Jogos históricos

Em duelo de estilos no Japão, o Milan de Fabio Capello caiu ante o São Paulo de Telê Santana

Em 1993, trinta anos depois da derrota para o Santos, o Milan voltaria a enfrentar uma equipe brasileira na Copa Intercontinental. Naquela ocasião, o Diavolo não era o campeão europeu, mas nem por isso era uma equipe qualquer, uma vez que era bicampeão da Serie A e novamente tinha a liderança do melhor campeonato do mundo, em busca do tri. O adversário da vez era o São Paulo comandado por Telê Santana, considerado por muitos como o melhor esquadrão tricolor de todos os tempos.

O primeiro a se garantir na Copa Intercontinental foi o São Paulo. Na final da Copa Libertadores de 1993, a equipe brasileira passou sem pena pela Universidad Católica do Chile, provando que era o melhor time das Américas. Eram mais de 90 mil nas arquibancadas acompanhando o primeiro embate, e dentro de campo o Tricolor teve uma exibição de gala: no melhor estilo Telê Santana, a equipe atacou o tempo todo e impôs um jogo coletivo de encher os olhos. O desfecho daquela noite foi uma goleada por 5 a 1, resultado que até hoje representa o placar mais elástico em uma final da maior competição sul-americana de clubes.

No Chile, a Católica até ensaiou uma reação, quando Lunari e Almada marcaram duas vezes nos primeiros 15 minutos, porém o 2 a 0 não bastou para os chilenos. Mesmo com a derrota, o São Paulo celebrou o bicampeonato da Libertadores no dia 26 de maio de 1993.

Naquele mesmo dia 26, a Liga dos Campeões também havia sido decidida. Em formato diferente da Libertadores, a final ocorria da mesma forma que atualmente: em jogo único e em campo neutro, Olympique Marseille e Milan se enfrentavam no Olímpico de Munique, na Alemanha. O Diavolo entrava naquela decisão pronto para se vingar do Marseille pela eliminação na edição de 1990-91. Na ocasião, os refletores do Vélodrome foram desligados nos minutos finais, os atletas rubro-negros saíram de campo e se recusaram a voltar, o que culminou em derrota por W.O. e exclusão do Diavolo das competições europeias por uma temporada.

No Japão, Massaro encarou o velho conhecido Cerezo e um Válber em modo voraz (imago/AFLOSPORT)

O Milan cumpriu a suspensão em 1991-92 e voltou no ano seguinte ganhando de qualquer um que aparecesse em seu caminho, até reencontrar com o seu carrasco. Na Baviera, os franceses fizeram jogo duro e triunfaram mais uma vez sobre os milaneses. No entanto, nas semanas seguintes veio à tona o escândalo de manipulação do resultado da partida entre Valenciennes e Marseille, pela 36ª rodada da Ligue 1. Como punição pela fraude, os marselheses tiveram o titulo francês revogado e foram excluídos da Copa Intercontinental. Por isso, o Milan herdou a vaga da equipe francesa e foi à Tóquio enfrentar o São Paulo.

No hiato entre maio e dezembro, os rossoneri tiveram uma reformulação no elenco e acabaram se desfazendo dos holandeses que havia encantado a Europa. Frank Rijkaard retornou ao Ajax para encerrar sua carreira e Ruud Gullit tinha rumado à Sampdoria por empréstimo. Apenas Marco van Basten permaneceu, mas vinha de duas operações sérias no tornozelo e sequer voltou a jogar depois da decisão, em Munique. Para suprir as ausências, Silvio Berlusconi buscou Florin Raducioiu, destaque do Brescia, e Marcel Desailly, meio-campista com bom poder de marcação e multicampeão pelo Marseille.

Do outro lado, o Soberano tinha um grupo consolidado, e com dois nomes conhecidos pelos italianos: o camisa 7 Müller, ex-atacante do Torino, e Toninho Cerezo, que teve passagens vitoriosas pela Roma e pela Sampdoria. A principal baixa na equipe era Raí, que deixou o clube para jogar no Paris Saint-Germain, logo após a conquista da Libertadores.

Em Tóquio, 50 mil pessoas compareceram para acompanhar a final – um público relativamente baixo, se comparado com as médias em San Siro e no Morumbi. Além do lesionado Van Basten, o Milan entrava desfalcado de Brian Laudrup, Gianluigi Lentini e Zvonimir Boban. Assim que a bola começou a rolar, Fabio Capello tratou de impor seu jogo sobre os brasileiros. O Milan rapidamente tomou conta do meio-campo e dificultou a criação de jogadas do São Paulo, marcando a saída de bola em bloco alto, reduzindo os espaços e forçando o erro adversário.

Antes de rumar ao Milan, Leonardo deu trabalho a Costacurta, seu futuro companheiro (imago/AFLOSPORT)

Essa estratégia rendeu aos italianos a primeira grande chance de abrir o marcador: aos 14 minutos, André Luiz errou na saída de bola e o Milan recuperou a posse frente a uma defesa desarrumada. Com poucos toques, a bola foi parar do outro lado do campo, nos pés de Daniele Massaro: num sem-pulo, o rossonero acertou uma pancada no travessão. Foi o primeiro baque nos são-paulinos, que não conseguiam escapar da armadilha milanista.

