Entre as décadas de 1980 e 1990, a Alemanha Ocidental produziu alguns dos jogadores mais célebres de sua história. A geração que foi vice-campeã mundial em 1986 e que levantou a taça quatro anos depois também cedeu muitos atletas para a Serie A: 12 dos integrantes daqueles plantéis atuaram no futebol italiano. O defensor Thomas Berthold foi um deles e vestiu as camisas de Verona e Roma.
Nascido em novembro de 1964 em Hanau, cidade localizada a apenas 25 quilômetros de Frankfurt, Berthold foi criado numa família de boas condições financeiras. Seu pai era um funcionário do alto escalão do Deutsche Bank e trabalhava na metrópole vizinha, centro financeiro da Alemanha. Thomas ingressou nas categorias de base do Eintracht Frankfurt aos 13 anos e se formou como jogador pelas águias.
Berthold foi integrado ao plantel profissional do Eintracht em 1982 e estreou em março de 1983, entrando na segunda etapa de uma derrota para o Hamburgo. O defensor podia ser escalado como zagueiro ou lateral-direito e, nas duas funções, contribuiu para que os frankfurtianos escapassem do descenso nas cinco temporadas em que lhes representou.
No clube do sudoeste germânico, Thomas chamou a atenção pelo seu bom desempenho e passou a frequentar as listas das seleções de base da Alemanha Ocidental. Em 1985, o defensor estreou pela Nationalelf numa derrota caseira em amistoso contra a Hungria, mas agradou ao técnico Franz Beckenbauer. As oportunidades continuaram chegando para Berthold, que foi convocado para a Copa do Mundo de 1986 na condição de titular da lateral-direita: na campanha do vice-campeonato, ele só não atuou na semifinal contra a França, pois cumpria suspensão.
As exibições de Berthold no México foram marcadas pela facilidade com que deixava os rivais para trás quando avançava ao ataque pelo flanco direito e, consequentemente, por seu poder de apoio. Em 1987, depois de terminar a Serie A na quarta posição, o Verona decidiu investir na aquisição do defensor germânico de 23 anos, cujas características se assemelhavam às de Hans-Peter Briegel, seu colega de seleção e peça-chave para a conquista do scudetto do Hellas, em 1984-85.
Pelos butei, Thomas jamais atingiu o nível de seu compatriota. Apesar de ter grandes atributos atléticos, força física e boa técnica, Berthold se revelou um jogador que facilmente se distraía com elementos extracampo. Costumava viajar bastante de carro para Milão, a 150 quilômetros de Verona, para se divertir em noitadas e encontrar com affairs.
Em suas atuações, também mostrava parte dessa falta de foco e, por vezes, irritava a torcida. À boca miúda corria uma piada infame entre os gialloblù: diziam que Berthold ficava tão fixo junto à linha lateral, se guiando pelas placas de publicidade, que se alguém decidisse afastá-las do terreno de jogo, ele correria fora do campo sem perceber. Naturalmente, era um exagero; uma hipérbole causada pela frustração. A torcida esperava mais de um vice-campeão mundial.
Berthold, porém, tinha os seus lampejos. Quando avançava ao ataque com potência, os adversários sentiam dificuldade de pará-lo, ao passo que os chutes fortes de média distância e a habilidade na bola aérea também se sobressaíam. Na primeira temporada vestindo gialloblù, o alemão mostrou presença de área ao marcar um gol muito importante contra o Utrecht, na visita do Verona ao time holandês, e encaminhou a classificação para as oitavas de final da Copa Uefa.
O Hellas viria a cair nas quartas do torneio continental. A campanha nos palcos europeus representou o ponto alto de uma temporada em que um time cheio de remanescentes do scudetto – Silvano Fontolan, Antonio Di Gennaro, Domenico Volpati e Preben Elkjaer Larsen, além do técnico Osvaldo Bagnoli – não impressionou na Coppa Italia e teve desempenho mediano na Serie A, concluída na 10ª posição. Para Berthold, apenas algumas (raras) boas atuações no campeonato.

O alemão passou duas temporadas pelo Verona, ambas concluídas no meio da tabela da Serie A (imago/Kicker/Liedel)
Thomas não havia impressionado, mas o pesado investimento feito pelo Verona motivou a diretoria a não negociá-lo para buscar um novo estrangeiro – na transição entre 1987-88 e 1988-89, a liga aumentou o limite de gringos de dois para três por clube. Na janela de transferências, o diretor esportivo Emiliano Mascetti buscou os argentinos Pedro Troglio e Claudio Caniggia para suprir as saídas de Di Gennaro e Elkjaer, além de repatriar Giuseppe Galderisi. Contudo, o Hellas se manteve no meio da tabela e Berthold não atingiu o nível de atuações mostrado na Copa de 1986: fez um campeonato regular, ratificando qualidades e defeitos. Após 74 partidas e quatro gols, foi negociado com a Roma.
Na Cidade Eterna, Berthold reencontrou o compatriota Rudi Völler, seu colega de seleção, e não teve problemas de adaptação. Thomas vestiria a camisa da equipe da Roma por dois anos e, na capital colecionaria momentos mais felizes do que os vividos no Vêneto.
Sob o comando de Luigi Radice, em 1989-90, o alemão foi utilizado mais frequentemente como zagueiro central – embora ainda ganhasse espaço também na lateral direita. Na primeira temporada pela Roma, Berthold contribuiu para que a Loba fosse semifinalista da Coppa Italia e terminasse a Serie A na sexta colocação, o que significava a classificação para a Copa Uefa seguinte. Com presença de área, Thomas marcou gols de cabeça nos triunfos sobre Atalanta e Udinese.
