O futebol italiano já apresentou diversos personagens interessantes e, por vezes, pouco reconhecidos. Nas principais ligas, é possível enxergar quem são os seus andarilhos, com passagens por diversas equipes e que, por isso, oferecem a possibilidade de acionar a chamada “lei do ex” em várias ocasiões. Na Itália, esta figura foi Nicola Amoruso, que obteve alguns feitos impressionantes. O ex-atacante é o recordista em número de clubes defendidos na Serie A (13) e o jogador que marcou por mais times diferentes (12) na primeira divisão. Em sua longa carreira, fez 113 gols na elite, mas nunca recebeu chances na seleção italiana. Brilhante em agremiações modestas, ele se tornou o mais prolífico artilheiro a jamais ter sido testado na Nazionale.
Amoruso nasceu em agosto de 1974, na cidade de Cerignola, na Apúlia. Embora tenha crescido no sul da Itália, Nicola precisou atravessar o país de ponta a ponta para estrear profissionalmente no futebol: o centroavante de 1,86m foi notado pela Sampdoria quando atuava pelos juvenis do minúsculo Trinitapoli e rumou a Gênova para ingressar nas categorias de base dorianas. O seu debute entre os adultos ocorreu em dezembro de 1993, numa derrota por 3 a 0 para a Inter.
Na temporada 1993-94, o jovem atacante atuou em oito oportunidades pela Serie A e marcou três gols, ajudando a Sampdoria de Sven-Göran Eriksson a ficar na terceira posição. Amoruso ainda participou de dois jogos da Coppa Italia, competição que lhe rendeu o primeiro título da carreira. Mesmo com a boa impressão causada pela sua presença de área e pela boa capacidade de finalização tanto com os dois pés quanto através de cabeçadas, Nick tinha pouco espaço no time, que já contaria com Roberto Mancini, Alessandro Melli e Claudio Bellucci para a campanha seguinte. Assim, recebeu uma proposta da Fidelis Andria e decidiu retornar para a Apúlia.
Quando Amoruso foi contratado, os federiciani eram novatos na Serie B – haviam disputado apenas duas edições do torneio. Liderada pelo centroavante, a modesta agremiação de Andria garantiu mais uma permanência na categoria e ainda teve o prazer de bater o Lecce nos duelos regionais apulianos de turno e returno. O goleador, que anotou em uma dessas partidas, terminou a competição com 15 tentos e recebeu o apelido de Nick Piede Caldo. Em bom português, Nick Pé Quente.
Com o sucesso pelos leoni azzurri, Amoruso recebeu uma oportunidade de voltar à elite: o destino era o modesto Padova, que evitara o rebaixamento na bacia das almas em 1995, ao vencer o Genoa no pênaltis, no jogo de desempate pela permanência. Nick recebeu a camisa 11 dos biancoscudati e rapidamente ganhou o posto de esperança do time, que ainda tinha nomes como Stefano Pioli, Alexi Lalas, Michel Kreek, Stefano Fiore, Giuseppe Galderisi e Goran Vlaovic.
Amoruso balançou as redes logo em sua estreia, numa vitória por 2 a 0 sobre o Monza pela Coppa Italia. O jovem artilheiro repetiu a dose na primeira rodada da Serie A, em derrota para o Milan, e inaugurou uma contagem expressiva: anotou 14 vezes no campeonato, vitimando adversários de peso, como Parma, Juventus, Napoli, Lazio, Fiorentina e Inter. Apesar disso, o Padova não era páreo aos rivais e foi rebaixado com quatro rodadas de antecedência. Os patavini chegaram a engatar sequência de 11 derrotas consecutivas e confirmaram a queda após levarem 8 a 2 dos nerazzurri de Milão.
