Brasileiros no calcio

Leandro Amaral teve a inglória tarefa de substituir Gabriel Batistuta numa Fiorentina falida

Chegar a qualquer clube com o status de substituto não é tarefa fácil. Ainda mais quando se trata da missão de ocupar o lugar de Gabriel Batistuta, um dos maiores atacantes da seleção argentina e da Fiorentina. Foi esta tarefa inglória que, em 2000, ficou nos pés de Leandro Amaral, um atacante de apenas 22 anos que havia brilhado no futebol brasileiro.

Leandro nasceu no inverno paulista de 1977 e foi influenciado pela família a gostar do esporte desde cedo, já que seu pai, Júlio Amaral, foi jogador do Palmeiras na década de 1960. E foi no próprio futebol paulista que o atacante iniciou sua caminhada. Formado na base da Portuguesa, ele se tornou a revelação da Lusa no Campeonato Brasileiro de 1997, quando foi vice-artilheiro do time na competição, com 10 gols marcados.

No ano seguinte, Leandro Amaral teve Evair como companheiro de ataque. Anos antes, o brasileiro tinha caído nas graças da torcida da Atalanta por ter formado, com Claudio Cannigia, a maior dupla de frente já vista em Bérgamo e alçado a equipe ao patamar internacional. Pela Lusa, Leandro e Evair comandaram a campanha do clube até as semifinais do Campeonato Paulista e do Brasileirão de 1998. Naquela edição do torneio nacional, o jovem obteve destaque ao balançar as redes 15 vezes.

A temporada de 1999 já não foi muito boa para Leandro. A Portuguesa contratou Mário Jorge Lobo Zagallo como técnico, mas não foi ao mata-mata do Paulistão nem se deu bem no Brasileiro: o experiente treinador foi demitido no meio da competição nacional, da qual a Lusa foi apenas a penúltima colocada. Não foi rebaixada apenas porque a queda se definia por média de pontos e as campanhas nos três anos anteriores haviam sido ótimas. O atacante, porém, continuava em destaque.

Em perfeita decolagem no início da carreira, Leandro migrou para o futebol europeu depois do Paulista de 2000. O destino, a princípio, seria o Porto: tudo já estava certo para representar os dragões pelas cinco temporadas seguintes. A concorrência da Fiorentina, que também se interessara pelo atacante, parecia batida. Ledo engano.

Quando o brasileiro já tinha apresentação marcada em Portugal e até mesmo um amistoso entre Porto e Lusa havia sido organizado como parte do acordo pela transferência, apareceu Vittorio Cecchi Gori. O presidente da Viola ligou para o atacante e lhe prometeu o triplo do salário que o emblema portista havia oferecido. Por isso, sem dar nenhuma satisfação e sequer aparecer na coletiva de imprensa combinada, Leandro deixou o hotel em que estava hospedado, no Porto, e rumou diretamente para Florença. Dessa forma, Amaral seguia os passos de Julinho Botelho e trocava a Portuguesa pela Fiorentina.

Leandro foi disputado a tapa por Porto e Fiorentina, mas o time italiano levou a melhor (imago/Buzzi)

Assim que chegou à Viola, Leandro percebeu o peso de sua missão: afinal, iria vestir a camisa 9, que era do ídolo Batistuta, recém-negociado com a Roma. O atacante também começou 2000-01 com a expectativa de defender o Brasil nos Jogos Olímpicos de Sydney, mas só participou dos amistosos preparatórios e ficou na lista extra de Vanderlei Luxemburgo, que podia convocar apenas 18 atletas para a competição.

Durante a pré-temporada, em Florença, Leandro recebeu o apoio do técnico Fatih Terim. Dentro de campo, por sua vez, o atacante teria parceria com outro brasileiro: o “coveiro” Amaral. Ambos haviam disputado a temporada anterior em clubes fundados pela colônia portuguesa na América do Sul. O primeiro vinha da Lusa e o segundo, do Vasco da Gama.

Desde o início da sua nova jornada em território europeu, Leandro – que ainda não incorporara o sobrenome à sua alcunha esportiva – se mostrou muito versátil. O paulistano tinha habilidade para jogar em diferentes funções do ataque, seja como referência seja como opção de velocidade. Por conta de suas características e de seu biotipo, acabou sendo comparado a Edmundo, que defendera o time violeta pouco antes. A torcida, porém, esperava que o novo reforço entregasse apenas a parte futebolística, deixando as polêmicas do Animal de lado.

