Serie A

Qual o lugar da Serie A no futebol europeu? Analisamos os números do relatório da Uefa

Desde a década de 1990, o futebol europeu vem sendo remodelado, renovado e sem dúvidas, se consolidou como o grande centro e principal exemplo a ser seguido na modalidade. Obviamente, isso não aconteceu repentinamente e podemos elencar vários fatores, como a renovação dos estádios em grande parte de seus grandes centros, a existência da União Europeia e da Lei Bosman, que revolucionaram o conceito de “jogador estrangeiro” e, principalmente, ocasionaram a mudança de postura da Uefa.

Com o continente europeu crescendo a pleno vigor, caminhando para uma moeda única e com livre circulação de capital, uma grande comercialização do esporte estava prestes a acontecer. A Uefa percebeu o cenário e atuou como ponta de lança, transformando completamente o futebol europeu, integrando as novas federações criadas após o fim da União Soviética e da Iugoslávia, renovando todas suas ligas e campeonatos – em suma, sendo proativa e liderando o movimento que viria a ser um tiro certeiro.

Muito se fala do “big five” europeu, formado por Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália. São estes países que constituem a elite do futebol do continente – e para os entusiastas, os que mais sustentam o Eurovision. Os campeonatos dessas cinco nações serão o principal foco deste texto, que irá comparar a Itália com as ligas que enfrentam, em geral, os mesmos desafios e colhem os mesmos frutos da Serie A.

Abrindo um parêntese, Nelson Rodrigues disse, em 1968, que “a competência tira o pão da boca dos idiotas enfáticos e dos aproveitadores vorazes” e parece que apenas os europeus prestaram atenção em sua crônica. Não só os times, mas as federações europeias disponibilizam balanços, relatórios, gráficos e o máximo de informação possível, da maneira mais clara, em seus próprios sites. Deste modo, a imprensa e a torcida podem discutir, criticar, estudar e elogiar com propriedade, iluminados pelos dados e deixando o “achismo” de lado. A transparência deveria ser defendida, e não rechaçada por cartolas e seus políticos servis.

Dito isso, esta análise irá possibilitar a discussão de alguns elementos presentes no futebol italiano atual, tendo em vista alguns relatórios feitos pela FIGC, a Federação Italiana de Futebol, e – principalmente – o último relatório da Uefa sobre as finanças dos clubes. O estudo da entidade analisou e apontou várias tendências importantes na última década, além de medir os efeitos da implementação do Fair Play Financeiro.

Salários e transferências

Quando o assunto é a janela de transferências europeias, estamos sempre bem familiarizados com suas notícias bombásticas, que costumam envolver jogadores brasileiros. No período em questão, nada menos do que 14% de todos os expatriados são brasileiros – nota: o termo é usado para contabilizar também cidadãos comunitários que não jogam em seu próprio país, como, por exemplo, um espanhol que joga na França. Em termos de comparação, 13% foi a quantidade de jogadores provenientes de toda a África no mesmo intervalo de tempo.

Nessa questão, a Itália é um dos países que menos contrata expatriados, usando 57% de seu gasto em transferências em jogadores do exterior. Portugal usa 85% e a Inglaterra investe 80%, por exemplo.

Quando falamos apenas de que liga vem o jogador, Itália e Inglaterra se destacam do resto do continente – de muito longe. O mercado interno inglês movimentou quase 5 bilhões de euros e o italiano mais de 4 bilhões, na última década. Em terceiro colocado vem o mercado interno alemão, com menos da metade do valor agregado pelas transações feitas na Itália. Isso mostra a grande identidade e a singularidade do futebol da Velha Bota, que parece favorecer jogadores já adaptados à Serie A em detrimento a compras de jogadores de outra liga. O país que mais vendeu jogadores para a Itália foi a Espanha, com “meros” 800 milhões de euros em movimentações – montante equivalente a um quinto do gasto doméstico.

