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Mirko Vucinic foi alvo de questionamentos, mas construiu carreira vitoriosa na Itália

Versátil no ataque, capaz de marcar gols e criar chances para companheiros, Mirko Vucinic esbanjou categoria nos campos da Itália, ainda que passasse longe de ser unanimidade para os torcedores dos times que representou. O jogador foi descoberto muito novo, quando atuava por um modesto clube de Montenegro, seu país natal, e fez carreira na Velha Bota: brilhou pelo Lecce, se consolidou pela Roma e também participou do início do período de hegemonia da Juventus, equipe pela qual levantou cinco troféus. Além disso, sua carreira foi marcada por acontecimentos pitorescos e algumas polêmicas.

Nascido em Niksic, cidade montenegrina que compunha a então Iugoslávia, em outubro de 1983, Vucinic começou a carreira no clube de sua cidade natal, o Sutjeska. Mirko estreou no profissional com apenas 16 anos e se tornou o jogador mais jovem a ter pisado nos campos da elite do Campeonato Iugoslavo. Após marcar em sua primeira partida e fazer boas atuações, chamou a atenção de Pantaleo Corvino, diretor de futebol conhecido por ter um bom olho para atletas promissores. Assim, o atacante foi contratado pelo Lecce no verão de 2000.

Ainda menor de idade, Vucinic começou a desfilar nos campos italianos. Em 18 de fevereiro de 2001, aos 17 anos, estreou pelo Lecce na derrota por 1 a 0 para a Roma pela Serie A. Inicialmente, Mirko concluía a sua formação na fortíssima equipe sub-19 salentina e, às vezes, ganhava chances entre os adultos. Considerado uma joia rara, o iugoslavo ganhou a camisa 9 mesmo antes de alcançar os 18 – a recebeu em 2001-02.

Vucinic se firmou entre os titulares do Lecce a partir de 2002, ano em que os apulianos acabaram rebaixados para a Serie B. Após se destacar na campanha do título da Coppa Italia Primavera, o atacante passou a ser bastante utilizado na segundona do Italiano. Pela temporada 2002-03, jogou em 28 partidas e anotou cinco gols, ajudando o time dirigido por Delio Rossi a subir para a elite na terceira colocação.

Vucinic começou a se destacar muito cedo pelo Lecce, que o descobriu antes mesmo que tivesse atingido a maioridade (LaPresse)

Àquela época, Vucinic ainda se dividia entre a equipe principal e o time sub-19 – pelos juvenis, inclusive, faturou o scudetto duas vezes, em 2003 e 2004, únicas ocasiões em que o Lecce conseguiu o feito. Em 2003-04, o jogador, que costumava atuar como ponta ou segundo atacante, marcou o seu primeiro gol na Serie A contra o Ancona, numa partida vencida pelos giallorossi por 3 a 1, em setembro de 2003. Mirko seria titular na campanha, mas sofreu uma grave lesão no joelho, precisou ficar parado por meses e acabou somando apenas 13 aparições na temporada.

Depois da adaptação ao time profissional e totalmente recuperado da lesão, Vucinic se estabilizou. Em 2004-05, aproveitou a saída do goleador Ernesto Javier Chevantón para o Monaco e assumiu o posto de protagonista no modesto clube da região da Apúlia. Sob o comando do ofensivo técnico Zdenek Zeman, o atacante finalmente explodiu.

O Lecce de Zeman teve rendimento semelhante ao do comandado por Rossi, que concluíra a Serie A na 10ª posição. Num campeonato bem mais concorrido, no qual a diferença de pontos entre o oitavo e o penúltimo colocado foi de apenas sete pontos, os giallorossi conseguiram o 11º lugar – e o fizeram com muita fantasia, ao melhor estilo zemaniano. Os apulianos foram os primeiros da história a terem a pior defesa do certame e, mesmo assim, não serem rebaixados, e ainda tiveram o segundo melhor ataque, com 66 gols marcados. Vucinic foi a grande fonte de tentos e o principal destaque da equipe.

Atuando como ponta pela esquerda ou centroavante, Mirko anotou 19 gols pelo Italiano, igualando Chevantón como principal artilheiro do Lecce numa edição do campeonato. Os seus tentos lhe garantiram o quinto lugar na tábua de marcadores, atrás de Cristiano Lucarelli, Alberto Gilardino, Vincenzo Montella e Luca Toni, porém na frente de craques como Andriy Shevchenko, Adriano, Zlatan Ibrahimovic e Alessandro Del Piero.

