Nascido em Praga, na Chéquia, Zdenek Zeman é uma das grandes personalidades da história do futebol italiano. Lembrado principalmente por seu jogo ofensivo e pela revolução que causou no Foggia, Zeman comandou a Roma em duas ocasiões, que juntas somaram quase três anos. Na primeira delas, deixou a sua marca na Cidade Eterna: transformou o futebol de Francesco Totti e lhe deu a faixa de capitão. Para intensificar o brilho de sua estrela, o técnico desconsiderou tudo o que Carlos Bianchi, seu antecessor, fizera.
Em sua primeira passagem pelo lado giallorosso da capital, Zeman treinou a Roma entre 1997 e 1999. Ao todo foram 86 jogos, 39 vitórias, 25 empates e 22 derrotas. Na sua primeira temporada com a Roma, o checo precisou vencer a desconfiança da torcida, já que ele havia comandado a Lazio por dois anos e meio.
Zdenek levou o time da Cidade Eterna ao quinto lugar da Serie A, tendo o melhor ataque da competição e a oitava pior defesa. No ano seguinte, o treinador da Boêmia melhorou a posição romana na tabela, mas sem grandes resultados. O time da capital terminou em quarto lugar, novamente com o melhor ataque mas com a 11ª pior defesa. Mesmo sem títulos ou feitos impressionantes, Sdengo foi amado pela torcida. Mais até do que Fabio Capello, que o sucedeu e levantou o terceiro scudetto aurirrubro.
Os romanistas adoram Zeman porque aquela equipe dava gosto de se ver jogar. Era um time ofensivo, direto, vertical, como prega o treinador checo. No esquema preferido do treinador (o 4-3-3), a formação giallorossa abusava do jogo pelas laterais, principalmente com Cafu. O lateral-direito brasileiro era peça-chave no jogo proposto pelo checo, por conta de sua rapidez – o que lhe rendeu, inclusive, o apelido de Pendolino, em comparação aos trens de alta velocidade italianos.
A saída de bola da Roma acontecia, na imensa maioria das vezes, através de ligações diretas. Quando saía jogando por baixo, a bola passava por Cafu ou por Luigi Di Biagio, conhecido do treinador desde os anos de Foggia. O lateral brasileiro tinha muita liberdade ofensiva, por conta de suas características, e atuava como um ponta durante os jogos. Di Biagio, por sua vez, era a mente e o coração da equipe. Preciso nos desarmes e o homem responsável pela saída de bola curta, o italiano parecia se multiplicar em campo.
Assim como Cafu, Di Biagio tinha uma função crucial no esquema de Zeman. Era ele que armava o time, se aproximando dos zagueiros para começar as jogadas. Apesar de sua vocação ofensiva, a Roma não atacava com muito volume e sem parar: não era um exemplo de criatividade. As jogadas da equipe da capital podem ser resumidas em três situações: bola em Cafu, Totti ou Abel Balbo no pivô e lançamentos para Paulo Sérgio (ou Carmine Gautieri) nas costas do lateral adversário.
O excesso de chutões – grande parte deles sem o menor propósito – e a falta de repertório ofensivo deixavam a Roma extremamente dependente do talento dos seus jogadores. Não era incomum vermos a equipe romana trocando chutões, sem nem olhar para onde a bola iria, com a equipe adversária. Quando os lançamentos longos buscavam Balbo, ele saía da grande área e se posicionava no meio-campo para receber a bola no pivô e, com passes rápidos, encontrar companheiros abertos pelos lados.
Os passes do atacante argentino rompiam linhas pelo chão e eram fundamentais para a Roma. A equipe de Zeman procurava o meio apenas para abrir espaço pelos lados. Quando Balbo ou Totti se apresentavam para fazer o pivô, os zagueiros adversários que saíam a sua caça deixavam espaços na defesa. Estes seriam muito bem aproveitados por Cafu, Vincent Candela, Eusebio Di Francesco e Gautieri, por exemplo.
