Em toda sua história, o Milan teve 23 presidentes. Evidentemente, Silvio Berlusconi foi quem alcançou maior sucesso à frente do clube. Dirigente mais vitorioso do futebol italiano, o Cavaliere assumiu o leme do navio rossonero em 1986 e saiu 31 anos depois, com 29 troféus no currículo. No entanto, existe outro mandatário que, embora não seja tão aclamado como Berlusconi, portou o Diavolo às glórias. Trata-se de Franco Carraro.
De 1967 a 1971, período em que esteve dirigindo o Milan, o veterano viu o time milanês vencer uma Copa dos Campeões, uma Recopa Europeia, uma Copa Intercontinental e um scudetto. Ele detém o recorde de presidente mais novo a ganhar uma taça da principal competição de clubes europeia, com 29 anos e 143 dias. A carreira de Carraro, entretanto, vai muito além de seu breve período glorioso em San Siro. Afinal, ele também comandou entidades nacionais, esteve envolvido no escândalo Calciopoli e recebeu muitas críticas enquanto prefeito de Roma.
O início
Embora tenha nascido em Pádua, cidade italiana localizada na região do Vêneto, Carraro cresceu em Milão, com disposição para praticar esportes. Não à toa, ele se tornou tricampeão europeu de esqui aquático consecutivo, entre 1958 e 1960.
Dois anos depois, Franco abdicou de competir nas águas para assumir a presidência da Federação Italiana de Esqui Aquático (FISN, siga em italiano). Uma decisão arrojada, uma vez que, à época, ele tinha apenas 23 anos.
A carreira como cartola ascendeu rapidamente na década de 1960. Enquanto presidia a FISN, Carraro também se tornou o manda chuva da comissão técnica da União Mundial de Esqui Aquático, posição que ocupou por dez anos (de 1963 a 1973).
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Carraro (segundo da esq. para a dir.) dá o braço a Rocco e segura a taça do Mundial Interclubes (Maglia Rossonera)
Milan
Sem abandonar os cargos que ocupava no esqui aquático, Carraro ingressou em um esporte com muito mais notoriedade nacional: o futebol. No dia 7 de julho de 1967, uma tragédia o impulsionou à presidência do Milan. Seu pai, Luigi Carraro, era o cabeça do clube quando sofreu um infarto e acabou não resistindo. Com a morte do progenitor, que estava à frente do clube milanês desde 1966, Franco assumiu a presidência do Diavolo.
Não demorou muito tempo para Carraro sentir o gostinho da vitória neste outro esporte. Logo em sua primeira temporada em Milanello, o Milan do talentoso Gianni Rivera foi campeão italiano, com nove pontos de vantagem para o Napoli, segundo colocado. Entretanto, a maior glória ainda estava por vir.
Depois de duas temporadas no cargo máximo na cúpula milanista, o dirigente vêneto viu os rossoneri conquistarem a Copa dos Campeões de 1968-69. Com tripletta do artilheiro Pierino Prati e gol do brasileiro Angelo Sormani, o time de Nereo Rocco bateu o Ajax de Johan Cruyff por 4 a 1, no Santiago Bernabéu. Era a segunda taça das sete que a agremiação alcançaria em sua história.
O título deu a Franco a honraria de ser o presidente mais jovem (29 anos e 143 dias) a comemorar uma conquista do torneio europeu. Ele detém o recorde até os dias atuais. E as taças sob a gestão de Carraro não pararam por aí. Antes de ganhar a antecessora da Champions, a equipe venceu a Recopa (competição da Uefa destinada aos vencedores das principais copas nacionais), em 1968. Uma temporada depois, veio o título da Copa Intercontinental.
Carraro deixou o Milan em 1971, e seus sucessores imediatos não tiveram sucesso à frente do clube, que teve poucas conquistas nos anos 1970 e, na sequência, degringolou: se envolveu no escândalo Totonero e foi rebaixado duas vezes à segunda divisão, no início da década seguinte. Antes de Silvio Berlusconi, apenas Carraro conseguiu fazer os rossoneri vencerem títulos importantes.