O mais impactante no feito de Vucinic é que Zeman sequer o considerava titular absoluto. Na primeira metade do campeonato, Mirko revezava o posto de centroavante com Valeri Bojinov e Sasa Bjelanovic, e também concorria com Alex Pinardi e Axel Konan na ponta. O montenegrino só foi se firmar mesmo no onze inicial do Lecce após a venda de Bojinov para a Fiorentina. No fim das contas, balançou as redes contra oito dos 13 adversários diretos pela permanência, castigou Juventus, Milan e Roma e ainda anotou uma tripletta contra a Lazio.

Conhecido pela irreverência, Vucinic fez sucesso em três clubes italianos, começando pelo Lecce (imago/IPA Photo)

O sucesso na Serie A levou Vucinic ao reconhecimento internacional. Em 2004, estreou pela seleção sub-21 de Sérvia e Montenegro e, meses depois, ganhou oportunidades na equipe adulta do país. Apelidado de “Maradona dos Bálcãs”, Mirko chegou cacifado à temporada 2005-06, e seria o maior destaque do Lecce. Contudo, Zeman não teve o contrato renovado e o time do presidente Giovanni Semeraro caiu pelas tabelas.

O Lecce foi rebaixado de forma enfática, sem oferecer muita objeção. Vucinic era um dos poucos de resistência do time e foi o principal nome da confusa temporada salentina, ocupando os postos de jogador que mais vezes entrou em campo (34) e daquele que mais participou de gols – forneceu cinco assistências e marcou nove, sendo o primeiro apenas na 12ª rodada. Mirko ainda teve destaque pela seleção sub-21 sérvio-montenegrina ao anotar uma tripletta contra a Croácia, na qualificatória para a Eurocopa da categoria, e atuou na partida de estreia da competição. No entanto, se lesionou e pouco pode ajudar na campanha do terceiro lugar do seu país. O problema físico também acabou lhe deixando de fora da Copa do Mundo de 2006.

A queda do Lecce foi a deixa para Vucinic trocar de ares, após 118 partidas e 37 gols. As atuações arrebatadoras do atacante despertaram o interesse da Roma, que contratou o jogador de apenas 22 anos por empréstimo com valor fixado ao final da temporada.

A primeira campanha com a camisa giallorossa, em 2006-07, não começou bem. De cara, Mirko apresentou um problema no joelho e precisou passar por duas cirurgias no menisco. Além disso, o montenegrino tinha simplesmente a concorrência de Francesco Totti no ataque do time comandado por Luciano Spalletti. O recém-chegado anotou apenas três gols naquela época, mas um deles saiu nas quartas de final da Liga dos Campeões, em vitória por 2 a 1 sobre o Manchester United.

Apesar da temporada sem brilho individual, o Maradona dos Bálcãs participou da conquista da Coppa Italia pela Roma e acabou adquirido em definitivo pela equipe da Cidade Eterna, que pagou cerca de 19 milhões de euros por seu passe. O ano de 2007 também marcou um momento importante na carreira de Vucinic no futebol de seleções. Com a independência de Montenegro, ele passou a representar a seleção alvirrubra, da qual se tornou capitão. Mirko, inclusive, anotou o primeiro gol da história da seleção montenegrina, em amistoso vencido contra a Hungria, em março.

Depois de se recuperar de problemas físicos, Vucinic passou a entregar bom futebol pela Roma (AFP/Getty)

Em 2007-08, o atacante trocou a camisa de número 23 pela 9, herdada de Montella. Com a mudança, vieram também os gols. Mirko começou como ponta esquerda no 4-2-3-1 de Spalletti, que mantinha Totti como centroavante e, devido a uma lesão do ídolo romanista, teve suas chances como referência. Correspondeu na função: marcou nove vezes pela Serie A, garantindo dois triunfos sobre o Milan e um contra a Lazio, além de ainda ter fornecido uma assistência no dérbi. Para completar, o montenegrino anotou quatro pela Liga dos Campeões, sendo um sobre o Real Madrid, eliminado pelos giallorossi nas oitavas de final.

Naquela campanha, a Roma foi vice-campeã nacional e caiu nas quartas da Champions League, ante o carrasco Manchester United. Mas Vucinic pode levantar as suas primeiras taças como profissional: a da Supercopa Italiana e a da Coppa Italia, ambas sobre a Inter.

A temporada 2008-09 não foi a dos sonhos para a Roma e foi de altos e baixos para o atacante. O clube, além de ter perdido o presidente Franco Sensi, morto no início da campanha, ainda fracassou em todas as competições. Vucinic, por sua vez, foi o artilheiro da Loba, com 17 gols no ano, mas amargou a perda de um pênalti na decisão por cobranças das oitavas de final contra o Arsenal, que garantiu o time inglês na fase seguinte.

