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Umberto Caligaris foi um dos primeiros ícones da Juventus e do futebol italiano

“Nenhum dinheiro vale o amor pela camisa e eu tenho duas: uma branco e preta e outra azul”. Essa foi a frase que Umberto Caligaris proferiu em negativa aos diretores do Valencia que queriam contratá-lo, nos anos 1930. As paixões pela Juventus e pela Itália eram recíprocas e tão grandes quanto a importância do jogador, considerado um dos maiores defensores da história.

Caligaris nasceu em 1901, na cidade de Casale Monferrato, a cerca de 70 km de Turim. Durante a sua infância, o garoto praticou futebol em times de paróquia e viu surgir um clube na comuna: em 1909, foi fundado o Casale, que fez muito sucesso no início do século XX, sendo o primeiro time italiano a vencer um clube inglês – o Reading, por 2 a 1– e faturando o título nacional, em 1914.

Naquele início de século XX, o futebol era uma atividade amadora e Berto, além de se dedicar a ele, também praticava atletismo: em 1918, foi campeão local nos 100 metros rasos e no salto em distância. No ano seguinte, se formou como contador e ainda ganhou uma chance no Casale, depois de se destacar num torneio local pelo Sparta, time de sua paróquia. Como era muito atlético e ambidestro, foi colocado para jogar pelos lados do campo. No começo da carreira, alternava entre o ataque e defesa, até se fixar como lateral-esquerdo.

Caligaris foi para Turim após fazer sucesso no Casale (Arquivo/Juventus FC)

Após estrear numa vitória por 3 a 1 sobre o Valenzana, o raçudo Caligaris foi ganhando espaço e importância com a camisa nerostellata: em 1921, virou capitão do Casale. O clube piemontês não conseguiu repetir a façanha de sair vitorioso num ainda regionalizado Campeonato Italiano, mas chegou a se classificar para as semifinais da região norte duas vezes. O bom desempenho de Umberto nesse período lhe rendeu a sua primeira convocação para a seleção em 1922: ele debutou num amistoso contra a Áustria, terminado em 3 a 3.

Enquanto defendia o Casale, Berto experimentou grande prestígio na seleção, tanto com o técnico Vittorio Pozzo quanto com Augusto Rangone. Caligaris foi convocado para os Jogos Olímpicos de 1924, em Paris, e de 1928, em Amsterdã. Na Holanda, jogando como lateral defensivo pela esquerda, o piemontês ajudou a Itália a faturar o bronze e, finalmente, mudou de patamar. Aos 27 anos, passou à Juventus, clube da capital da região em que nascera.

Caligaris não teria dificuldades de se adaptar a Turim. Afinal, seus companheiros de defesa seriam o goleiro Gianpiero Combi e o zagueiro pela direita Virginio Rosetta, ao lado de quem dominava a retaguarda da seleção desde meados da década de 1920. Pela Juventus, o tridente recebeu o apelido de Trio dei Ragionieri – ou, em português, o trio dos contabilistas –, já que os seus integrantes eram formados em ciências contábeis. Até hoje, essa linha defensiva é considerada como uma das maiores de toda a história. Parte disso se deve às características complementares de Viri e Berto: o primeiro estudava os adversários; o segundo, os caçava com velocidade e capacidade de desarme.

Em seu dois primeiros anos na capital piemontesa, Umberto foi treinado pelo técnico escocês George Aitken e não conseguiu títulos. Isso mudou após a chegada de Carlo Carcano, que revolucionou os bianconeri e estabeleceu a base para a conquista de cinco scudetti consecutivos, entre 1930-31 e 1934-35, período que ficaria conhecido pelo Quinquennio d’Oro.