Na última década, 71% dos gastos em compra de jogadores no mundo inteiro foram feitos pelo big five. Mesmo que os preços tenham dobrado entre 2014 e 2017, os investimentos continuam aumentando, principalmente devido ao aumento de poder aquisitivo dessas grandes ligas, cujos contratos de TV e lucro crescem de forma sustentável e constante. A Serie A contabiliza 16% da despesa global em transferências e mais da metade dos recursos foi utilizada domesticamente – é o único dos grandes campeonatos que ultrapassou os 50%.

Quando comparamos qualquer liga com a inglesa em termos de salários, conseguimos enxergar o poder financeiro da Premier League. Agrupando os participantes em “times de Liga dos Campeões”, “times de Liga Europa” e o resto, os clubes do segundo grupo inglês têm folha salarial no nível do primeiro da Itália e da Alemanha; o restante dos times da PL, em média, têm salários maiores que os de Liga Europa dos outros componentes do big five. Isso, em parte, explica porque alguns jogadores preferem jogar na Grã-Bretanha.

Entretanto, Espanha, Inglaterra e Alemanha têm uma folha salarial mais recheada porque podem custeá-la: em torno de 55% da receita dos clubes são destinadas aos rendimentos dos atletas. Na Serie A, os times precisam desembolsar, em média, dois terços de toda sua arrecadação para pagar salários, que são apenas maiores que o da França no big five. Tal aspecto pode desencadear uma série de fatores e reações, como veremos a seguir.

Dívidas

As regras do Fair Play Financeiro (FFP), conceito que iremos discutir mais à frente, determinam que a dívida total dos times seja calculada somando o gasto líquido em transferências de jogadores com o gasto líquido em empréstimos. Além disso, elas colocam duas grandes limitações: a dívida total anual não pode ser grande demais e os donos dos times precisam injetar capital permanente, em vez de acumular vários pequenos empréstimos, deixando as contas menos voláteis. Este assunto é bastante sensível para os times italianos, que têm problemas históricos com dívidas e nos últimos anos estão precisando reformar seus conceitos financeiros para entrarem no FFP, que já sancionou Inter, Roma e Milan.

A Itália é o país europeu com a maior dívida agregada no futebol. O valor chega a 1,37 bilhão de euros, com uma média de 67 milhões por clube e 62% de toda a receita das agremiações. Em 2008, a média europeia era de 63% da receita e hoje está em 34%, o que mostra que o cenário da Serie A não acompanhou a tendência das competições de seus vizinhos. Para compararmos, a Premier League tem 25%; a Ligue 1 tem 39%, La Liga, 19%; e, por último, a Bundesliga aparece com apenas 6%.

Apesar de a liga italiana possuir dívidas no patamar europeu de 10 anos atrás, conseguimos enxergar várias ações distintas em relação ao big five que podem indicar qual será o futuro da Serie A. Para melhorarmos os números, podemos: aumentar as receitas (para diminuir a porcentagem da razão entre dívida e receitas, indicador importante de robustez financeira); diminuir o gasto líquido com empréstimos ou ter um saldo positivo na venda e na compra de jogadores, o que reduziria a dívida de fato, sem precisar mexer nas receitas.

Na última década, mais de 2,2 bilhões de euros foram injetados nos clubes itálicos em forma de capital permanente ou quitação de empréstimos – cifra maior que Espanha, Alemanha, França e Turquia somados. Um aumento de 11%, maior do que o registrado em qualquer liga do big five.

Mesmo não sendo incluída contabilmente na parte de receitas, vendas de jogadores são muito importantes para o saneamento financeiro de algumas equipes de futebol que estão em maus lençóis. Dividindo o valor das vendas pela receita total dos times, podemos tentar medir qual a relevância das transferências no balanço das equipes, e o resultado atual não é bom. Os outros quatro países possuem, em média, uma venda de jogadores agregada que equivale a 18,8% dos ganhos anuais. Já na Itália, essa porcentagem é de 53%, muito maior do que o restante do big five. Além disso – de forma surpreendente – o saldo de transferências é negativo, então a dívida global do campeonato acaba aumentando, no final das contas.

