Quando se fala da seleção italiana que venceu a Copa do Mundo de 1982, normalmente lembramos de jogadores que marcaram época vestindo azzurro, tanto por participação ativa na campanha do título quanto por terem recebido muitas convocações para a Nazionale. No entanto, um tricampeão costuma ser esquecido num primeiro momento, já que foi o único convocado para a competição que não teve longa trajetória pela equipe nacional. Se trata do atacante Franco Selvaggi, que passou o torneio inteiro sentado nas arquibancadas.
Selvaggi nasceu em Pomarico, na Basilicata, região localizada no sul da Itália. E foi por lá mesmo que iniciou sua carreira, pelos juvenis da Pro Matera, no final da década de 1960. No entanto, em 1971, quando tinha 18 anos, o jogador deixou a sua terra natal e rumou à Úmbria, no intuito de reforçar as categorias de base da Ternana.
Com 1,71m de altura, pés tamanho 38, muita velocidade e mobilidade, Selvaggi infernizava a vida dos adversários. Por ser baixinho e letal no ataque, ele ganhou o apelido de “Spadino” – “adaga”, em português – e gerou muita expectativa para sua estreia entre os profissionais. E isso ocorreu na Serie A, já que a Ternana teve a chance de debutar na elite em 1972, meses após a contratação de Franco.
O primeiro jogo de Selvaggi entre os adultos aconteceu em 30 de dezembro de 1972, numa derrota por 2 a 1 para a Fiorentina, na Serie A. Depois que estreou, o garoto passou a ser utilizado frequentemente pelo técnico Corrado Viciani, que tinha um elenco bastante frágil nas mãos. Não à toa, a Ternana marcou apenas 14 gols – um deles, sobre a Juventus, teve a autoria de Franco – e somou apenas três vitórias em 30 rodadas, terminando a competição na lanterna e amargando o rebaixamento com bastante antecedência.
Nas 14 aparições que fez com a camisa rossoverde, o atacante agradou a diretoria da Roma, que o contratou por empréstimo, em 1973. No entanto, a sua passagem pela capital foi muito discreta: o atacante jogou apenas três partidas com a camisa da Loba e retornou à Ternana, onde passou alguns meses de 1974. Naquele mesmo ano, foi vendido ao Taranto, que militava na segunda divisão.
Foi com a camisa dos ionici que Selvaggi mais atuou em sua carreira: no total, Spadino acumulou 159 partidas disputadas e 25 gols marcados durante as cinco temporadas em que defendeu os rossoblù. Nesse período, jamais conseguiu fazer o time da Apúlia ir além do meio da tabela na Serie B, mas angariou destaque individual e conseguiu retornar à primeira divisão através de uma transferência.
As performances de Franco chamaram a atenção de Luigi Riva, maior goleador da história da seleção italiana, que na época era diretor do Cagliari. O ídolo dos casteddu pediu a contratação do baixinho para compor, ao lado de Luigi Piras e Massimo Briaschi, o ataque do time da Sardenha, que acabava de retornar à elite após três temporadas na Serie B. Assim, Spadino teria, aos 26 anos, a chance de brilhar na máxima categoria do futebol da Velha Bota.

O Cagliari foi o time em que o baixinho atingiu o seu ápice, o que lhe rendeu espaço na seleção italiana (Guerin Sportivo)
O impacto de Selvaggi no Cagliari foi imediato. Em sua temporada de estreia pelos sardos, o atacante foi o grande nome da campanha que levou o time à sétima colocação da Serie A se sagrou como um dos cinco principais artilheiros do certame, com 12 gols, ficando atrás somente de Roberto Bettega, Alessandro Altobelli e Paolo Rossi – os dois últimos seriam seus companheiros na Copa de 1982. Entre os tentos mais importantes de Franco, destacam-se os anotados nos triunfos sobre Fiorentina, Juventus e Udinese (neste caso uma doppietta) e os feitos em empates com a Inter, campeã daquela edição do torneio.
No ano seguinte, Spadino não teve desempenho tão prolífico, mas continuou a ocupar o posto de principal goleador do Cagliari, com oito tentos. O time treinado por Mario Tiddia, aliás, melhorou o seu posicionamento na Serie A: foi sexto colocado e por pouco não se classificou para a Copa Uefa.
Em 1981-82, os casteddu passaram a ser comandados por Paolo Carosi e, com a troca, viram o rendimento coletivo despencar. Os sardos brigaram para não cair, só que o desempenho individual da dupla formada por Selvaggi e Piras sustentou a equipe fora da zona de rebaixamento. Os dois, de fato, foram fundamentais para a manutenção da categoria por parte do Cagliari. Combinados, marcaram 17 vezes – oito e nove, respectivamente.
Nos tempos de Cagliari, Selvaggi construiu sua curta jornada na seleção. E já começou fazendo história: foi o primeiro jogador nascido na Basilicata a ser chamado para representar a Itália. Franco foi o único lucano a atuar pela Nazionale até 2014, quando Simone Zaza, vestiu a camisa azzurra e se juntou a ele.
