Um ambiente turbulento pela pressão da torcida para dar fim a um período de seca de títulos. Essa frase poderia definir a Inter dos anos 2010, mas nossa viagem no tempo é um pouquinho mais longa: remonta à década anterior, quando a equipe nerazzurra tinha aversão a troféus. Em 2005, porém, um triunfo suado contra o Milan ajudou a reposicionar o clube na rota dos triunfos.
Os torcedores começaram 2005 desiludidos com o presidente Massimo Moratti. Afinal, o cartola estava à frente da agremiação havia uma década e não havia conseguido repetir o sucesso do pai, Angelo Moratti. Durante a gestão de seu progenitor, os nerazzurri conquistaram sete títulos, sendo três edições da Serie A, duas Copas dos Campeões e dois Mundiais Interclubes: eram os anos da chamada Grande Inter. Massimo investira muito, chegara a contratar Ronaldo – então melhor do mundo –, mas todos os seus esforços resultaram apenas numa Copa Uefa, em 1998. O mandatário, então, decidiu se afastar um pouco da vida cotidiana do clube e cogitava até mesmo a sua venda.
O vento começou a virar em junho de 2005, quando a Inter de Roberto Mancini conquistou a Coppa Italia. No início da temporada seguinte, com gol de Juan Sebastián Verón, a Beneamata bateu a Juventus na Supercopa Italiana. Faltava consolidar o percurso e provar que os títulos não eram obra do acaso. No dia 11 de dezembro, diante do Milan, pela Serie A, a equipe deu um passo nessa direção.
Inter e Milan perseguiam a Juventus, que liderava a Serie A com boa folga: os bianconeri chegaram à 15ª rodada com 39 pontos, contra 31 dos rossoneri e 29 dos nerazzurri. A Beneamata chegava ao Derby della Madonnina com força máxima e confiante por uma sequência de cinco partidas de invencibilidade, com três vitórias consecutivas. O Diavolo, por sua vez, teria o desfalque de Paolo Maldini e, embora tivesse um triunfo recente sobre a Juventus, acumulava duas derrotas nas três rodadas anteriores.
O confronto direto, num San Siro lotado, começou tenso e manteve um alto ritmo agônico até o final. Logo nos primeiros minutos, Obafemi Martins poderia ter sido expulso por ter saltado com o braço aberto sobre Kakha Kaladze, o que ocasionou um sangramento no supercílio do georgiano – substituto de Maldini. O mesmo Martins participou da jogada que viria a abrir o placar, aos 24 minutos. Após uma boa troca de passes da Inter, o nigeriano pressionou Alessandro Nesta, que caiu sobre a bola. O árbitro Domenico Messina viu toque de mão do defensor e marcou pênalti: na cobrança, Adriano deslocou Dida e anotou o primeiro.
Ofensiva, a Inter atuava num 4-4-2, com a já citada dupla de ataque e Luís Figo e Dejan Stankovic pelas pontas, com Verón e Esteban Cambiasso centralizados. Para evitar um desequilíbrio muito grande, Mancini segurava Javier Zanetti e Giuseppe Favalli nas laterais. O Milan de Carlo Ancelotti, por sua vez, apostava no 4-3-1-2 e nos contra-ataques puxados pelas arrancadas de Kaká.
Os rossoneri empataram a peleja justamente com uma jogada do brasileiro. Aos 39 minutos, uma arrancada do craque resultou em falta de Iván Córdoba sobre Alberto Gilardino. Stankovic bloqueou a cobrança de Andrea Pirlo com a mão e, de pênalti, Andriy Shevchenko venceu Julio Cesar. Um gol histórico, já que foi o último dos 14 de Sheva no clássico – do qual é o maior artilheiro.
Pouco depois do intervalo, a Inter voltou a ter a vantagem no dérbi. Os nerazzurri tiveram uma falta de longa distância, mas Adriano se prontificou a cobrar direto para o gol. O brasileiro soltou uma bomba no canto, Dida deu rebote e Martins, mais esperto e veloz do que os defensores milanistas, aproveitou para mandar a bola para as redes.
Atrás no placar, o Milan continuava deixando Kaká sobrecarregado para incomodar os rivais: tudo passava pelos pés e pela velocidade do brasileiro. O meia-atacante chegou perto do gol quando finalizou de fora da área e, em desvio de Córdoba, viu a bola explodir na trave, aos 68. Mais atrás, a tríade formada por Pirlo, Gennaro Gattuso e Clarence Seedorf perdia a maior parte dos duelos centrais para os interistas e as subidas de Serginho eram controladas por Zanetti – do outro lado, Jaap Stam e Favalli não apoiavam, em zona quase morta.