FIGC e CONI
Agora com visibilidade e credibilidade na praça, Franco Carraro galgou posições importantes nas maiores entidades da Itália. Nos anos seguintes à sua saída do Milan, o dirigente se tornou uma pessoa muito influente pelos corredores da Federação Italiana de Futebol, a FIGC, e do Comitê Olímpico Italiano, o CONI.
Não por acaso ele ocupou diversos cargos nessas duas entidades e, por isso, ganhou o apelido de poltronissimo. Em tradução livre, o termo serviria para designar uma pessoa que sempre está ocupando uma poltrona – móvel fundamental em escritórios de chefes. E Carraro é uma pessoa que, desde cedo, frequentou o primeiro escalão de um grande número de esferas de poder.
Entre uma função secundária aqui e uma cadeira em conselhos acolá, Franco chegou à presidência da FIGC em abril de 1976, sucedendo Artemio Franchi. Ele esteve à frente da Federação Italiana de Futebol em três mandatos: de 1976 a 1978, de 1986 a 1987 e de 2001 a 2006. Já no Comitê Olímpico Italiano, o cartola teve apenas uma gestão, mas que durou 11 anos (1978 a 1987).
Ah, lembra daquele primeiro papel que Carraro exerceu como dirigente, o de presidente da Federação Italiana de Esqui Aquático? Então, ele ficou no cargo até 1976. Ou seja, ele permaneceu à frente da entidade durante 14 anos e ainda sobrou tempo para trabalhar em outras instituições.
Do esporte à política
Não é novidade dirigentes obterem êxito no esporte e, depois, se entrelaçarem à política partidária. Franco Carraro seguiu esses passos. Em 1987, foi nomeado Ministro do Turismo e Entretenimento, com foco no esporte, nos governos de Giovanni Goria (1987-88), Ciriaco De Mita (1988-89) e Giulio Andreotti (1989-91).
A nomeação do vêneto tinha um interesse claro dos políticos: a Copa do Mundo de 1990. Franco permaneceu no cargo até fevereiro daquele ano, quatro meses antes do início do Mundial da Itália, pois tinha outra missão pela frente: comandar a cidade de Roma. Justamente o palco da final da competição.
Em novembro de 1989, Carraro foi eleito, com certa tranquilidade, o novo prefeito da Cidade Eterna. Ele era o representante do Partido Socialista Italiano, que fez um acordo com a Democracia Cristã. O secretário do PSI, Bettino Craxi, e o da DC, Arnaldo Forlani, firmaram um acordo que previa que a prefeitura de Roma ficasse com um candidato socialista. De fato, nas eleições daquele ano, Carraro concorreu apenas contra candidatos nanicos. Sua gestão, marcada por escândalos de corrupção nas secretarias, durou até abril de 1993.
Bancos, empresas e polêmicas
Após a experiência como prefeito de Roma, Franco Carraro abandonou a política por alguns anos. Enquanto isso, entrou no ramo de administração de bancos e empresas. Ele foi presidente de Impregilo (1994 a 1999), Venezia Nuova Consortium (1995 a 2000), Mediocredito Centrale (2000) e IPSE 2000 (2000 a 2001).
A ligação de Carraro com os bancos, no entanto, gerou algumas dúvidas em alguns torcedores de times italianos. Isso porque havia instituições financeiras das quais Franco era presidente que controlavam alguns clubes da Serie A.
Braço do Grupo Capitalia, a Mediocredito, por exemplo, foi acionista da Roma, do Napoli, do Perugia e da Lazio. A Mediocredito, inclusive, aliviou a barra dos laziali, permitindo que os eles disputassem o Italianão de 2002-03 mesmo devendo 110 milhões de euros à instituição.
Um advogado tributário chamado Victor Uckmar ligou o alerta para a gestão de Carraro. Segundo Uckmar, a situação financeira do futebol italiano havia piorado sob a administração do cartola e empresário.