Receitas

E como aumentar a receita? A pergunta do milhão feita por todo e qualquer dirigente de futebol no continente europeu hoje em dia. Lendo o relatório da Uefa, podemos suspeitar que essa é uma questão que não só depende dos clubes, mas das ligas nacionais e até mesmo da associação europeia.

Aurelio De Laurentiis, presidente do Napoli, disse que receber premiações da Uefa por três anos hoje equivalem a 30 de antigamente. Os números corroboram a tese do vulcânico presidente e o dinheiro distribuído nas competições europeias vem aumentando de forma explosiva. Na última década, a receita total dos times aumentou 77%, com incríveis 228% de crescimento em premiações da Uefa, 113% em TV, 73% em receitas comerciais e míseros 16% em bilheteria, indicando de forma gritante qual é o caminho a ser seguido nos próximos anos.

No big five, a Itália foi a nação que menos conseguiu aumentar suas receitas, com apenas 53%, enquanto a França tenta recuperar o tempo perdido, com 63%. Os outros três países, por fim, dobraram suas receitas em uma década. Em média, um clube italiano recebe metade de um espanhol e um alemão, e um quarto de uma equipe inglesa.

Neste aspecto, a Serie A tem muito espaço de crescimento e uma devida liderança poderá colocar o futebol italiano em uma situação muito melhor. Em se tratando de bilheteria, é a liga que menos lucra e a que tem o menor valor médio de ingressos entre os componentes do big five, com estádios muito mais defasados que o resto. Em receitas comerciais, está praticamente junto da Ligue 1.

Entretanto, o futebol italiano depende fortemente de seus contratos de TV e das premiações, colocando pouco peso nas áreas pouco evoluídas. Como já discutimos aqui, uma modernização nos estádios colocaria a Serie A em um outro patamar, e um investimento em crescimento comercial seria indispensável para injetar ainda mais dinheiro no país.

Abertura de escritórios no exterior, redes sociais em variadas línguas, escolinhas de futebol e parceiros comerciais estrangeiros são elementos do futebol moderno em que os clubes europeus precisam focar atualmente. A Ásia é um continente com 4,5 bilhões de pessoas, com um futebol ainda subdesenvolvido e uma demanda crescente de times para serem apoiados, já que os campeonatos do big five são transmitidos por lá. Mesmo assim, só a Inter tem sede na Ásia e a Juventus ainda abrirá uma, enquanto cinco times da Premier League e três de La Liga já se estabeleceram.

Um torcedor precisa ser visto na ótica financeira como um cliente fidelizado pela vida inteira, que estará altamente propenso a consumir praticamente qualquer coisa oferecida pelo clube. Nenhum tipo de negócio oferece esta oportunidade e os times italianos precisam aproveitar a situação privilegiada que é estarem situados em seu país, com uma história singular não só em seus museus, mas também no futebol. Uma liga que já foi casa de Maradona, Totti, Ronaldo, Ronaldinho, Buffon e, agora, de Cristiano Ronaldo não pode perder essa chance de ouro de se expandir. O contrato de TV da Premier League é composto por em torno de 40% de direitos vendidos para o exterior, enquanto a Serie A tinha 13% entre 2012 e 2018. O número subiu para 28% no novo acordo, mas ainda é insuficiente.

Afirmar que a Serie A é, potencialmente, o produto mais interessante a ser vendido, não é, de maneira alguma, equivocado. Uma liga rica em história, originalidade (os estádios ingleses irritam qualquer um com criatividade aflorada), folclore, propostas táticas inovadoras, estádios com pista de corrida e, sobretudo, de um país tetracampeão mundial na modalidade. A lista de motivos é extensa.

Direitos de televisão

Quando o assunto é TV, conseguimos entender por que a Premier League paga salários astronômicos e tem um poder financeiro muito maior do que o resto. O valor do contrato de transmissão do Campeonato Inglês é praticamente a soma dos acordos feitos por Bundesliga, La Liga e Serie A.