A grande fase pelo Padova levou Nick Piede Caldo à seleção sub-21 da Itália. Amoruso defendeu os azzurrini no Europeu da categoria, em 1996, sendo o camisa 9 de um time que contava com Gianluigi Buffon, Christian Panucci, Fabio Cannavaro, Alessandro Nesta, Damiano Tommasi, Francesco Totti e outros ótimos jogadores. O centroavante disputou as duas partidas da fase final e acabou sendo expulso na decisão, contra a Espanha. Mesmo com dois a menos – o meio-campista Raffaele Ametrano também levou cartão vermelho –, a Nazionale foi campeã da competição.
Logo após a disputa do Europeu, Nicola trocou de clube novamente. E, tido como um dos atacantes mais promissores do futebol italiano, rumou a uma gigante do país: a Juventus, que acabara de ser campeã continental. Em sua primeira temporada na Vecchia Signora, Amoruso desenvolveu seu personagem de potencial 12º jogador da equipe e cavou espaço mesmo tendo a concorrência de Christian Vieri, Alen Boksic e Michele Padovano ao posto de centroavante.
Nick aproveitou as oportunidades que surgiram no meio da temporada, devido a problemas físicos que acometeram tanto Boksic quanto Alessandro Del Piero. O apuliano foi decisivo para levar o time piemontês para a segunda final consecutiva da Liga dos Campeões, marcando quatro gols naquela campanha, incluindo dois nas semifinais contra o Ajax. Entretanto, o desfecho foi o vice-campeonato europeu: em Munique, a Juventus perdeu para o Borussia Dortmund, por 3 a 1. Mesmo com o revés na grande decisão, o 1996-97 da equipe de Marcello Lippi foi muito bom, já que os bianconeri faturaram os títulos da Supercopa Uefa, do Mundial Interclubes e da Serie A.
Na temporada seguinte, o atacante continuou com status de reserva na equipe de Lippi – dessa vez, de Filippo Inzaghi, que substituíra Vieri – e ainda teve de superar uma fratura na fíbula, que o afastou os campo por três meses. Recuperado, foi importante para mais uma boa campanha da Juventus na Champions League, tendo marcado na semifinal contra o Monaco, tento crucial para chegar a mais uma decisão. Do banco de reservas, Nick acompanhou a derrota por 1 a 0 para o Real Madrid, em Amsterdã. O ano terminou amargo, mas antes disso a Velha Senhora havia faturado a Supercopa Italiana e mais uma Serie A.
A campanha de 1998-99 não foi dos melhores nem para a Juventus, que fracassou em todos os âmbitos, nem para a Amoruso, que amargou como nunca o banco de reservas e assistiu o clube naufragar – a troca de Lippi por Carlo Ancelotti, com a temporada em andamento, foi um passo em falso. Como a Vecchia Signora precisava dar uma resposta imediata a seus torcedores, o elenco sofreu uma reformulação e o jogador terminou emprestado ao Perugia.
Na Úmbria, Amoruso voltou a merecer o apelido de Nick Piede Caldo. O centroavante recebeu a camisa 9 biancorossa e virou a referência do ataque do time treinado por Carlo Mazzone, superando o experiente Alessandro Melli. Auxiliado por Hidetoshi Nakata, Ibrahim Ba, Milan Rapaic e até mesmo um Marco Materazzi participativo na articulação de jogadas, o apuliano teve bom rendimento e anotou 11 gols em 25 partidas da Serie A, sendo o artilheiro da campanha que levou a equipe ao ótimo 10º lugar. No verão de 2000, foi emprestado novamente, dessa vez ao Napoli.
Aos 26 anos, o atacante defenderia o sexto time de sua carreira e teria um duro desafio – o mais difícil deles, até então. Primeiro, teria de driblar as desconfianças da apaixonada torcida napolitana, por conta de seu passado juventino, e ainda fazê-la esquecer, ao menos por alguns momentos, da complicada situação econômica pela qual o clube passava. Durante 2000-01, Amoruso fez a sua parte e foi um dos poucos destaques da equipe, sendo o seu artilheiro, com 10 gols em 30 jogos. No entanto, nem o seu aporte nem o de um craque como Edmundo foram suficientes para evitar que os partenopei fossem rebaixados para a Serie B pela segunda vez em quatro temporadas.