Em meio à atribulação, contudo, o atacante cunhou aquela que seria a sua marca registrada. Nos acréscimos de um jogo contra o Cagliari, válido pela 16ª rodada da Serie A, o montenegrino sacramentou a vitória de virada da Roma por 3 a 2. Depois de balançar as redes, Vucinic saiu correndo em direção à famosa Curva Sud do Olímpico, tirando a camisa e também o calção, permanecendo de cueca. O striptease rendeu reclamações de um torcedor romanista, que fora árbitro amador e acreditava que o atleta havia desrespeitado o clube e o povo italiano. Ofendido com o que chamou de “gestos obscenos”, o carola até entrou com uma denúncia na justiça desportiva, mas o processo não foi adiante.

Por sua vez, a Roma confiava no montenegrino e renovou o seu contrato por mais quatro épocas – o atacante ainda recebeu um generoso aumento salarial para a temporada 2009-10. Apesar disso, a equipe teve um péssimo início de ano e os atritos que Spalletti colecionava internamente resultaram em sua demissão após a segunda rodada da Serie A. Claudio Ranieri, seu substituto, ajustou a Loba, mas demorou um pouco para conseguir. Em novembro de 2009, inclusive, Vucinic foi vaiado pela torcida após marcar contra o Bologna, encerrando um jejum de nove partidas sem balançar as redes. A avaliação dos ultras era de que a irregularidade de Mirko se devia à preguiça que ele teria para se esforçar.

Pela Roma, o montenegrino acumulou gols contra adversários de peso, como a rival Lazio (imago)

Os giallorossi, porém, viram o melhor Vucinic naquela temporada. O montenegrino aliou velocidade, dribles, força física, visão de jogo, bom posicionamento, habilidade na troca de passes e precisão nas finalizações – incluindo as de média e longa distância, com ambos os pés – para ser um dos comandantes da ótima campanha do time de Ranieri. Ao todo, o atacante anotou 19 gols. Pela Serie A, Mirko colocou 14 bolas nas redes, sendo fundamental para a conquista de empates contra Inter e Napoli, e vitórias sobre Fiorentina, Catania, Bari, Udinese e Lazio – nessas duas últimas partidas, guardou, respectivamente, uma tripletta e uma doppietta. Ele também contribuiu com oito assistências.

A Roma voou na tabela e brigou pelo scudetto com a Inter de José Mourinho, ficando a apenas dois pontos do título, que acabou com o time da capital da Lombardia. Na mesma época, perdeu a decisão da Coppa Italia também para a Beneamata e caiu na fase de 16 avos de final da Liga Europa para o Panathinaikos, da Grécia. A falta de taças, porém, desestabilizou a Loba, que começou 2010-11 perdendo a Supercopa Italiana mais uma vez para aos nerazzurri de Milão, apesar de um gol anotado por Vucinic na partida.

Com o passar do tempo, Mirko foi se desestimulando. A irreverência que o acompanhava foi trocada por mau humor: se envolveu em atritos com o técnico Ranieri, passou a colecionar atuações ruins, gols perdidos e sequer comemorava quando balançava as redes. Só parecia feliz quando defendia a seleção de Montenegro – como quando marcou o tento decisivo numa vitória dos balcânicos sobre a Suíça, pelas Eliminatórias para a Euro 2012, em outubro de 2010, e ficou de cueca para celebrar.

A instabilidade da equipe levou à demissão de Ranieri, em fevereiro de 2011, e a Roma decidiu apostar no ídolo Montella, até então treinador de suas categorias de base. Apesar do reencontro com o antigo colega, Vucinic não conseguiu melhorar sua performance e a Loba fez uma temporada decepcionante, com um sexto lugar no Italiano, uma queda na semifinal da Coppa Italia e uma eliminação precoce na Liga dos Campeões. O montenegrino anotou 11 tentos em 37 partidas.

O clima na Cidade Eterna não estava nada bom para Vucinic e, no verão europeu de 2011, ele foi respirar novos ares: por cerca de 15 milhões de euros, assinou com a Juventus. Mirko se despediu dos giallorossi após 202 aparições, 64 gols, 30 assistências e três títulos conquistados. Além disso, com quatro tentos anotados no Derby della Capitale, entrou para o rol dos 10 principais artilheiros romanistas no clássico contra a Lazio.

