Quando alguém menciona os tempos antigos do esporte mais popular do mundo, logo nos vem à cabeça o dito “futebol romântico”. Um conceito que inclui a combinação entre profissionalismo sem lucros astronômicos, carreiras breves, bolas de couro e 12 gomos, a Taça Jules Rimet e os tempos gloriosos do rádio. É nesse momento histórico que se passou a trajetória de um dos maiores do futebol italiano, que atuou no período entreguerras, mas jogava como um craque dos anos 1990.
Angelo Schiavio nasceu em Bolonha, no ano de 1905. Foi o caçula entre oito irmãos, oriundos de uma família sustentada por uma loja de tecidos do patriarca. Começou a jogar nas divisões de base do Bologna, até que aos 15 anos deixou de lado o esporte para estudar contabilidade.
Felizmente, resolveu largar os estudos já no ano seguinte e trabalhar na loja do pai enquanto jogava, já no time principal, no pequeno e amador Fortitudo Bologna. O clube de bairro faz questão de mencionar, até hoje, que foi o palco em que Angiolino começou sua estrada rumo à glória.
Em 1922 ele foi chamado novamente pelo Bologna e, aos 17 anos, teria a chance de jogar a primeira divisão. No dia de São Silvestre do mesmo ano, depois de uma lesão do titular Cesare Alberti, atuou como titular e fez o gol da vitória em um amistoso, causando uma ótima impressão. Seu próximo jogo foi no Campeonato Italiano, ocasião em que seu time venceu a Juventus por 4 a 1. Mesmo sem marcar gols, Schiavio teve mais uma ótima atuação e garantiu a posição no time principal. Para não sair mais.
Em 1925, já consolidado, sem precisar trabalhar na loja de tecidos do pai e com grande reconhecimento no esporte nacional, Angiolino levou o Bologna ao seu primeiro scudetto, marcando 15 tentos e recebendo também a sua primeira convocação para a seleção italiana – tudo isso com apenas 20 anos. Em 1928, Schiavio ganhou o bronze com a Itália nos Jogos Olímpicos de Amsterdã e incríveis 29 gols em 29 jogos na temporada marcou, ajudando substancialmente na conquista do segundo título italiano do Bologna.
Além de seus vários gols e títulos, com o Bologna e com a seleção, sua carreira foi marcada por uma grande polêmica em vários atos com o implacável volante Luis Monti, que muitas vezes exagerava na dose. Depois de um amistoso no final desta mesma temporada, em Buenos Aires, Monti entrou de maneira forte sobre Schiavio repetidas vezes, o que causou um estranhamento entre os dois. Era um prelúdio do que viria a acontecer, já que Monti na ocasião ainda atuava pela seleção argentina e por clubes portenhos.
Em 1932, no seu primeiro ano atuando pela Juventus, o ítalo-argentino acertou Schiavio, já caído, de tal forma que o atacante precisou ser carregado para fora do campo praticamente desmaiado. No lance, Angiolino também quase lesionou o joelho de forma irreversível. O litígio entre os dois jogadores só terminou quando foram para a seleção italiana e Vittorio Pozzo os obrigou a fazerem as pazes.
No período que antecedeu o Mundial de 1934, Angiolino era muitas vezes convocado, mas não tinha titularidade garantida, principalmente pela competição na posição de centroavante. Como Giuseppe Meazza foi recuado para jogar como mezz’ala, Schiavio foi o escolhido para a posição de centroavante do time da casa.
Na carreira de muitos acertos de Pozzo, o treinador caprichou nesta escolha. Schiavio balançou as redes três vezes na primeira fase e ainda marcou o gol mais emocionante de sua história. A final contra a Checoslováquia acabou em 1 a 1 no tempo normal e o inspirado atacante bolonhês superou Frantisek Planicka para anotar o tento da vitória na prorrogação – ele chegaria a desmaiar após o feito, um pouco pelo forte calor que fazia em Roma; um pouco pela emoção. Ter decidido a competição a favor dos azzurri lhe ajudou a garantir também o reconhecimento como melhor jogador daquele Mundial.