Ancelotti optou, então, por sacar Gattuso e Gilardino para tentar um jogo mais direto, com Marek Jankulovski e o ex-nerazzurro Christian Vieri em seus lugares. Mancini respondeu e fechou o time, pondo Nicolás Burdisso no lugar de Figo – que tinha levado uma cotovelada de Dario Simic pouco antes. A entrada de Simic sobre Figo, aliás, dava o tom do que foi o segundo tempo: as entradas mais duras continuavam ocorrendo e chegou a haver até um princípio de confusão entre Kaká e Verón.
Aos 83 minutos, então, a pressão do Milan deu certo. A Inter se defendia muito bem por baixo, mas acabou ficando desarrumada numa cobrança de falta lateral. Stankovic foi o responsável por marcar a zona atacada por Stam e não conseguiu fazer o corte: o gigante holandês aproveitou e empatou. O Diavolo estava satisfeito com o empate, que lhe manteria à frente da rival e ainda em contato com a Juventus – que vencera o Cagliari mais cedo. A Inter, não. Mancini optou, portanto, em tirar Martins e apostar no pivô e na força aérea de Julio Cruz.
A entrada do argentino conferiu maior peso ofensivo às ações da equipe mandante, mas o jogador que decidiu o Derby della Madonnina representava outro país sul-americano: o Brasil. Os minutos finais do clássico são lembrados até hoje como um dos mais belos momentos vividos por Adriano com a camisa nerazzurra. Aos 92, a Inter teve escanteio a seu favor e Verón colocou a bola no lugar certo: na linha da pequena área, onde o Imperador disputava espaço com Vieri, seu antigo colega de clube. Adri subiu muito e cabeceou enquanto levava um tranco de Bobo, o que fez com que a pelota desviasse no seu braço e morresse no ângulo de Dida.
Restava muito pouco tempo para o apito final e o Milan não teve como reagir. Adriano, com uma doppietta e a participação decisiva no outro tento interista no clássico, mostrava porque era chamado de Imperador: aniquilou muralhas adversárias e conquistava territórios inexplorados. Com o triunfo, a Inter voltava a vencer o clássico local após um jejum de três anos e nove meses – desde quando, em março de 2002, Vieri fez o único gol nerazzurro em San Siro. Com a ultrapassagem sobre o rival, a Beneamata também se candidatava ao scudetto.
No fim das contas, a Juventus deslanchou e terminou a temporada com 91 pontos, 13 à frente do Milan e 15 acima da Inter. Mas os resultados de campo não foram validados: o Calciopoli eclodiu e os desdobramentos do escândalo de arbitragem e manipulação de resultados atingiram em cheio os rivais dos nerazzurri, o que modificou a tabela. A Velha Senhora teve o título cassado e foi punida com o rebaixamento à Serie B, enquanto o Diavolo teve 30 pontos descontados e caiu para a terceira colocação.
O scudetto foi, então, dado à equipe mais bem colocada após as decisões judiciais. Era justamente a Inter, que também saíra vitoriosa da Coppa Italia de 2005-06. A escassez de troféus na gestão de Massimo Moratti havia se transformado, rapidamente, numa inesperada dobradinha nacional – e com direito ao fim de um jejum de 17 anos sem o título da Serie A. O crescimento verificado sob o comando de Mancini não era, portanto, chuva de verão. Representava o início da hegemonia da Beneamata, que durou até 2010.
Inter 3-2 Milan
Inter: Julio Cesar; Zanetti, Córdoba, Samuel, Favalli; Stankovic, Verón, Cambiasso, Figo (Burdisso); Adriano, Martins (Cruz). Técnico: Roberto Mancini.
Milan: Dida; Stam, Nesta (Simic), Kaladze, Serginho; Gattuso (Jankulovski), Pirlo, Seedorf; Kakà; Shevchenko, Gilardino (Vieri). Técnico: Carlo Ancelotti.
Gols: Adriano (24′), Martins (59′) e Adriano (90+2′); Shevchenko (39′) e Stam (83′)
Árbitro: Domenico Messina (Itália)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 11 de dezembro de 2005