Vucinic trocou a capital por Turim, cidade em que seria tricampeão italiano pela Juventus (AFP/Getty)

Vucinic chegava a Turim como a contratação mais cara de um mercado de reestruturação para a Velha Senhora. A Juventus havia amargado duas sétimas posições consecutivas na Serie A e, para reagir, buscou nomes como o próprio Mirko, Andrea Pirlo, Arturo Vidal e Stephan Lichtsteiner, que seriam comandados por Antonio Conte, que assumira a gigante naquela mesma época. Nomes como Gianluigi Buffon, Andrea Barzagli, Leonardo Bonucci, Giorgio Chiellini, Claudio Marchisio e Alessandro Del Piero eram pilares da equipe, mas o atacante montenegrino também ganhou a confiança do técnico, que deu o pontapé inicial para uma nova hegemonia nacional da agremiação piemontesa.

Embora jamais tenha sido um grande destaque da formação juventina, Vucinic foi muito importante para o futebol coletivo pregado por Conte. O atacante marcou 10 gols em 35 partidas, vitimando adversários importantes (como Inter, Fiorentina, Napoli e Milan) e dividiu a artilharia bianconera em 2011-12 com Marchisio e Alessandro Matri. No entanto, foi ainda mais eficiente como criador: contribuiu com muitos apoios, aberturas de espaços e, principalmente, 12 assistências na Serie A. A equipe de Turim garantiu o scudetto e ficou com o vice da Coppa Italia.

Individualmente e coletivamente, a temporada 2012-13 foi ainda melhor para Vucinic. Na abertura da campanha, pela Supercopa Italiana, o atacante anotou um tento e ajudou na revanche sobre o Napoli, que havia vencido a Coppa Italia. No total, Mirko somou 40 atuações, oito assistências e 13 gols marcados naquele ano, ficando com a vice-artilharia da equipe – apenas de Vidal, que fez 14. Na doppietta sobre o Pescara, ficou eufórico e, novamente, arrancou o calção na hora de partir para o abraço.

Na última temporada com a camisa bianconera, em 2013-14, Vucinic, então com 30 anos, perdeu espaço principalmente pelas contratações de Carlos Tevez e Fernando Llorente. Assim, fez apenas 18 jogos, teve menos de um terço da minutagem em campo da época anterior e balançou a rede duas vezes. Considerado descartável, chegou a ser envolvido numa troca com a Inter por Fredy Guarín, mas protestos por parte da torcida nerazzurra – que não queriam que o meia colombiano fosse negociado – brecaram as tratativas.

O ano de despedida de Turim certamente não foi o imaginado por Vucinic. Contudo, o montenegrino ainda somou mais dois títulos (a Supercopa Italiana e a Serie A) antes de ser vendido por aproximadamente 6,3 milhões de euros para o Al-Jazira, dos Emirados Árabes Unidos, onde ganharia um salário astronômico – uma quantia entre 5 e 6 milhões de euros anuais. Na primeira temporada, o atacante deixou sua marca, anotando 27 gols em apenas 24 jogos e terminando como artilheiro da liga nacional.

Vucinic não foi estelar pela Juve, mas teve participação importante nos dois primeiros scudetti da hegemonia bianconera nos anos 2010 (AFP/Getty)

Nos Emirados Árabes Unidos, Mirko ainda faturou uma Copa do Presidente, mas não teve maior sucesso por conta de seguidas lesões. Os problemas físicos, inclusive, lhe fizeram encerrar a carreira ao fim da temporada 2016-17, com apenas 33 anos de idade.

A última partida de Vucinic como profissional ocorreu por Montenegro, em amistoso com o Irã. No total, o atacante somou 46 aparições e 17 gols pela seleção, cujo melhor resultado nos anos em que Mirko foi capitão foi a classificação para a repescagem das Eliminatórias para a Euro 2012 – ocasião em que a Chéquia levou a melhor. O Maradona dos Bálcas ainda foi eleito sete vezes como o melhor jogador montenegrino da temporada, em 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013.

Depois de parar, Vucinic se afastou do futebol. O mais curioso é que ele iniciou uma carreira no golfe e, inclusive, chegou tanto a se profissionalizar quanto a participar de competições. Seguir um caminho habitual, realmente, nunca foi do feitio do ex-atacante.

Mirko Vucinic
Nascimento: 1º de outubro de 1983, em Niksic, Montenegro
Posição: atacante
Clubes: Sutjeska (1998-2000), Lecce (2000-06), Roma (2006-11), Juventus (2011-14) e Al-Jazira (2014-17)
Títulos: Coppa Italia Primavera (2002), Campeonato Primavera (2003 e 2004), Coppa Italia (2007 e 2008), Supercopa Italiana (2007, 2012 e 2013), Serie A (2012, 2013 e 2014) e Copa do Presidente (2016)
Seleção sérvio-montenegrina: 3 jogos
Seleção montenegrina: 46 jogos e 17 gols

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