O período positivo em que circulou pela Itália por empréstimo fez com que a Juventus se dispusesse a lhe dar uma nova chance: aos 27 anos, Nick teria a última oportunidade de mostrar que poderia ser mais do que um goleador de times da parte baixa da tabela e que tinha a capacidade de defender um clube que brigasse por títulos. Na Champions League e na Serie A, Amoruso teve participação irrelevante, apesar de mais um scudetto conquistado. Na copa nacional, a realidade foi outra: o apuliano foi protagonista da Vecchia Signora na campanha do vice-campeonato e o artilheiro da competição, com 6 gols.
O desempenho não foi o bastante para garantir a sua continuidade em Turim. Depois de quatro temporadas, Amoruso deixou a Juventus – agremiação que mais vezes defendeu – com uma marca de 105 aparições e 29 gols anotados. No triênio posterior ao divórcio com a Velha Senhora, a carreira do “pé quente” esfriou: Nick acumulou passagens infrutíferas por Perugia (novamente), Como e Modena, times em que balançou pouco as redes e amargou o rebaixamento para a Serie B. Em 2004-05, ajudou o Messina a ser sétimo colocado, com cinco tentos, mas era reserva de Riccardo Zampagna.
O jogo virou quando o cigano da bola, em suas andanças pela Itália, se fixou em Reggio Calabria no verão de 2005. Amoruso passou três anos na Reggina e, pela equipe de uniforme amaranto, construiu uma das melhores médias de gols de sua carreira – aproximadamente 0,40/partida. Não à toa, virou ídolo do time do sul do país.
A Reggina vinha sendo bastante competente em se salvar do descenso. Para a temporada 2005-06, o técnico Walter Mazzarri recebeu bons reforços para a sua linha de frente, como Amoruso, Rolando Bianchi e Francesco Cozza, e conduziu os calabreses a mais uma salvezza. Muito graças aos 11 gols de Nick Piede Caldo, os amaranto ficaram com a 15ª posição – devido aos desdobramentos do Calciopoli, escândalo que rebaixou a Juventus e levou à perda de pontos da Lazio, a equipe subiu para a 13ª.
Porém, a mesma mão que afaga é a que apedreja. A justiça desportiva concluiu que dirigentes da Reggina também participaram do esquema de manipulação de resultados e a equipe teria que começar a Serie A 2006-07 com 15 pontos negativos – com a temporada em andamento, a punição foi reduzida para 11. A sentença fez o time se fortalecer e Mazzarri intensificar o poderio ofensivo dos calabreses, lançando Bianchi ao posto de titular ao lado de Amoruso, num 3-5-2 com dois centroavantes. Deu muito certo.
A dupla foi fundamental para a campanha de sobrevivência da Reggina – a melhor de sua história. O ataque amaranto foi um dos 10 mais prolíficos da Serie A, com 52 gols, e os centroavantes terminaram a temporada no grupo dos cinco maiores artilheiros do certame. Bianchi anotou 18 tentos e Amoruso fez um a menos, embora tenha sido ainda mais importante do que o colega: com maior poder de movimentação, o veterano chegou a atuar um pouco mais recuado, organizando a manobra ofensiva e fornecendo assistências (foram quatro).
Nick, que também era vice-capitão do time, balançou as redes em triunfos sobre concorrentes diretos pela permanência, como Ascoli e Messina, mas também foi decisivo para vitórias inesperadas, como sobre a Roma e sobre o Milan. O sucesso sobre os rossoneri, na última rodada, garantiu a permanência heroica da Reggina na elite. Não fosse a punição, a equipe da Calábria teria feito 51 pontos e ficado com a 8ª posição da Serie A.
