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Pixotadas, polêmicas e lesões marcaram a passagem de Jonathan Zebina pela Itália

Poucos jogadores de futebol são lembrados exclusivamente – ou quase – por conta de seus defeitos. Em geral, atletas que não atingem nível tão alto no esporte costumam passar batidos e caírem no esquecimento. Há exceções: alguns deles têm trajetória com tantas falhas e problemas causados que acabam entrando em evidência justamente por destoarem dos colegas. Este foi o caso de Jonathan Zebina, defensor francês que passou por quatro clubes italianos e chegou a representar times grandes, como Roma e Juventus.

Zebina nasceu em Paris, capital da França, em 1978. Aos 7 anos, passou a praticar futebol em escolinhas ao sul da cidade. Jonathan começou como atacante, mas recuou para a lateral direita no amador Viry-Châtillon. Em 1994, o jogador se transferiu ao Cannes, da Riviera Francesa, e por lá se profissionalizou: sua estreia aconteceu no dia 8 de março de 1997, contra o Metz, pela Ligue 1. O defensor ganhou mais espaço em 1997-98, mas não conseguiu evitar que os dragões amargassem o rebaixamento para a segunda divisão.

Após a queda, o lateral de origem martinicana deixou o sul da França. O Cannes era conhecido por revelar grandes jogadores, como Zinédine Zidane, Johan Micoud e Patrick Vieira, de modo que clubes de todo o mundo prestavam atenção nos jovens que atuavam por lá. Em 1998, os nomes da vez foram Sébastien Frey e Zebina, que acertaram com a Inter e o Cagliari, respectivamente.

O francês chegou ao Cagliari para ser utilizado principalmente como zagueiro pela direita no time treinado por Gian Piero Ventura, que apostava num trio de zaga formado ainda por Gianluca Grassadonia e Matteo Villa. Depois de estrear numa derrota por 3 a 1 para o Lumezzane, pela Coppa Italia, Zebina ganhou a confiança do técnico e foi peça frequente na – relativamente tranquila – campanha dos sardos: disputou 22 das 34 rodadas da Serie A e ajudou a equipe a permanecer na elite.

Na temporada seguinte, o Cagliari perdeu Ventura para a rebaixada Sampdoria e optou por repatriar Óscar Tabárez, que fizera bom trabalho no clube em 1994-95. O uruguaio acabou demitido depois de apenas quatro partidas e Zebina, que estava lesionado, sequer foi utilizado por ele. Com Renzo Ulivieri, seu substituto, Jonathan foi titular dos rossoblù. Os sardos, porém, tiveram ano de altos e baixos: surpreenderam na copa nacional, da qual foram semifinalistas, e terminaram amargando o descenso no Italiano.

Zebina chegou ao Cagliari bastante jovem e como status de esperança do futebol francês (EMPICS/Getty)

Zebina, porém, não ficou na Sardenha para disputar a Serie B. Após 58 partidas com a camisa do Cagliari, o francês foi contratado, por 9,5 bilhões de velhas liras, pela Roma, treinada por Fabio Capello – que seria uma figura-chave de sua passagem pela Itália. Jonathan tinha 22 anos e o técnico via margem de crescimento em seu futebol: além de atuar como zagueiro e lateral-direito, ele tinha boa estatura (1,84m) e preparo físico. Esguio, com passadas largas e discreta velocidade, o defensor recebeu o apelido de “gazela”.

Sua estreia pela Loba aconteceu numa vitória por 4 a 1 contra o Gorica, na primeira fase da Copa Uefa 2000-01. Zebina teve um começo muito promissor, ajudando a Roma a somar três jogos consecutivos sem sofrer gols, até a sequência ser interrompida por uma lesão. Os seus problemas físicos foram frequentes na temporada e, por isso, o francês nunca conseguiu ser titular absoluto da equipe. No entanto, revezou com Aldair e teve 22 aparições na conquista do terceiro scudetto dos giallorossi.