A primeira convocação de Spadino ocorreu em abril de 1981, quando o atacante estava perto de completar 28 anos. Franco debutou num empate sem gols em amistoso contra a Alemanha Oriental e participou de um outro amigável em setembro seguinte – vitória por 3 a 2 sobre a Bulgária. Dois meses depois, encarou a Grécia pelas Eliminatórias para o Mundial de 1982. O empate por 1 a 1 resultou na classificação matemática da Squadra Azzurra para a competição.
No verão europeu de 1982, Enzo Bearzot surpreendeu e incluiu Selvaggi na lista de convocados da Itália para a Copa, que seria disputada na Espanha. O treinador optou por levar também Rossi, que passou quase dois anos afastado dos gramados, cumprindo suspensão por envolvimento no escândalo Totonero, Altobelli e Francesco Graziani, deixando de fora o centroavante Roberto Pruzzo, que fora o artilheiro da Serie A na temporada que antecedeu o Mundial.
Franco, contudo, não foi utilizado em nenhuma das sete partidas do torneio: Rossi e Graziani eram os titulares e Altobelli era o escolhido para ficar no banco de reservas, composto por apenas cinco opções naquela época. Selvaggi apenas treinava, participava das preleções e aguardava nas tribunas. Em tom de brincadeira, ele declarou ao Corriere della Sera, em 2002, que teve um grande mérito na campanha do tricampeonato mundial – o único título em seu currículo. Segundo o lucano, ele era o único capaz de dividir quarto com Marco Tardelli, que na época sofria com insônia.
Depois da Copa, o atacante nunca mais atuou com a camisa da Itália. Selvaggi também mudou de clube logo após a conquista na Espanha: deixou o Cagliari, encerrando a sua passagem pela Sardenha com 29 gols em 97 aparições, e acertou com o Torino.
Naquela época, o Toro tinha um time forte. Quando Selvaggi aportou no Piemonte, os grenás vinham de três vice-campeonatos consecutivos da Coppa Italia e entravam na Serie A para brigarem por vaga em competições europeias. O objetivo se mantinha após a contratação de mais um campeão mundial – Giuseppe Dossena já fazia parte do elenco – e a chegada do técnico Eugenio Bersellini, que tinha levado a Inter ao scudetto, em 1980, e a dois títulos da copa nacional.
Sob as ordens do “Sargento de Ferro”, Franco se tornou uma peça-chave do Torino e só ficou de fora de cinco partidas ao longo de dois anos. O lucano estabeleceu parcerias importantes com o citado Dossena, e também com Renato Zaccarelli e Walter Schachner, mas não conseguiu fazer o time piemontês celebrar. Os granata caíram duas vezes nas semifinais da Coppa Italia e, em 1983-84, chegaram ao quinto posto na Serie A. Nesse período, Selvaggi marcou 19 gols em 77 aparições – com destaque para uma tripletta sobre a Sampdoria e tentos em dois dérbis contra a Juventus.
Depois de uma passagem razoável pelo Torino, o atacante viveu um biênio apagado – que marcaria a sua despedida da elite italiana. Primeiro, anotou cinco gols em 25 jogos, exercendo o papel de peça de rotação de elenco de uma Udinese que escapou do rebaixamento nas últimas rodadas; em seguida, foi ser um reserva experiente na Inter. Em Milão, disputou 11 partidas e passou em branco. A equipe nerazzurra, por sua vez, foi terceira colocada da Serie A e foi eliminada nas semifinais da Copa Uefa e da Coppa Italia.
A temporada 1986-87 representou a última de Spadino como jogador. Selvaggi fechou contrato com a Sambenedettese, que estava na Serie B, e ajudou a equipe rossoblù a se salvar do rebaixamento, com nove gols marcados em 26 presenças. Aos 34 anos, então, o lucano encerrou sua carreira.
Logo depois de pendurar as chuteiras, Selvaggi aceitou o convite para ser presidente do Matera, de sua região. No entanto, os sócios não ofereceram garantias financeiras para sustentar o time na quinta divisão e o clube foi automaticamente rebaixado para a sexta categoria, por conta de inadimplência. Franco também teve algumas experiências como técnico, mas não obteve sucesso em nenhuma delas – treinou o próprio Matera, e também Catanzaro, Taranto, Castel di Sangro e Crotone, todos do sul da Itália.
No fim das contas, o ex-atleta se tornou uma figura dos bastidores do esporte, acumulando cargos em entidades ligadas ao futebol. Selvaggi foi vice-presidente e gerente da área técnica do Taranto, no final de 2008; responsável pelo setor de observação de atletas do Cagliari; professor da escola de treinadores da FIGC, em Coverciano; chefe da delegação da seleção sub-16 da Itália; e também presidente honorário da Scirea Cup, competição juvenil que ocorre na Basilicata. Apesar das tantas ocupações, Spadino não deixará de carregar a pecha de campeão mundial pouco lembrado por italianos e estrangeiros.
Franco Selvaggi
Nascimento: 15 de maio de 1953, em Pomarico, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Ternana (1972-73 e 1974), Roma (1973-74), Taranto (1974-79), Cagliari (1979-82), Torino (1982-84), Udinese (1984-85), Inter (1985-86) e Sambenedettese (1986-87)
Títulos como jogador: Copa do Mundo (1982)
Clubes como treinador: Catanzaro (1992-93), Taranto (1994), Matera (1996), Castel di Sangro (1998) e Crotone (2002)
Seleção italiana: 3 jogos