Após mais um milagre, a Reggina perdeu Mazzarri e alguns nomes de destaque, como Bianchi. Amoruso permaneceu, sendo a grande referência técnica da equipe, e contribuiu para mais uma suada salvação: os amaranto passaram a campanha quase inteira na zona de rebaixamento, mas se recuperaram na reta final da Serie A. Nick, com cinco gols nas três rodadas derradeiras, fechou a competição com 12 tentos e, mais uma vez, foi o artilheiro do time numa temporada.
Depois de marcar época no time de Reggio Calabria, Amoruso, aos 34 anos, voltou a explorar o futebol italiano: no verão de 2008, o Torino desembolsou 3 milhões de euros para acertar com o nômade veterano, que se despediu da Reggina com 98 aparições e 40 gols. Nick assinou contrato por duas temporadas, mas o sucesso anterior não se repetiu e ele vestiu quatro camisas no biênio seguinte.
Amoruso disputou todo o primeiro turno pelo Torino e, pouco depois da virada de ano, rumou ao Siena por empréstimo. Ao passo que o Toro carimbava o seu retorno para a segunda divisão, Nick pouco jogava pelo time toscano: embora os seneses tenham se salvado da queda, o cigano não se firmou e passou em branco pelos bianconeri. O apuliano retornou ao Piemonte e, depois de atuar num duelo da Coppa Italia 2009-10, foi emprestado novamente.
No Parma, Nick Piede Caldo teve o último bom desempenho da carreira. Os crociati voltavam à elite e investiram no veterano para dividir as responsabilidades no ataque com Valeri Bojinov, Alberto Paloschi e Jonathan Biabiany. A aposta deu certo e Amoruso contribuiu com gols para vitórias sobre Lazio, Fiorentina e Bologna. Apesar disso, a diretoria parmense viu Hernán Crespo se desvincular do Genoa e decidiu repatriar o ídolo, o que culminaria na saída simultânea do andarilho apuliano.
Já em fim de carreira, Amoruso acertou em definitivo com o seu 13º e último clube na Serie A: a Atalanta. O atacante fechou um contrato de 18 meses, mas não rendeu em Bérgamo. Nick não foi capaz de salvar a Dea do rebaixamento e, além de não ter atuado bem pelos nerazzurri, marcou apenas um gol – justamente o tento que lhe permitiu chegar ao recorde de bolas nas redes por 12 equipes diferentes na elite.
Na temporada seguinte, Nick sequer foi inscrito pela Atalanta na segundona. Desprezado pela Dea, o centroavante cumpriu o contrato até o fim e, em 2011, até ensaiou retornar ao Perugia, que disputava a quarta divisão. Entretanto, optou pela aposentadoria depois de alguns treinamentos com os biancorossi: em 29 de agosto, dia de seu aniversário de 37 anos, anunciou que estava pendurando as chuteiras.
Caracterizado por sua elegância e pela boa técnica dentro da área, não obstante sua altura, Amoruso jamais atingiu o nível esperado no início de sua carreira e não conseguiu se firmar como um craque do futebol italiano, apesar de ter demonstrado utilidade em times grandes. Entretanto, isso não fez com que Nick e o seu pé quente fossem meros coadjuvantes na história da Serie A. Sem a grife dos maiores matadores do campeonato, foi protagonista como goleador de equipes modestas e sinônimo de andarilho no esporte da Velha Bota. Um personagem único.
Nicola Amoruso
Nascimento: 29 de agosto de 1974, Cerignola, Itália
Posição: atacante
Clubes: Sampdoria (1993-94), Fidelis Andria (1994-95), Padova (1995-96), Juventus (1996-99 e 2001-02), Perugia (1999-2000 e 2002), Napoli (2000-01), Como (2003), Modena (2003-04), Messina (2004-05), Reggina (2005-08), Torino (2008-09 e 2009), Siena (2009), Parma (2009-10) e Atalanta (2010-11)
Títulos: Coppa Italia (1994), Europeu Sub-21 (1996), Supercopa Uefa (1996), Mundial Interclubes (1996), Serie A (1997, 1998 e 2002), Supercopa Italiana (1997) e Serie B (2011)