Em 2001-02, Zebina faturou a Supercopa Italiana e o vice da Serie A pela Roma, somando uma quantidade similar de minutos no campeonato nacional, mas totalizando 37 partidas na temporada. Ao longo da campanha, o francês teve alguns bons momentos – que lhe levaram a ser convocado pelo técnico Roger Lemerre para a seleção de seu país, embora sem entrar em campo. Por outro lado, o defensor continuou a se lesionar com frequência e passou a colecionar suas primeiras polêmicas: numa derrota por 3 a 1 para a Inter, deu um soco em Álvaro Recoba e pegou um gancho de três jogos pela expulsão direta.

Os atritos, aliás, deram o tom do restante de sua passagem pela Roma – em que pese o fato de que a equipe tenha sido vice-campeã da Coppa Italia em 2003 e da Serie A em 2004. Zebina era considerado o elo mais vulnerável do time, por conta de seus erros técnicos durante as partidas e pela irritação que costumava apresentar quando ficava sob pressão. As suas falhas ganharam o apelido de “zebinate” (“zebinadas”) e as vaias começaram a lhe acompanhar.

Em setembro de 2002, Zebina chegou a ser contestado por ultras na entrada do centro de treinamentos da equipe giallorossa, em Trigoria. Jonathan decidiu descer de seu carro para encarar os torcedores e, na confusão que se formou, acabou levando uma coronhada de um policial à paisana. No ano seguinte, o francês se envolveu em outra polêmica: foi parado por guardas quando dirigia alcoolizado e teve a sua habilitação suspensa.

Na Roma, entre problemas físicos e rusgas com a torcida, Zebina conquistou títulos sob a batuta de Capello (imago/Contrast)

Juntamente a todos os problemas extracampo, o defensor francês continuou a ter um desempenho medíocre pela Roma: alternava ausências por lesões e suspensões a participações irregulares pelo time, sem jamais se firmar. Em 2004, então, Zebina deixou a agremiação da Cidade Eterna em fim de contrato, após 126 jogos, e seguiu Capello. Os dois acertaram com a Juventus – a Velha Senhora, aliás, havia sido a vítima do único gol de Jonathan com a camisa da Loba.

Em sua coletiva de apresentação à equipe de Turim, Zebina pintou um cenário curioso, colocando-se como um defensor de nível mundial. O atleta afirmou ter rejeitado ofertas de grandes clubes, como Chelsea, Liverpool, Milan e Inter. O francês, inclusive, esnobou os rivais da Juventus: disse que não fechou com os rossoneri porque o Diavolo queria lhe transformar em reserva de Jaap Stam e que os nerazzurri deviam ter se enganado, pois teriam-lhe feito uma proposta salarial adequada a um jovem iniciante. O lateral ainda alfinetou o seu antigo time ao afirmar que havia atuado melhor pelo Cagliari por não ter sido criticado pela torcida em seus tempos de Sardenha.

Aos 26 anos, Zebina se tornou um improvável titular da Juventus, superando Alessandro Birindelli e Gianluca Pessotto na lateral direita. Gianluca Zambrotta, que também atuava no setor, era o dono do flanco oposto e ficava liberado para avançar, enquanto o francês permanecia mais fixo, quase como um terceiro zagueiro, apoiado pelos sólidos Lilian Thuram e Fabio Cannavaro. Esta opção de Capello fortalecia o lado esquerdo do ataque bianconero e também fazia Jonathan se posicionar numa zona do campo em que poderia comprometer menos – afinal, o treinador tinha ciência dos defeitos do atleta.

Enquanto esteve saudável, Zebina foi titular. Inclusive, aquela foi a época em que passou mais tempo em sua experiência pela Itália: somando todas as competições, superou os 2600 minutos, com 24 aparições pela Serie A, seis pela Champions League e mais uma pela Coppa Italia. Em fevereiro de 2005, fez seu único jogo pela seleção francesa: Jonathan costumava ser convocado e não atuar, mas dessa vez participou de um amistoso contra a Suécia, terminado em 1 a 1. O momento esportivo do defensor até podia ser bom, mas ele continuava a acumular problemas devido a seu temperamento arrogante.