Para quem assistia Angiolino jogar, esta condecoração não era nenhuma surpresa, visto que era um centroavante muito diferente dos outros, com uma qualidade ímpar e características inovadoras para a época. Era forte, rápido e, com primor, conseguia carregar a bola, driblar, passar e chutar. Tal combinação de atributos é comum em craques dos tempos modernos, mas totalmente anormais em 1930, era de um futebol desacostumado a jogadores ecléticos.
Certa vez, Meazza disse que Angiolino era “altruísta, sabia se desmarcar, [era] decisivo no corpo a corpo, não tinha medo dos zagueiros. De todos os centroavantes que já conheci, Schiavio foi o que mais me impressionou”. No livro “Centroavantes”, que escreveu em coautoria com os jornalistas Bruno Roghi e Emilio Violanti, Meazza também rasgou elogios a Schiavio. “Andou e corria se balançando um pouco, para que o adversário não soubesse para que lado iria. Seu arranque era autoritário. Os dribles eram curtos, secos e imperiosos. O seu chute era como um tiro de fuzil”.
Depois do título na Copa de 1934, Angelo nunca mais voltou a defender a Squadra Azzurra. Portanto, sua despedida da Nazionale, aos 29 anos e depois de quase uma década de serviços prestados, foi feita com chave de ouro. Schiavio anotou 15 gols em 21 partidas pela Itália e foi o vice-artilheiro daquele Mundial.
Após a glória na Copa, Schiavio ainda foi campeão italiano pela terceira e pela quarta vez, em 1936 e 1937 – na última delas, jogando apenas um par de jogos. Ainda assim, fez parte do time conhecido como “o Bologna que fez o mundo tremer”. Se aposentou na temporada seguinte, com 33 anos – cinco deles como capitão –, celebrado como um grande veterano daqueles tempos. Angiolino queria se casar e trabalhar na antiga loja de tecidos da família e o futebol já não era mais compatível com o estilo de vida pretendido.
Em 348 partidas pelo Bologna, Angelo marcou 242 gols, consolidando-se como o maior artilheiro dos petroniani e o quarto na história do Campeonato Italiano, atrás de Silvio Piola (290), Meazza (267) e Francesco Totti (250). Entre todos os marcadores com mais de 100 gols, sua estelar média de gols (0,69/partida) só fica atrás da de Gunnar Nordahl (0,77). Seus números, títulos e habilidades extraordinárias para a época lhe renderam uma introdução ao prestigiado Hall da Fama do Futebol Italiano, na classe de 2012, junto a Paolo Maldini, Giovanni Trapattoni, Marco Van Basten e Nereo Rocco, entre outros.
Além de ex-jogador, Schiavio foi técnico do Bologna por um curto período, em 1946. Angiolino também desempenhou um papel análogo ao de conselheiro dos veltri e da Nazionale até os anos 1960, mas sempre nos bastidores e sem levar fama. Em tempo integral, Angelo cuidou da sua loja de tecidos no centro de Bolonha até falecer, pouco tempo depois da Copa de 1990. Até hoje, alguns de seus recordes parecem ser intocáveis e ele é considerado como um dos maiores jogadores da história do futebol italiano.
Angelo Schiavio
Nascimento: 15 de outubro de 1905, em Bolonha, Itália
Morte: 17 de setembro de 1990, em Bolonha, Itália
Posição: atacante
Clubes: Fortitudo Bologna (1921-22) e Bologna (1922-38)
Títulos: Campeonato Italiano (1925, 1929, 1936 e 1937), Bronze Olímpico (1928), Copa Mitropa (1932 e 1934), Copa Internacional (1930 e 1935), Copa do Mundo (1934) e Torneio da Expo Universal de Paris (1937)
Seleção italiana: 21 jogos e 15 gols