Nenhum treinador conseguiu mais acessos à elite do futebol italiano como o longevo Luigi Simoni. Durante seus 39 anos como técnico, Gigi alcançou sete promoções da Serie B à Serie A e ganhou fama à frente da Inter, quando conduziu o time de Ronaldo e Iván Zamorano ao título da Copa Uefa de 1997-98. Simoni também é lembrado com muito carinho por torcedores de Cremonese, Genoa e Napoli.
Proveniente de Crevalcore, comuna de Bologna, Gigi iniciou sua carreira como jogador na base da Fiorentina. O meio-campista estreou pela Viola em junho de 1958, aos 18 anos, numa vitória por 4 a 2 sobre o Carbonia, fora de casa, pela Coppa Italia. Porém, no ano seguinte se transferiu ao Mantova. Disputou a Serie B pelos virgiliani duas vezes, até ser emprestado ao Napoli, em 1961.
Com os partenopei, ele conquistou seu primeiro título, a Coppa Italia. Aliás, o Napoli se tornou o primeiro time militante na segunda divisão a vencer esse torneio e, até os dias de hoje, nenhuma outra equipe conseguiu tal proeza. No entanto, o time de Nápoles optou por não comprá-lo ao fim da temporada. Sendo assim, Simoni retornou ao Mantova para disputar pela primeira vez a Serie A.
Em 1964, o meio-campista firmou vínculo com o Torino, clube em que viveu sua melhor temporada como jogador em relação a gols marcados: fazendo dupla infernal com Luigi Meroni, marcou 10 tentos em 29 jogos pela Serie A de 1964-65. Depois de três anos defendendo a camisa granata, ele trocou de lado em Turim: assinou com a Juventus. O atleta, contudo, não encontrou vida fácil na Vecchia Signora e deixou a agremiação ao fim da temporada 1967-68, sem gols ou assistências em 14 jogos.
Aproximando-se dos 30 anos, Simoni foi jogar a Serie B novamente em 1968, dessa vez pelo Brescia. Entrou em campo 38 vezes na segunda divisão e colaborou para a ascensão das andorinhas à elite, mas na temporada seguinte a Leonessa voltaria para a Serie B. Em 1971, foi comprado pelo Genoa. Permaneceu três épocas na Ligúria, conseguiu sua quarta qualificação para a Serie A, em 1972-73, e se aposentou em meados de 1974, aos 35 anos. Foram 422 jogos e 63 gols em 17 temporadas como jogador profissional. Foi convocado três vezes para a seleção italiana, mas nunca entrou em campo. Todos os chamados foram feitos por Edmondo Fabbri, técnico que o revelou no Mantova.
Simoni não se afastou do Genoa após pendurar as chuteiras. Tornou-se auxiliar técnico de Guido Vincenzi, então técnico dos grifoni. Em fevereiro de 1975, Vincenzi foi mandado embora, e Gigi assumiu seu lugar. Fez sua estreia sob o comando do time rossoblù no dia 9 daquele mês: empate em 1 a 1 com o Avellino, em Gênova, em duelo válido pela segunda divisão italiana.
Ainda que tivesse pouca bagagem em sua nova função, Simoni conseguiu fazer um bom trabalho no Genoa durante o restante da campanha 1975-76 e, não à toa, os genoveses foram campeões da Serie B. A temporada 1977-78, a última de Gigi treinando os grifoni, foi concluída com um rebaixamento para a segundona. O técnico acabou exonerado.
O segundo time que apostou no prodígio Simoni foi o Brescia. O emiliano permaneceu por lá de 1978 a 1980, conseguindo um acesso à elite. Depois, retornou ao Genoa e novamente tirou o tradicional time da Ligúria da segunda divisão para recolocá-lo na máxima série do futebol italiano. Também impediu que o clube fosse rebaixado duas vezes, mas, depois dos sustos, o descenso ocorreu na temporada 1983-84.
De meados dos anos 1980 até o início da década de 1990, Gigi perambulou pelas divisões inferiores da Itália. Trabalhou no Pisa, na Lazio, voltou ao Pisa, teve uma temporada fraca no Genoa, foi contratado pelo Empoli e passou muito rápido pelo Cosenza. Ao todo, conseguiu dois acessos com o Pisa e quatro demissões – pelos outros clubes.
Após falhar nos anos anteriores, Simoni resolveu assumir um projeto longe dos grandes centros. Em 1990, topou treinar a Carrarese, então militante na Serie C1. A expectativa era que o ex-meio-campista conseguisse colocar a equipe nos eixos e a levasse ao acesso, uma de suas especialidades. Contudo, ocorreu o oposto: a agremiação de Carrara caiu de categoria em 1991. O clube apostou em Gigi e não o demitiu. Com isso, o técnico ajudou os marmiferi a saírem da quarta divisão e voltarem para a terceirona.