Nos treinamentos, entradas fortes em Zlatan Ibrahimovic geraram brigas e uma inimizade que perdurou por anos: em 2013, num duelo entre Paris Saint-Germain e Toulouse, o sueco marcou um gol para os parisienses e fez um gesto de pistola para o banco violeta, onde Zebina estava acomodado. Jonathan também teve problemas com a diretoria bianconera. Depois de apenas quatro meses de clube, num período em que estava lesionado, procurou o diretor Luciano Moggi para lhe solicitar a renovação do contrato e um aumento salarial, além de aproveitar para fazer críticas a Capello. Com seu jeito intempestivo, o cartola colocou o atleta para correr.

Apesar de ter sido muito criticado na Roma, Zebina subiu um degau ao acertar com a Juventus (imago/Contrast)

Este terminaria por ser a versão de Zebina vista na Juventus nos anos seguintes: entre 2005 e 2010, o defensor somou poucos minutos pela equipe e continuou a viver entre as polêmicas e o departamento médico. Em 2005-06, uma sequência de lesões lhe afastou dos campos por quase toda a temporada – uma delas, inclusive, o tirou de ação por quatro meses. Isso não impediu que, numa das raras oportunidades que recebeu, Jonathan não fizesse besteira em jogo decisivo. Na ida das quartas de final da Champions League, contra o Arsenal, a Velha Senhora já perdia por 2 a 0 para o Arsenal quando Mauro Camoranesi foi expulso, aos 87, por uma falta dura. Não satisfeito, o francês, que recebera um amarelo aos 81, repetiu o feito do colega e levou o vermelho aos 89. Os italianos seriam eliminados.

De um lado, a torcida já não suportava mais as “zebinadas” e o apelidou de Svirgolone – “furão”, por costumar pegar mal na bola. De outro, Capello mantinha o francês em seus planos e teria até pedido para que ele não aceitasse uma proposta do Tottenham, em janeiro de 2006. Ao fim da temporada, a Juventus e Zebina viram a comemoração do bicampeonato italiano se transformar na cassação dos dois títulos nacionais, em virtude do envolvimento dos dirigentes Moggi e Antonio Giraudo no Calciopoli, o escândalo de manipulação de resultados que virou o futebol da Itália de cabeça para baixo. Jonathan tinha as malas prontas para deixar Turim, mas o rebaixamento da Velha Senhora fez com que ele permanecesse no clube.

Muitos jogadores deixaram a Juventus, que precisava fazer caixa. Zebina ficou e, inicialmente, adotou um discurso conciliador. Primeiro, afirmou que tinha uma proposta do Real Madrid, mas que a rejeitara por confiar no projeto bianconero. Bastaram alguns meses e uma guerra com a diretoria para mudar o discurso: em dezembro de 2006, o francês disse que só permaneceu porque não teve escolha. Enquanto alternava entre as lesões e a titularidade, se resolveu com os cartolas. Mesmo sem jogar bem e tendo sido capaz de colecionar 10 cartões amarelos e um vermelho na Serie B, conseguiu uma renovação de contrato até 2011, encerrando os rumores de sua saída e deixando os torcedores enfurecidos.

Após o título da segundona, em 2007, a Juventus apostou no técnico Claudio Ranieri e no checo Zdenek Grygera para assumir a titularidade na lateral direita. Diante da concorrência e da necessidade de tentar convencer o novo treinador de sua utilidade, Zebina mostrou que não mudou nadinha. Aos 81 minutos de partida válida pela segunda rodada da Serie A 2007-08, logo depois de a Velha Senhora sofrer o segundo empate contra o Cagliari, no estádio Sant’Elia, Jonathan fez algo inacreditável. Enquanto os rossoblù comemoravam o gol de pênalti, o defensor deu um tapa no rosto de um steward e foi expulso – pegou um gancho de quatro rodadas e teve de pagar multa de 15 mil euros. Para a sorte da gigante de Turim, Giorgio Chiellini garantiu o triunfo na Sardenha.