Não demorou muito para Leandro Amaral marcar o seu primeiro gol. Logo na sua terceira partida pela Fiorentina, o atacante balançou as redes no empate por 2 a 2 contra os austríacos do Tirol Innsbruck. Apesar do resultado, a equipe italiana foi eliminada precocemente da Copa Uefa, ainda na primeira eliminatória.

O bom início de temporada não parou só por aí. Na sua estreia na Serie A, em jogo válido pela segunda rodada, Leandro foi lançado a campo no minuto 74, no lugar do sérvio Predrag Mijatovic. A Fiorentina perdia em casa para a Reggina, mas virou o placar para 2 a 1 com gols anotados pelos seus reforços: Nuno Gomes, aos 86, e Leandro, com bela cabeçada, aos 91. As manchetes de jornais de Florença chamavam o brasileiro de “salvador”. Um belo cartão de visitas.

A primeira impressão deixada foi ficando cada vez melhor. Em sua segunda aparição na Serie A, outro gol decisivo – o do empate contra o Brescia. Poucos estrangeiros, como Ramón Díaz e Luís Oliveira, conseguiram anotar com a camisa da Fiorentina em suas duas primeiras chances pelo Campeonato Italiano. O brasileiro fez um mês de outubro sensacional.

O brasileiro teve impacto imediato em Florença: Leandro marcou gols decisivos pela equipe violeta (Allsport)

Nas primeiras semanas de novembro, Leandro Amaral continuou a todo vapor: chegou a cinco gols e uma assistência em cinco partidas do campeonato: deu passe para Rui Costa anotar no empate por 3 a 3 com o Bari, guardou uma doppietta na derrota por 4 a 3 para o Perugia e mais outro na igualdade com o Bologna, garantindo o 1 a 1 no Dérbi dos Apeninos disputado na casa do adversário. Apesar disso, o atacante parou por aí.

A magia inicial do brasileiro foi minguando com o tempo, na medida em que a Fiorentina passou a ser pressionada por melhores resultados no campeonato e em que Leandro começou a ter problemas nos joelhos, já operados anteriormente. Nas 28 rodadas seguintes, esteve à disposição em 25 delas, mas disputou somente 14 partidas, com nenhum gol marcado. A situação de Amaral ficou pior depois que Terim se demitiu, no início de março, e Roberto Mancini chegou a Florença. O novo técnico não era um grande apreciador do futebol do camisa 9, que não rendia e foi perdendo espaço para outros atacantes do elenco, como Enrico Chiesa, Nuno Gomes e Mijatovic.

Apesar de não ter sido protagonista em toda a campanha da Fiorentina na Serie A, concluída na 9ª colocação, Leandro teve importância na conquista do título da Coppa Italia. Nas quartas de final, marcou duas vezes na goleada por 6 a 0 sobre o Brescia e o gol de honra na derrota por 3 a 1 para os biancazzurri, no jogo de volta. Contudo, não foi utilizado dali em diante: das tribunas, Amaral assistiu a Viola passar pelo Milan nas semifinais e bater o Parma na decisão.

Embora tenha sido pouco utilizado por Mancini na metade final da campanha gigliata, Leandro Amaral teve oportunidades pela Seleção. Entre maio e junho de 2001, vestiu a camisa amarelinha no vexame do Brasil na Copa das Confederações: atuou três vezes como titular e saiu do banco na última aparição, na disputa do terceiro lugar contra a Austrália. O escrete de Emerson Leão amargou a quarta posição e o atacante, que passou em branco no torneio disputado no Japão e na Coreia do Sul, nunca mais foi convocado.

Depois de alguns dias de férias, Leandro voltou à Itália e se reapresentou em Florença para a temporada 2001-02. Contudo, só participou de duas partidas. Entrou no decorrer da acachapante derrota por 3 a 0 diante da Roma, em pleno Olímpico, pela Supercopa Italiana, quando o vice da Fiorentina já estava consolidado. Nada pode fazer também quando foi ao gramado contra o Chievo, que estreava na Serie A: a derrota por 2 a 0 em pleno Artemio Franchi já estava encaminhada.