No verão de 1990, Berthold se juntou à seleção da Alemanha Ocidental para disputar a Copa do Mundo, que acontecia na própria Itália. Absoluto no time treinado por Beckenbauer, o defensor entrou em campo em todas as partidas da Nationalelf, que jogaram em Milão até as quartas, passaram por Turim na semifinal e desembarcaram na capital para a decisão. No Olímpico, os alemães consumaram a sua revanche sobre a Argentina e possibilitaram que Thomas e Völler se tornassem os primeiros não italianos a se sagrarem campeões mundiais enquanto representavam a Roma no futebol de clubes.
Depois de comemorar, com a seleção, o seu primeiro título tanto em solo italiano quanto na Cidade Eterna, Berthold tinha ainda mais respaldo na Roma. Em 1990-91, com a chegada do treinador Ottavio Bianchi, o alemão manteve o seu posto habitual no onze giallorosso e brilhou nas competições de mata-mata – nas quais a Loba compensou a conturbada campanha na Serie A, concluída apenas na nona colocação, a pior desde 1979.
Na Copa Uefa, a Roma deixou muitos adversários de peso para trás até ser finalista: eliminou Benfica, Valencia, Bordeaux, Anderlecht e Brondby até dar de cara com a Inter na decisão. O primeiro jogo terminou com vitória nerazzurra (2 a o em Milão), e, na volta, o gol de Ruggiero Rizzitelli não foi suficiente para que a Loba faturasse o tão sonhado título europeu. Na taça nacional, a história foi diferente e Berthold teve grande contribuição para o final feliz.
A equipe giallorossa deixou Foggia e Genoa para trás nas duas fases iniciais e, nas quartas, teria de bater a Juventus de Roberto Baggio. Na ida, no Olímpico, um gol contra de Dario Bonetti e um do bianconero Pierluigi Casiraghi levaram ao placar de 1 a 1; na volta, no Delle Alpi, além de ajudar a parar Baggio, Berthold abriu o placar com uma cabeçada fulminante e encaminhou o triunfo dos capitolinos, garantido por Rizzitelli.
Nas semifinais, foi a vez de a Roma passar pelo Milan de Arrigo Sacchi. A decisão seria contra a Sampdoria, campeã italiana daquela temporada, que meses depois chegaria à final da Copa dos Campeões com o Barcelona. A Loba venceu o jogo de ida por 3 a 1, contando com um gol de Berthold, aos 35 minutos: como se fosse um autêntico centroavante, o zagueiro apareceu na área rival e, de cabeça, completou um cruzamento de Völler. A partida representaria a despedida de Thomas, já que ele não atuou no empate por 1 a 1 em Gênova, que garantiu a taça. Com a boa lembrança, o alemão retornaria para seu país após anotar cinco tentos em 87 aparições com a camisa giallorossa.

Na Roma, Berthold se destacou principalmente na campanha do título da Coppa Italia, em 1990-91 (imago)
Berthold foi vendido ao Bayern de Munique, mas não teve sucesso no maior clube da Alemanha. Em 1991-92, os Roten tiveram três treinadores (Jupp Heynckes, Soren Lerby e Erich Ribbeck), terminaram a Bundesliga num vexatório 10º lugar e ainda foram eliminados precocemente nas copas. Após divergências com Ribbeck, o defensor passou toda a temporada 1992-93 afastado do elenco. Pelo momento negativo, Thomas perdeu o espaço na seleção e nem foi convocado para a Euro 1992.
Na fase final de sua carreira, o defensor viveu uma espécie de segunda juventude no Stuttgart. As boas atuações pelos suábios lhe devolveram à seleção, com a qual foi titular na Copa de 1994, e também resultaram num título da Copa da Alemanha, em 1997 – havia quase quatro décadas que o time não conquistava a competição. A equipe alvirrubra também foi vice-campeã da Recopa Uefa, em 1998, perdendo para o Chelsea de Gianluca Vialli, Gianfranco Zola e Roberto Di Matteo.
O defensor ainda teve uma curta experiência no futebol turco, ao vestir a camisa do Adanaspor, que foi rebaixado para a segunda divisão do país. Aposentado aos 36 anos, o alemão ocupou um cargo na diretoria do Fortuna Düsseldorf entre 2003 e 2005, mas foi demitido por emitir um recibo de reembolso para um jantar que nunca existiu.
As polêmicas, aliás, circundam o ex-jogador nos últimos anos. Berthold fez uma propaganda em que declarava que uma publicação antissemita, permeada por infundadas teorias da conspiração, era o seu livro de cabeceira; se envolveu com partidos de extrema direita e atos antidemocráticos; chegou a ser investigado por órgãos que visam preservar a constituição alemã; e, por fim, se tornou um negacionista da pandemia de covid-19.
Thomas Berthold
Nascimento: 12 de novembro de 1964, em Hanau, Alemanha
Posição: zagueiro e lateral-direito
Clubes: Eintracht Frankfurt (1982-87), Verona (1987-89), Roma (1989-91), Bayern de Munique (1991-93), Stuttgart (1993-2000) e Adanaspor (2001)
Títulos: Copa do Mundo (1990), Coppa Italia (1991), Copa da Alemanha (1997) e Copa Intertoto (2000)
Seleção alemã: 62 jogos e 1 gol