Além disso, uma informação importante é como este contrato da TV é dividido entre os clubes. Na Inglaterra, existe uma forte noção de que o “campeonato é um produto a ser vendido” e o torneio irá ficar melhor e mais competitivo se existir uma menor disparidade na distribuição do bolo. Na Europa, apenas Real Madrid, Barcelona e Juventus conseguem ganhar mais nesse quesito do que o último colocado da liga inglesa.

O modelo desigual está caindo em desuso e existe uma tendência para que os menores ganhem mais e os maiores recebam menos, até porque a receita dos times do topo é complementada por excursões na Ásia, vendas de supercraques, premiações e grandes públicos na Liga dos Campeões, por exemplo.

O gráfico que abre o intertítulo, mais acima, avalia o impacto que Cristiano Ronaldo teve em termos de exposição da Serie A. É evidente o crescimento do interesse no campeonato em relação às últimas quatro temporadas, ainda que a curva seja ascendente a partir de 2017 – os “vales” correspondem às semanas e meses sem partidas da competição. Podemos tomar este dado como um sinal de que, se pudermos aumentar o poder aquisitivo dos outros times além da Juventus, mais craques do big five poderão ir para a Itália, que atualmente prefere focar em seu mercado doméstico. Tal fator aumentaria o número de espectadores nos estádios e, no resto do mundo, na TV.

Estádios

Já trouxemos em ocasiões passadas diversas reportagens sobre os estádios italianos – a última trata do San Siro e das várias complicações que circundam a modernização das arenas do país. Assim, tomando consciência dos graves problemas dos estádios, vamos analisar os números e cruzar com as matérias já feitas.

Na temporada de 2014-15, praticamente todas as ligas europeias sofreram quedas de público nos estádios, com Turquia e Itália sofrendo as maiores perdas. Curiosamente, os dois países tinham os mesmos problemas com estádios: a maioria das praças esportivas turcas foram construídas em 1950, enquanto as italianas tem uma média de quase 70 anos de idade. Em 2008, a Turquia iniciou um projeto de construção de 30 estádios em 27 cidades e, nos últimos três anos, foram inaugurados 20 arenas novas por todo o país – os turcos visam sediar grandes competições no futuro. No mesmo triênio, apenas o Friuli, em Údine, teve uma reestruturação importante na Itália.

A falta de renovação dos estádios da Serie A obviamente reflete na quantidade de público presente nas partidas e nos números em comparação com as outras ligas. O que é uma pena, já que as regras do Fair Play Financeiro reconhecem investimentos em estádios como benéficos no longo prazo e encorajam os times a fazerem reformas em suas casas ou até construírem novas arenas.

Quando discutimos público total e agregado em 2017-18, os resultados da Serie A conseguem ser salvos apenas pela grande capacidade de Olímpico, San Paolo e San Siro, que serviram de casa para cinco times que disputaram Liga dos Campeões e Liga Europa no passado recente. Este fator aumentou bastante a venda de ingressos – apenas na fase de grupos desse ano na Liga dos Campeões, a Inter vendeu cerca de 200 mil tíquetes e a Roma, 170 mil. Tal comparecimento colocou os times italianos em um patamar aceitável, mas que não é sustentável, já que não podemos considerar esse público como regular.

Em se tratando de média de público das ligas domésticas, o problema da Itália é desmascarado e enxergamos como os estádios estão atrapalhando o desenvolvimento e crescimento da Serie A. Mesmo com níveis técnico e tático altos, competitividade (que não é medida somente por disputa de título, como alguns oportunistas gostam de frisar), um notável gasto em transferências, estádios maiores e preços mais baixos, a liga tem apenas 24 mil espectadores por partida, contra 44 mil na Alemanha e 38 mil na Inglaterra. Espanha e França ficam perto, com 27 mil e 22 mil – porém, com uma ocupação nos estádios de 70%, enquanto na Itália chega a medíocres 60%.