Jonathan cultivou péssima relação com Ranieri e pouco entrou em campo em 2007-08. Em 2008-09, perdeu sete meses da temporada por conta de uma lesão no tendão de Aquiles e até recebeu uma razoável quantidade de oportunidades após sua recuperação, a partir de março de 2009. O francês seria pouco utilizado por Ciro Ferrara na época seguinte, mas foi revitalizado por Alberto Zaccheroni, que assumiu o cargo em fevereiro de 2010. Uma má ideia, principalmente se levarmos em conta que, à época, a torcida costumava cantar, nas arquibancadas, os versos “odiamos Zebina, Felipe Melo, vá cagar” – tradução livre para “odio a Zebina, Felipe Melo vai a caga’ “.

Nos seus tempos de Juventus, Zebina chegou a apanhar de um torcedor (imago/IPA)

De volta aos campos, Svirgolone foi um dos protagonistas da derrocada da Juventus em 2009-10. Na Serie A, a equipe fez uma das piores campanhas de sua história e foi apenas a sétima colocada. Na Liga Europa, Jonathan marcou o segundo gol de sua carreira no triunfo por 3 a 1 sobre o Fulham, pela ida das oitavas de final, e sucumbiu à recuperação dos Cottagers em Londres: a Velha Senhora saiu na frente, mas o cartão vermelho de Cannavaro e um erro de marcação de Zebina foram a senha para a virada. Após os ingleses sacramentarem o 4 a 1, o francês ficou nervosinho e foi expulso por chutar Damien Duff. Dias depois, antes de uma partida contra a Atalanta, pela Serie A, o zagueiro foi agredido por um torcedor juventino: o homem lhe deu um tapa no pescoço enquanto percorria o caminho para entrar no ônibus do time.

Não havia clima para que Zebina continuasse em Turim para a temporada 2010-11. No entanto, havia um ano de contrato para ser cumprido e qualquer clube interessado no francês deveria fazer uma oferta à Juventus. Nenhuma tratativa ocorreu durante a janela de transferências e, no último dia de negócios, a diretoria piemontesa optou por encerrar o vínculo com Jonathan e permitir que ele acertasse gratuitamente com o Brescia. Uma reestruturação digna não poderia ser feita enquanto houvesse uma maçã podre no cesto bianconero.

Zebina chegou ao Brescia em grande estilo. Se machucou em seus treinamentos iniciais, teve de operar o joelho e só estreou pelo novo clube em outubro de 2010. As lesões não o perseguiram nos meses seguintes, mas o francês não ofereceu muita qualidade ao fraco elenco dos biancazzurri: os lombardos ficaram com a penúltima posição, com nove pontos a menos do que o Lecce, primeiro time fora da zona de descenso, e foram rebaixados para a Serie B.

Com a queda, Jonathan encerrou a sua passagem de 13 anos pela Itália e retornou para a França. Aos 31, o defensor acertou com o Brest e teve uma temporada positiva pela equipe alvirrubra, que retornava à elite: se manteve bem fisicamente e auxiliou os piratas a se salvarem do rebaixamento. Zebina ainda representou o Toulouse por duas épocas, nas quais colaborou para que o TFC ficasse confortável no meio da tabela, e passou brevemente pelo Arles-Avignon, da Ligue 2. Em 2015, depois de apenas sete partidas pelo clube, anunciou sua aposentadoria.

Zebina nunca foi benquisto no meio do futebol e jamais teve vontade de trabalhar com esporte depois que pendurou as chuteiras. O francês, na verdade, tem se dedicado a outros prazeres da vida: os artísticos. Nos seus tempos de Turim, Jonathan chegou a manter uma galeria de arte em Milão e também passou a estudar arquitetura. Cinéfilo, fã de música, moda, bons vinhos e carros Aston Martin, o ex-jogador planeja voltar a ser um marchand.

Jonathan Zebina
Nascimento: 19 de julho de 1978, em Paris, França
Posição: lateral-direito e zagueiro
Clubes: Cannes (1996-98), Cagliari (1998-2000), Roma (2000-04), Juventus (2004-10), Brescia (2010-11), Brest (2011-12), Toulouse (2012-14) e Arles-Avignon (2014)
Títulos: Serie A (2001), Supercopa Italiana (2001) e Serie B (2007)
Seleção francesa: 1 jogo

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