Àquela altura, já eram perceptíveis nos gramados os problemas financeiros do clube, que também interromperam a estadia do jogador em Florença. Depois da partida contra o Chievo, Leandro voltou ao Brasil, emprestado ao Grêmio, para aliviar a folha salarial violeta – Amaral ganhava 3,5 bilhões de velhas liras anuais. A negociação foi tão rápida que a diretoria sequer avisou a Mancini da saída. Para o gosto do técnico, o atacante não faria mesmo falta.

Pouco utilizado no fim de sua passagem por Florença, Leandro viu a Viola entrar em crise e lhe negociar (Allsport)

Leandro saiu precocemente de Florença, mas teve bons números com a camisa da Fiorentina: foram 26 jogos, com nove gols marcados e duas assistências distribuídas. Ele também se mostrou um atacante caseiro na passagem pelo futebol italiano, já que seis desses tentos foram anotados no Franchi. Só que, obviamente, o desempenho ficou muito aquém do que a torcida violeta tinha se acostumado nos anos anteriores, nos quais teve Batigol. O brasileiro só esteve à altura do craque argentino nos seus dois primeiros meses em campo. Uma estrela cadente, em suma.

No Brasil, Leandro acompanhou de longe o cenário caótico do clube da Toscana, que viria a ser relegado ao quarto escalão do futebol italiano após decretar falência. Antes disso, Amaral viveu às voltas com lesões no Grêmio e, em janeiro de 2002, já havia trocado de clube: para não perdê-lo de graça, já que a bancarrota era iminente e os contratos vigentes seriam invalidados, Cecchi Gori negociou o atacante em definitivo com o São Paulo, a preço de banana.

Sem sucesso no São Paulo, novamente devido às lesões, Leandro rodou por mais alguns clubes brasileiros (Palmeiras, Corinthians e Ituano) até retornar à Portuguesa, equipe que o revelou. Pela Lusa, disputou por duas vezes a Série B, em 2004 e 2005, sendo que, entre as competições, teve uma passagem relâmpago pelo Istres, da França: atuou por apenas 12 minutos no clube, que foi rebaixado para a Ligue 2 na condição de lanterna do campeonato.

Em suas últimas aparições pela Portuguesa, Leandro não conseguiu conquistar o acesso à elite, mas isso não apagou o seu status de ídolo da Lusa. Apelidado como “Matador do Canindé”, o paulistano é um dos símbolos da agremiação rubro-verde, já que é o maior artilheiro do estádio do Canindé, com 62 gols marcados em 94 partidas.

Leandro Amaral ainda teria destaque no futebol carioca. Pelo Vasco, voltou a viver bons momentos: foi autor de 32 gols e 16 assistências em 69 partidas disputadas, sendo um dos cinco maiores artilheiros do Brasileirão de 2007, com 14 bolas nas redes. Ele também militou por Fluminense e Flamengo, onde encerrou sua carreira, em 2010, aos 33 anos. O motivo para a aposentadoria foi uma sequência de lesões no joelho. O mesmo mal que condicionou a sua estadia na Itália lhe impediu de ter uma melhor condição física na parte final da carreira.

É inquestionável que os problemas físicos atrapalharam o andamento da carreira de Leandro Amaral. Os seus joelhos o traíram no momento mais importante que teve na Itália e também o fizeram encerrar precocemente a carreira. Todavia, também não dá para negar que o atacante paulistano construiu uma bela trajetória nos clubes de colônia portuguesa do Brasil e que foi capaz de suceder Batistuta na Fiorentina com certa galhardia. Bom, pelo menos por dois meses.

Leandro Câmara do Amaral
Nascimento: 6 de agosto de 1977, em São Paulo (SP)
Posição: atacante
Clubes: Portuguesa (1997-2000, 2004 e 2005-06), Fiorentina (2000-01), Grêmio (2001), São Paulo (2002), Palmeiras (2003), Corinthians (2003), Ituano (2004), Istres (2005), Vasco (2006-07 e 2008), Fluminense (2008 e 2009-10) e Flamengo (2010)
Títulos: Coppa Italia (2001) e Supercampeonato Paulista (2002)
Seleção brasileira: 4 jogos

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