Fair Play Financeiro

Em 2009, o Comitê Executivo da Uefa aprovou o conceito de Fair Play Financeiro (FFP), que foi implementado em 2010 e pretendia melhorar a crítica condição financeira dos clubes na Europa, prestes a piorar com as crises econômicas americanas e europeias. Os objetivos eram claros: disciplina fiscal, investimentos sustentáveis e de longo prazo, transparência, evitar calotes, falências e gastos irresponsáveis.

Desde que foi introduzido, o FFP já teve três atualizações, que consertaram e aliviaram algumas cláusulas e colocaram outras, viáveis apenas depois de certo período de funcionamento. Isso mostra que a Uefa pretende trabalhar junto aos clubes e melhorar o cenário caótico preexistente, que consistia em metade das agremiações perdendo dinheiro.

Existem muitas controvérsias, críticas, lacunas a serem preenchidas e muito caminho pela frente. O que sabemos de fato é que no futebol europeu, em 2011, o montante líquido – correspondente ao que realmente sobra, após todos pagamentos e recebimentos de juros e impostos de renda – foi de 1,67 bilhão de euros de prejuízo e em 2017, já representou um lucro de 615 milhões de euros. Um aumento de 2,3 bilhões de euros desde a implementação do FFP.

Nesse mesmo período, o lucro operacional era de 382 milhões de prejuízo e hoje é positivo, de 1,38 bilhão de euros – o maior da história. O conceito se refere ao cálculo feito antes dos juros e dos impostos, e serve para medir a habilidade de geração de lucro que poderá ser reinvestido no futebol, sem se preocupar com despesas financeiras.

Na Itália, como já era esperado, os números não são excelentes. Apenas 12 equipes tiveram lucro líquido (pior número no big five, com folga), 10 tiveram lucro operacional (marca melhor apenas que a dos times franceses) e 79 milhões de euros é o total de lucro líquido da Serie A em 2017 – metade do obtido por La Liga e sete vezes inferior ao da Premier League.

Por controlar os gastos, estabelecer possíveis punições e ter um órgão independente de controladoria, a Uefa conseguiu criar uma esfera sustentável, com perspectiva de crescimento a longo prazo e com participação popular, devido à transparência proporcionada. Entretanto, os grandes clubes se sentiram sufocados (ou dizem isso para pressionar a Uefa), como se o FFP limitasse seu potencial, e exigiram uma “reparação”. É por esse motivo que as premiações aumentaram 228% na última década e certamente continuarão a subir, já que a audiência e a receita comercial que envolvem os torneios continentais são sustentadas pelas equipes com seus supercraques.

Nesta queda de braço política, os grandes clubes emergiram com ameaças de largar o sistema Uefa – que compreende a participação em ligas nacionais e nas competições internacionais – para criarem uma “superliga europeia”, que funcionaria como um campeonato supranacional ao longo do ano. Sem dúvidas, as ricas agremiações venceram, e com folga.

A mudança no sistema de vagas em 2016, que começou a valer em 2018-19 foi exatamente isto: uma ameaça de boicote e pressão política que deu certo. Hoje são 16 vagas diretas para a fase de grupos da Liga dos Campeões para Itália, Alemanha, Inglaterra e Espanha. A recriação de uma terceira competição continental de clubes, destinada a agremiações de menor porte, também vai nessa linha – a de separar o joio do trigo, por assim dizer. Por fim, a proposta de uma nova Champions League, que começaria a valer a partir de 2024, discutida em reunião da Uefa em maio, intensifica as pressões por uma superliga e já gera reações: segundo o jornal La Repubblica, quatro das cinco principais ligas – as de Espanha, França, Inglaterra e Itália – pensam em organizar uma greve, caso a entidade leve os planos adiante.

Este, sim, é o real custo do Fair Play Financeiro: uma desigualdade crescente entre os times gigantescos e o resto, em parte encorajada pela Uefa, que se vê acuada e sem opções. Praticamente metade de toda a receita com bilheteria na Europa se encontra em 20 clubes e 12 desses possuem 39% de toda a receita comercial. É inegável que as pequenas ligas ganham muito mais hoje do que antigamente, mas a fatia pouco aumentou, já que o bolo de dinheiro cresce absurdamente.