Rosetta, Combi e Caligaris: o trio dos contabilistas (Arquivo/Juventus)

Antes de conquistar o quinto título seguido – feito inédito à época e superado apenas no fim dos anos 2010, pela Juve –, Caligaris foi chamado para a disputa da Copa do Mundo de 1934. Já veterano, foi levado por Pozzo como reserva e não entrou em campo. Uma verdadeira decepção para o jogador, que esperava fazer sua 60ª partida pela Itália no Mundial e chorou ao saber que não receberia essa oportunidade. Berto parou mesmo em 59 jogos pela Nazionale, mas ao menos teve a honra de conquistar a taça Jules Rimet – e, depois, sua segunda Copa Internacional da Europa Central.

Após as conquistas por clube e seleção, o jogador decidiu deixar a Juventus em 1935: aos 34 anos, depois de 197 jogos pelos bianconeri, saía para dar espaço ao promissor Alfredo Foni, que já havia aprendido com ele durante a sua derradeira temporada pela Velha Senhora. Umberto foi para o Brescia, onde atuaria como treinador e jogador por dois campeonatos – um na Serie A e o outro, após rebaixamento, na segundona. No segundo ano de Lombardia, Caligaris teve uma séria infecção, que se agravou e gerou sepse, levando-o a se afastar para realizar o tratamento.

Mesmo curado, Berto teve algumas sequelas: seu sistema cardiocirculatório foi afetado de forma significativa e os médicos lhe proibiram de fazer esforço, aconselhando-o também a evitar fortes emoções. Caligaris, porém, decidiu continuar como técnico de futebol e, em janeiro de 1938, assumiu a Lucchese. Na Toscana, teve bons resultados e livrou o time do rebaixamento para a segundona por cinco pontos. No ano seguinte, dirigiu o promovido Modena e também manteve o time na elite.

Seu sucesso profissional e sua identificação com a Juventus faziam com que seu retorno a Turim fosse um caminho natural. E isso ocorreu em 1939, para substituir o ex-companheiro Rosetta. Na primeira temporada comandando o time bianconero, Caligaris abocanhou o terceiro lugar da Serie A.

Caligaris puxa a fila da Itália num amistoso com a Suíça (Bordin Foto)

Em 1940-41, só dirigiu o clube por duas rodadas: no dia 19 de outubro, durante um treino para uma partida festiva com ídolos aposentados da Juventus, quis voltar a jogar ao lado de Rosetta e Combi. Contudo, se sentiu mal durante uma arrancada e foi levado ao hospital. Vítima de um aneurisma, o gladiador perdeu a batalha e faleceu, aos 39 anos.

Caligaris foi enterrado no cemitério da sua cidade natal – em 1981, Eraldo Monzeglio, seu ex-companheiro de seleção, seria sepultado a seu lado. Umberto recebeu várias homenagens póstumas: em 1973, a Juventus deu o nome do zagueiro a um dos campos de seu antigo centro de treinamentos e, em 2011, e o agraciou com uma das estrelas da calçada da fama do Allianz Stadium. Em Casale Monferrato, por sua vez, existe um torneio juvenil com a alcunha do ídolo.

Até hoje, Umberto Caligaris é tido como o maior jogador da história do Casale e como um dos maiores defensores que a Juventus já teve. Berto também teve desempenho histórico pela seleção: foi capitão da Itália em 16 ocasiões e carrega o inglório feito de ter sido o primeiro a desperdiçar uma cobrança de pênalti com a camisa azul. Mas, principalmente, o ex-lateral carregou consigo um recorde: foi o atleta que mais realizou partidas pela Nazionale, até ser superado por Giacinto Facchetti nos anos 1970.

Umberto Caligaris
Nascimento: 26 de julho de 1901, em Casale Monferrato, Itália
Morte: 19 de outubro de 1940, em Turim, Itália
Posição: lateral-esquerdo e zagueiro
Clubes: Casale (1919-1928), Juventus (1928-1935) e Brescia (1935-37)
Títulos conquistados: Bronze Olímpico (1928), Copa Internacional (1930 e 1935), Serie A (1931, 1932, 1933, 1934 e 1935) e Copa do Mundo (1934)
Clubes como treinador: Brescia (1935-37), Lucchese (1938), Modena (1938-39) e Juventus (1939-40)
Seleção italiana: 59 jogos

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