em 122 jogos; 82 na Fiorentina e 40 no Chievo. Seus esforços resultaram em 59 vitórias, 31 derrotas e 32 empates: o equivalente a 1,70 ponto por partida, média de times italianos que obtêm vaga na Liga Europa. Se fossem considerados os jogos em que pelo menos um dos dois foi a campo e o outro ficou no banco, a média cai para 1,51 ponto por partida. Isso demonstra que a sinergia entre os dois também gerava frutos mais saborosos para as equipes que defendiam.
Em sua última temporada como profissional, o veterano Dainelli voltou para a Toscana e, perto de casa, ajudou o Livorno numa tortuosa campanha na Serie B. A equipe amaranto, recém-promovida da terceira divisão, passou a campanha quase toda na zona de rebaixamento, mas conseguiu uma arrancada final e garantiu a permanência na última rodada. Uma última missão cumprida pelo pacato defensor, que anunciou sua aposentadoria no início de maio de 2019.
Afastado dos gramados, Dainelli encontrou muito o que fazer em sua nova vida. Afinal, Dario já vinha se articulando para isso desde 2007. Em Peccioli, o jogador havia aberto a Locanda dell’Amicone – ou seja, a Pousada do Amigão –, destinada a turistas que fossem conhecer o pequeno vilarejo toscano. Em 2016, em Florença, ele também inaugurou um restaurante em sociedade com os amigos Alberto Gilardino e Luciano Spalletti: chama-se Fashion Foodballer. Por fim, o zagueiro mantém a vinícola Red Dainelli ao lado de seus irmãos. Tais fatos só ratificavam como o ex-jogador nunca brincou em serviço. A propósito, apesar de lidar com todas essas atividades, ainda decidiu voltar seguir no futebol logo após pendurar as chuteiras: foi supervisor técnico da Fiorentina entre 2019 e 2021 e, em 2023, assumiu o posto de auxiliar do parceiro Gilardino no Genoa.
Dario Dainelli
Nascimento: 9 de junho de 1979, em Pontedera, Itália
Posição: zagueiro
Clubes: Empoli (1996-98), Modena (1998-99), Cavese (1999), Fidelis Andria (1999-2000), Lecce (2000-01), Brescia (2001-02 e 2002-04), Verona (2002), Fiorentina (2004-10), Genoa (2010-12), Chievo (2012-18) e Livorno (2018-19)
Seleção italiana: 1 jogo