Governança da Liga

Nesta parte, a Federação Italiana e a Liga não deixam a desejar e não ficam para trás em absolutamente nenhum aspecto. Em 2015-16 foi introduzida a Goal-Line Technology e em 2016-17, de forma pioneira, o VAR, focando sempre na transparência e na capacitação dos juízes – uma medida importante, dado o histórico sombrio da arbitragem italiana. Relatórios são feitos regularmente e detalham todas as ações do árbitro de vídeo, que errou em menos de 1% dos casos. Os resultados dos estudos, sempre públicos, dão oportunidade para que os torcedores participem deste processo contínuo de melhoria, sempre com a maior transparência possível, como pede a Uefa.

O formato do campeonato e seu calendário vão perfeitamente de acordo com o produzido nas grandes ligas europeias, que tem um abismo de diferença para o Brasil, por exemplo. São ligas profissionais que cuidam da tabela e dos direitos comerciais, separadas da federação nacional de futebol, que cuidam apenas da arbitragem. Dessa forma, ambas as partes podem apresentar um ótimo trabalho, como vemos na Serie A.

Para termos uma noção, a CBF controla todo o Campeonato Brasileiro, que dura apenas sete meses, contra nove no big five. No continente, Croácia, Turquia e Irlanda são os únicos países notáveis com seus torneios controlados pela federação de futebol nacional, junto a países sem expressão no esporte, como Gibraltar, Luxemburgo, Andorra e o recém-constituído – esportivamente falando – Kosovo. Os campeonatos que duram menos de oito meses são apenas aqueles de países com invernos rigorosos: Islândia, Finlândia, Ilhas Faroe, Letônia, Suécia e Moldávia.

Este modelo praticado nas grandes ligas contribui para a harmonização do esporte num mesmo continente – que alguns criticam, alegando homogeneização. Um conjunto de práticas difundido pelos principais campeonatos ameniza diferenças e cria um só ambiente, similar o bastante para que um jogador seja vendido, por exemplo, da Inglaterra para a Itália, e tenha de focar “apenas” em sua adaptação a um novo time e a uma nova cultura, já que a estrutura diretamente ligada ao futebol será praticamente idêntica.

Considerações finais

O futebol atual está cheio de questões não resolvidas, que não discutiremos aqui, mas que valem a nossa reflexão. A principal delas está ligada ao próprio futuro das competições: será que algum dia a chamada “Superliga Europeia”, uma ideia que derrubaria o sistema atual da Uefa, existirá? Todo o esforço da associação europeia em criar um ambiente melhor para todos irá se voltar contra ela?

Em um momento em que a política do continente também enfrenta dilemas existenciais, as ligas nacionais deveriam defender suas “identidades nacionais” ou “um único futebol europeu”? E será que essas identidades nacionais esportivas ainda existem, depois da Lei Bosman? Etnicamente falando, elas já existiram? E, se sim, até que ponto? Aurelio De Laurentiis apoia a causa identitária e é contra uma liga supranacional, enquanto José Mourinho usa exemplos como Maurizio Sarri e Antonio Conte para demonstrar que ideologias no futebol já não dependem mais do passaporte, e sim das pessoas.

O que sabemos de fato é que temos um cenário promissor no futebol da Europa, com mais dinheiro, mais público, estádios novos e menos dívidas. A Itália, com certa dificuldade e peculiaridades, talvez não esteja na velocidade ideal, mas está no caminho certo. Resta sabermos se irá completar a reforma, mudando seus estádios e apostando em um marketing expansivo, aumentando suas receitas comerciais – e em que condições e contexto isso se dará, se com uma Champions League tal qual a conhecemos ou se num torneio modificado.

Para aprofundar: o relatório completo da Uefa pode ser acessado, lido e baixado aqui. O site da revista Forbes fez um resumo com as informações do documento.

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