Franco se defendeu dizendo que não era o futebol italiano que estava ruim financeiramente, mas sim que muitos clubes deveriam ter decretado falência – o que viria acontecer pouco tempo depois, vide Fiorentina, Napoli, entre outros.
A declaração de Carraro não caiu muito bem entre os ultras da Fiorentina, que pressionaram o dirigente sobre um suposto tratamento diferente para com a Viola. De acordo com os torcedores gigliati, o poltronissimo deu um tratamento diferente para o time viola em relação a Lazio (2002), Roma (2003) e Napoli (2003). Em 2002, a Fiorentina decretou falência e deve de recomeçar na última divisão profissional do Campeonato Italiano.
No fim das contas, Carraro chegou a ser investigado por ameaças a órgãos judiciais regionais e por abuso de cargo em Roma, mas acabou absolvido.
Uefa e Calciopoli
Àquela altura do campeonato, Franco Carraro já havia experimentado quase todos os poderes na Itália. Foi então que, em 2004, o poltronissimo ganhou um cargo na Uefa: membro do conselho executivo da entidade que organiza o futebol europeu.
A função de Carraro dentro da Uefa seria a de ajudar a Itália na candidatura pela sede da Eurocopa de 2012. O torneio, no entanto, acabou dividido entre Polônia e Ucrânia. Curiosamente, a seleção italiana fez ótima campanha no torneio, mas foi atropelada pela Espanha na final: 4 a 0.
Futebol em campo à parte, Carraro chegou a ser questionado por algumas pessoas após a nomeação de Polônia e Ucrânia como sedes da Euro 2012. Em resposta à teoria de que ele “não havia feito todo o possível” para levar o torneio para a Itália, Franco colocou seu cargo à disposição de Giancarlo Abete, seu antecessor. Abete, contudo, o convenceu a não renunciar.
Em 2006, uma bomba veio à tona e colocou em xeque a credibilidade de Franco Carraro. O escândalo Calciopoli fez o cartola renunciar ao posto de presidente da Federação Italiana de Futebol (sua terceira e última passagem pela FIGC) dois meses antes de a bomba estourar.
Ao lado de Luciano Moggi, ex-dirigente da Juventus, Carraro é uma das peças centrais do Calciopoli. Ele teve o telefone grampeado e foi flagrado pedindo para o árbitro Paolo Bergamo não prejudicar arbitrariamente a Lazio. Por isso, a Corte Federal o sentenciou a um gancho de quatro anos e seis meses, além de multa no valor de 80 mil euros. Porém, no dia 29 de maio de 2009, ele foi absolvido da acusação de fraude esportiva.
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Cercado por jornalistas, Carraro comenta seu depoimento numa das audiências do Calciopoli (AFP/Getty)
Senador da República
Embora estivesse envolvido no esquema Calciopoli, Carraro não perdeu seu cargo de membro do conselho executivo da Uefa. Ele só deixou a função em 2009. Dois anos depois, foi nominado pelo Comitê Olímpico Italiano como novo comissário da Federação Italiana de Esportes de Inverno, a FISI.
Por fim, Franco Carraro retornou à política. Em 2013, foi eleito para o Senado da República, representando o partido Popolo della Libertà, o partido de Silvio Berlusconi, no distrito eleitoral de Emília-Romanha. Seu cargo era ser vice-presidente do Comitê de Finanças e Tesouro.
Em 2014, Carraro se aproximou ainda mais de Berlusconi, seu velho conhecido. Os ex-presidentes do Milan foram fundadores do novo partido do Cavaliere (o Forza Italia). Silvio nomeou Franco como responsável pelo esporte. O poltronissimo não concorreu às eleições políticas de 2018, uma vez que acabou excluído da lista de candidatos da partido Forza Italia. Aos 80 anos, porém, ainda está sentado numa cadeira: é um dos membros do Comitê Olímpico Internacional, o COI, posto que ocupa desde 1982.