No ataque, Zeman dava funções diferentes a Totti, Balbo e um entre Paulo Sérgio e Gautieri. Francesco era o atacante responsável por centralizar, atuando como um trequartista, enquanto o brasileiro ou Gautieri ficavam mais abertos, para se associarem a Cafu. O espaço deixado por Totti era ocupado por Di Francesco. O meio-campista giallorosso tinha bastante liberdade ofensiva e, em alguns momentos, parecia ser o ponta necessário para que Totti pudesse circular pelo meio. Com os meio-campistas atuando como pontas e Cafu subindo, Zeman atacava com cerca de sete jogadores. O posicionamento ofensivo da equipe pode ser visto na imagem acima.
Em seu esforço defensivo, a Roma buscava a rápida recuperação da bola e pressionava bastante o adversário que a detinha. Quando a bola estava no campo do adversário, a marcação através da pressão era simples, no um contra um. Era possível ver os jogadores marcando alto em alguns momentos, mas sem grande pressão nos homens rivais que faziam a saída de bola.
Porém, quando a pelota passava para o campo romanista, Zeman orientava blitze com três jogadores. Como o time subia muito para atacar – algo impressionante para uma equipe do fim dos anos 1990 –, os zagueiros capitolinos chegavam ao meio-campo adversário. E, a partir dali, o time era aguerrido para lutar por cada posse.
Outra característica dessa Roma de Zdenek Zeman era a formação da linha de impedimento. Os jogadores buscavam avançar, todos ao mesmo tempo, para deixar o atacante adversário em posição irregular. Por fim, é importante dizer como os contra-ataques feriam a equipe comandada pelo checo. Sdengo, todos sabemos, nunca se importou tanto em evitar os gols sofridos: sempre preferiu marcar mais do que o adversário.
Como gostava de atacar com muitos jogadores, Zeman via seu time sofrer quando o adversário conseguia sair da pressão inicial e encontrava apenas a dupla de zaga na sua frente. Aldair, Fabio Petruzzi (em 1997-98) e Antônio Carlos Zago (1998-99) tinham trabalho redobrado. Sem dúvidas, esse era o calcanhar de Aquiles da Roma. Foi justamente com um show de contra-ataques – e grandes atuações de Roberto Mancini e Pavel Nedved – que a Lazio venceu o Derby della Capitale do dia 1º de novembro de 1997, por 3 a 1, mesmo com um jogador a menos.
Como todas as outras equipes comandadas por Zeman, a Roma de 1997-98 e 1998-99 representava o desejo do checo de jogar para frente, de ser ofensivo. Adaptado ao estilo do treinador, o maior jogador da história giallorossa marcou mais de 10 gols numa única temporada pela primeira vez na carreira. Totti fez 14 em 1997-98 e 16 no ano seguinte. Além disso, como capitão, venceu o seu primeiro dérbi contra a Lazio, em abril de 1999: o Pupone fez o gol que fechou o triunfo por 3 a 1.
Os outros dois daquele embate capitolino foram de Marco Delvecchio, que viveu seu auge sob a égide de Sdengo. Em 1998-99, o grandalhão balançou as redes 23 vezes, sendo 18 na Serie A – competição da qual foi o quarto maior goleador. Com Zeman, a Roma também foi dominada por brasileiros: chegou a ter Antônio Carlos, Aldair, Cafu e Paulo Sérgio como titulares. Vágner e Fábio Júnior ainda receberam chances do boêmio.
O fato é que Zeman nunca precisou de grandes conquistas ou de grandes campanhas para ser admirado pela sua coragem em pensar fora da caixa. A visão de jogo do checo, o seu apreço pelo futebol ofensivo e as revoluções que arquitetou na Serie A fazem com que ele seja, justamente, considerado um dos grandes treinadores da história do futebol italiano.