Depois de tanta oscilação, Simoni finalmente conseguiu uma sequência de mais de dois anos à frente de um time. Ele permaneceu de 1992 a 1996 no banco da Cremonese. Durante esse período, acumulou um acesso, duas permanências na elite e um rebaixamento. O maior feito pelos grigiorossi, porém, foi a conquista da Copa Anglo-Italiana, torneio que colocava frente a frente clubes italianos e ingleses. Em 1992-93, Gigi comandou um time que tinha como maiores destaques Matjaz Florjancic, Gustavo Dezotti e Andrea Tentoni e bateu o Derby County, em Wembley. Até hoje, esse é considerado o principal feito da Cremo.
A queda de divisão, ao fim da campanha 1995-96, selou o fim de um ciclo de quatro anos na Cremonese. Já mais experiente, Simoni aceitou o convite para ser o novo treinador do Napoli. O primeiro semestre da temporada foi excelente, com os azzurri chegando ao Natal na cola da líder Juventus. Entretanto, o time perdeu força a partir da virada de ano e concluiu o campeonato na segunda parte da tabela de classificação. Nem a classificação para a final da Coppa Italia salvou o emprego de Gigi, que acabou sacado pelo então presidente partenopeo, Corrado Felaino.
Milão foi a próxima parada de Simoni. Ele estava diante de seu maior desafio como técnico: a Inter. A instituição nerazzurra vivia momentos turbulentos, sobretudo, na comissão técnica. Havia duas temporadas que Massimo Moratti, então manda-chuva no clube, resolvia trocar de comandante com a campanha em andamento. Gigi mudou essa história – pelo menos em seu primeiro ano à frente da equipe.
Para qualificar o time, Moratti investiu pesado ao contratar jogadores do nível de Diego Simeone, Taribo West, Álvaro Recoba e, sobretudo, Ronaldo, o talento brasileiro do momento. Com um time ajeitado, a Inter faturou o primeiro título da gestão morattiana: a Copa Uefa, após derrotar a Lazio por 3 a 0 em Paris. Os nerazzurri ficaram muito perto do scudetto, mas um erro de arbitragem clamoroso num Derby d’Italia a favor da Juventus mudou o curso do campeonato.
No dia 26 de abril de 1998, em Turim, Inter e Juventus travaram um dos dérbis mais polêmicos da história. Isso porque o árbitro da partida, Piero Ceccarini, não assinalou um pênalti absurdo de Mark Iuliano em cima de Ronaldo. O juiz deixou o lance seguir e, no contra-ataque, West derrubou Alessandro Del Piero na área. Pênalti. Revoltados, os jogadores da Inter partiram em peso para cima de Ceccarini. Simoni, enfurecido, chegou a entrar em campo e, em seguida, acabou expulsou pelo árbitro.
O disparo de Del Piero parou nos pés de Gianluca Pagliuca, porém, de todo modo, a Juventus venceu o embate por 1 a 0, abriu quatro pontos de vantagem e encaminhou o título. Vale salientar que a Juve já vinha sendo acusada de favorecimento durante o campeonato inteiro. O erro de Ceccarini no Derby d’Italia foi a cereja do bolo.
Passada toda a polêmica, a Inter de Simoni teve um início de temporada irregular em 1998-99. Apesar de não ser nada alarmante, Moratti optou por fazer de Gigi mais uma vítima de imediatismo. Curiosamente, o treinador passou no RH no mesmo dia em que recebeu o prêmio de melhor técnico da Serie A 1997-98 – 30 de novembro. Mais curioso ainda é que a Beneamata vinha de duas vitórias no Meazza: 3 a 1 sobre o Real Madrid, pela Liga dos Campeões, e 2 a 1 ante a Salernitana. O romeno Mircea Lucescu entrou em seu lugar. A demissão de Simoni não foi bem recebida pela torcida. Alguns torcedores exibiram uma faixa em frente à antiga sede da agremiação, em tom de protesto.
Em 2017, o já veterano Simoni exaltou Ronaldo. “Digamos que é um orgulho treinar, penso eu, o melhor jogador da minha história. (…) [Ronaldo tinha] uma velocidade inacreditável, uma qualidade técnica para fazer as coisas na velocidade que ele fazia. Eu nunca vi ninguém assim”, elogiou Gigi, em entrevista ao jornal online Fanpage. Ele contém uma coleção de camisas em sua casa, e a 10 de Ronaldo se faz presente.