O Milan já tinha três finalizações e mais volume de jogo, mas a primeira chegada brasileira foi um banho de água fria para os italianos. O Tricolor aliviou a pressão na base das bolas longas. De Cerezo para André Luiz, de André para Cafu; com dois lançamentos o São Paulo chegou ao campo de ataque. De primeira, o lateral colocou rasteiro na área e encontrou Palhinha, que antecipou Alessandro Costacurta e guardou.

O gol não mudou o panorama do jogo. Os favoritos continuaram martelando e levaram perigo com chutes de longa distância e cruzamentos buscando Jean-Pierre Papin. Contudo, o francês atravessava uma fase terrível, para a sorte do sistema defensivo do São Paulo. O time de Capello não foi às redes e desceu para os vestiários em desvantagem.

Na etapa complementar, o Milan precisou de três minutos para igualar o marcador. Em lance de desatenção dos defensores são-paulinos, Massaro aproveitou o lançamento às cegas de Desailly e saiu para o abraço, ao completar de carrinho. O empate animou a equipe rubro-negra, que continuava com o controle das ações e mais presença no campo de ataque.

Müller passou quase toda a partida encaixotado pela marcação do Milan (imago/AFLOSPORT)

Porém, com outra descida de ataque certeira, o São Paulo retomava a vantagem. O cruzamento rasteiro de Leonardo atravessou toda a área milanista até chegar no vovô Cerezo, que aparecia sozinho nas costas da zaga, como elemento surpresa – Demetrio Albertini deixou o ex-doriano escapar. O gol premiava a eficiência do São Paulo e castigava os rossoneri, que teriam de correr atrás do prejuízo outra vez.

Dali em diante, o jogo ficaria mais dinâmico. O Milan passou a dar mais espaços quando atacava e, por isso, dava brechas para contragolpes. Telê rapidamente sacou Palhinha e colocou Juninho Paulista para participar dos contragolpes, junto de Müller, Leonardo e o incansável Cafu, pela direita. Capello respondeu sacando Raducioiu e Albertini para dar lugar a Mauro Tassotti e Alessandro Orlando, preenchendo as alas e deslocando Massaro para o centro do ataque. O resultado foi imediato e, no lance seguinte às alterações, Massaro escorou um levantamento para a área, dando a Papin — que não fazia boa partida — a chance de marcar um gol que levaria a final para a prorrogação.

Se, de um lado, o atacante do Milan havia desencantado, Müller continuava sua atuação apagada frente a uma das melhores defesas do mundo. O brasileiro estava encaixotado na marcação de Franco Baresi e Costacurta, que não baixavam a guarda. Em um dos raros lances com liberdade, o camisa 7 marcou o gol decisivo da partida – ainda que tenha sido sem querer, como ele mesmo assumiu.

“Foi um lançamento do Toninho Cerezo. O goleiro [Sebastiano] Rossi chegou primeiro na bola. Para não machucá-lo, eu pulei, o que é normal nesse tipo de lance, mas o Rossi não segurou a bola, ele rebateu”, descreveu Müller em entrevista à Folha de São Paulo. “A bola tomou força e, na velocidade em que eu estava, ela bateu em mim e tomou a direção do gol”, concluiu.

Um lance de sorte e o desabafo: Müller provoca Costacurta (imago/AFLOSPORT)

Na comemoração Müller fez questão de “dedicar” o gol à Costacurta, antes de extravasar com os companheiros. Era o gol da vitória, afinal o Soberano só precisava resistir por mais cinco minutos. Nos minutos finais, o que se viu foi um jogo de ataque contra defesa – além de um pouco de cera são-paulina – até que o juiz apitasse pela última vez, aos 92 minutos.

Pelo segundo ano consecutivo, o Tricolor derrotava um gigante europeu e celebrava a Copa Intercontinental: em Tóquio, Barcelona e Milan ficaram pelo caminho; em 2005, em Yokohama, foi a vez do Liverpool. Também em Yokohama, em 2007, o Diavolo comemorou a sua conquista mundial seguinte, contra o Boca Juniors.

São Paulo 3-2 Milan

São Paulo: Zetti; Cafu, Ronaldão, Válber, André Luiz; Doriva, Dinho, Toninho Cerezo, Leonardo; Palhinha (Juninho Paulista); Müller. Técnico: Telê Santana
Milan:
Rossi; Panucci, Costacurta, Baresi, Maldini; Donadoni, Desailly, Albertini (Tassotti), Massaro; Raducioiu (Orlando), Papin. Técnico: Fabio Capello.
Gols: Palhinha (19′), Cerezo (59′), Müller (87′); Massaro (48′) e Papin (81′).
Árbitro: Joël Quiniou (França)
Local e data: Estádio Nacional, Tóquio (Japão), em 12 de dezembro de 1993.

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