O comandante ficou o restante da temporada desempregado. Em 1º de junho de 1999, foi anunciado como técnico do Piacenza. No entanto, em 11 de janeiro de 2000, acabou sacado do cargo. Justificável: seu time havia conquistado apenas 11 pontos em 16 jogos e ocupava a penúltima colocação na classificação da Serie A.
O Torino foi o seu novo destino, mas a passagem pelo Piemonte foi bem rápida: começou em 2 de junho de 2000 e terminou em 31 de outubro, depois de duas vitórias, três empates e três derrotas. Simoni, então, resolveu mudar de ares. Por isso, viajou para a Bulgária e acertou com o CSKA Sofia, em dezembro de 2001. Longe da Itália, alcançou o terceiro posto no Campeonato Búlgaro e perdeu a final da copa local. Pediu o boné no final de maio de 2002.
Resolveu retornar à sua terra natal após a experiência de cinco meses na Bulgária. Assinou com o Ancona e colocou mais um acesso da Serie B à A em seu currículo, além de ter alcançado as oitavas de final da Coppa Italia pelos biancorossi. Em junho de 2003, porém, entrou em rota de colisão com o presidente Ermanno Pieroni e não permaneceu para comandar os dorici em sua segunda participação na elite.
Meses depois, contudo, Gigi estava de volta ao Napoli para suceder Andrea Agostinelli. Em campo, ele conseguiu salvar os napolitanos do rebaixamento, mas o clube quebrou e teve de recomeçar na Serie C1. Com isso, Simoni deixou a Campânia e rumou à Toscana para comandar o Siena, então na elite. Acontece que os resultados não ajudaram o ex-meio-campista, que rodou em janeiro de 2005. Foi o seu canto do cisne na Serie A italiana.
Depois do parêntese no Siena, Gigi continuou na Toscana: acertou com a Lucchese, à época na Serie C1. Ele assinou com os rossoneri em outubro de 2005 e permaneceu na função até junho de 2006, quando foi “efetivado” ao cargo de diretor técnico – função análoga à de treinador, mas com mais funções extracampo. Após se demitir em 2007, encarou o desafio de ser cartola do Gubbio na Lega Pro Seconda Divisione, em 2009. Quatro anos depois, foi anunciado como diretor técnico da Cremonese. Em julho de 2014, num período de reformulação, a Cremo anunciou como novo presidente – posto que ocupou por duas temporadas, até ser substituído por Michelangelo Rampulla.
Aos 80 anos, Simoni está aposentado. Mesmo assim, não perdeu um posto importante: ainda é o recordista de acessos à Serie A, com sete promoções no currículo. Naturalmente, colhe os frutos de sua longa jornada. Em 2003, foi nomeado no centenário da Cremonese como “o treinador do século” dos grigiorossi e, uma década depois, foi um dos escolhidos para integrarem o Hall da Fama do Genoa. Tantos feitos são contados em sua biografia, Simoni si nasce: tre vite per il calcio, lançada no final de 2016.
No final de junho de 2019, o treinador sofreu um AVC e, por quase um ano, lutou contra o quadro grave a que foi acometido. Em 22 de maio de 2020, não resistiu e se rendeu. Justo no dia mais interista de todos: o da conquista da Tríplice Coroa nerazzurra.
Luigi Simoni
Nascimento: 22 de janeiro de 1939, em Crevalcore, Itália
Morte: 22 de maio de 2020, em Lucca, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Fiorentina (1958-59), Mantova (1959-61 e 1962-64), Napoli (1961-62), Torino (1964-67), Juventus (1967-68), Brescia (1968-71) e Genoa (1971-74)
Títulos como jogador: Coppa Italia (1962) e Serie B (1973)
Clubes como treinador: Genoa (1975-78, 1980-84 e 1987-88), Brescia (1978-80), Pisa (1984-85 e 1986-87), Lazio (1985-86), Empoli (1988-89), Cosenza (1989), Carrarese (1990-92), Cremonese (1992-96), Napoli (1996-97 e 2003-04), Inter (1997-98), Piacenza (1999-2000), Torino (2000), CSKA Sofia (2001-02), Ancona (2002-03), Siena (2004-05), Lucchese (2005-06 e 2006-07), Gubbio (2009-12, 2011-12 e 2012) e Cremonese (2013-14)
Títulos como treinador: Serie B (1976, 1985 e 1987), Copa Anglo-Italiana (1993) e Copa Uefa (1998)