A curva descendente de treinadores brasileiros no comando de equipes europeias é um recorte recente. Assim como as joias dos gramados, o Brasil também fornecia mentes brilhantes ao Velho Continente no século passado. Uma dessas foi a de Paulo Amaral, considerado o pioneiro da preparação física no país e integrante da comissão técnica canarinho nas Copas de 1958, 1962 e 1966. O Sargento de Ferro, como era conhecido devido a seu temperamento militar, apresentou conceitos inéditos na Itália e sustentados até os dias de hoje.
Nascido em 1923, no Rio de Janeiro, Amaral experimentou ser jogador a partir de 1942, como zagueiro do Flamengo. De lá saiu em 1946 para defender o Botafogo, pouco antes de obter o diploma em Educação Física. Vencedor de torneios estaduais nos tempos de atleta, Paulo se especializou como técnico de futebol em 1952.
Um ano depois de se tornar treinador, Amaral foi convidado para compor a comissão técnica do Botafogo nas funções de preparador físico e técnico do time aspirante. Assim, ele se tornou o primeiro profissional contratado no Brasil especialmente para trabalhar a condição atlética dos esportistas. Na época, os comandantes e os auxiliares acumulavam a tarefa.
Seus métodos inovadores o alçaram à comissão técnica da seleção brasileira no Mundial de 1958. A presença dele teve efeito imediato: os comandados de Vicente Feola sobraram fisicamente em comparação aos rivais. Na comemoração do título, Amaral foi a figura de um episódio curioso: ele deu uma volta olímpica com a bandeira da Suécia, adversário do Brasil na final. Segundo o preparador, o gesto teve a intenção de homenagear os suecos pela recepção carinhosa.
No ano seguinte, Paulo voltou a ser protagonista em circunstâncias atípicas durante a Copa América – na época, intitulada Campeonato Sul-Americano de Futebol e disputada em pontos corridos. Provido de físico robusto, Amaral – de cerca de 1,80m de altura e, se dizia, com aproximadamente “100 quilos de músculos” – nocauteou vários torcedores que invadiram o campo para atacarem os jogadores brasileiros, após o Uruguai vencer a partida contra a Canarinho.
Ele retornou ao Botafogo em 1960, na sua primeira oportunidade como treinador. No ano seguinte, deu sequência à capacitação no cargo e assumiu o comando do Vasco. Mas Amaral não conseguia se desprender do rótulo de preparador físico. De volta à Seleção Brasileira em 1962 na mesma função, aceitou o desafio de revigorar o condicionamento de um plantel envelhecido. Apesar de não recuperar Pelé a tempo, várias estrelas da campanha de 1958 foram mantidas na Copa do Chile graças a seu trabalho impecável.
Após o bicampeonato mundial, Amaral agarrou a chance de treinar a Juventus, que teria o seu primeiro ano após Umberto Agnelli deixar a presidência da agremiação. Era um período de renovação e, também por isso, a Velha Senhora foi buscar um profissional que poderia trazer inovações de outro país e que, além de tudo, havia ajudado o Brasil a levantar duas taças Jules Rimet em sequência.
Porém, como apontou uma edição do jornal La Stampa na época, não seria a primeira passagem de Amaral por Turim. “Não foi, por amor, a primeira viagem da América do Sul à Itália. Ele já havia estado lá em várias ocasiões como jogador e como treinador, guiando o Botafogo em 1955, na época em que Luís Vinício e Dino Da Costa atuaram no [estádio] Filadelfia. Desta vez, ele permanecerá pelo menos por um ano”, lembrava o diário. O texto se referia a uma expedição do Glorioso nos tempos em que Paulo era seu preparador físico. Naquela viagem, os dois atacantes citados acima encantariam os italianos e desenvolveriam longa e vitoriosa carreira na Bota.
Paulo Amaral, no entanto, teve estadia bem mais curta que a dos compatriotas, apesar de ter participado ativamente da montagem do plantel vencedor da Copa dos Alpes e vice-campeão italiano em 1962-63. O maior desejo do treinador era a contratação de Amarildo, que ele conhecia desde os juvenis do Botafogo, mas o Milan levou a melhor e ficou com o Possesso, em evidência após substituir – com êxito – Pelé na Copa de 1962. O técnico teve de se contentar com outros dois atacantes brasileiros: Armando Miranda, adquirido após passagens por Corinthians e Flamengo, e Bruno Siciliano, ex-botafoguense, que já pertencia à Velha Senhora e retornava de empréstimo ao Venezia.
A dupla de brasileiros teria imensa responsabilidade. Afinal, o Trio Mágico da Juventus havia acabado em 1961, com a aposentadoria de Giampiero Boniperti, e Amaral chegou a Turim dispensando outro integrante do tridente: John Charles, histórico ídolo bianconero, teve a permanência vetada pelo técnico em decorrência do declínio físico. O galês foi considerado “inadequado” para o esquema ofensivo do comandante, que alternava entre o 4-2-4 com a pelota e o 4-3-3 sem a posse dela. Sobrara, portanto, apenas Omar Sívori, vencedor da Bola de Ouro no ano anterior.
A revolução que Paulo conduziria ainda se intensificava por conta da contratação do meia Luis del Sol, encarregado de abastecer Sívori num meio-campo que ainda tinha o capitão Flavio Emoli e o articulador Gino Stacchini, ambos com vários anos de casa. A estrutura ofensiva, orientada pelos pés de um regista espanhol, causou surpresa. Assim como a organização da retaguarda, orientada à marcação por zona. O brasileiro foi o primeiro treinador a implementar o conceito no futebol italiano.
De início, foi difícil transmitir os novos conceitos a Benito Sarti, Gianfranco Leoncini, Sandro Salvadore e Ernesto Castano, titulares da defesa bianconera. Para Giancarlo Bercellino, a tarefa foi ainda mais dura e Amaral não quis saber: mandou o zagueiro de volta ao time juvenil.
Os primeiros resultados não foram dos melhores e a adaptação dos jogadores foi complicada, mas, a partir de outubro de 1962, o técnico brasileiro começou a colher os frutos da escolha. No fim das contas, a Velha Senhora melhorou demais seu desempenho em relação à campanha anterior: sofreu 31 gols a menos (foi vazada 25 vezes) e ganhou 10 posições. Se havia sido apenas 12ª colocada em 1961-62, terminou 1962-63 com o vice-campeonato da Serie A. Além disso, faturou a Copa dos Alpes, disputada em junho de 1963.
As ideias inusitadas entregavam resultado, mas o modo intempestivo com que Amaral as transmitia nos treinos incomodava os jogadores – especialmente ao craque Sívori, que nunca foi afeito a realizar a fase defensiva. Apesar dos conflitos, Paulo ainda chegou a emplacar os reforços dos compatriotas Dino da Costa e Nenê, adquirido do estrelado Santos.
Com a dupla brasileira, Amaral entregou um início promissor de Serie A em 1963-64, com três vitórias em quatro jogos, que levaram a Juventus ao topo da tabela. Porém, o carioca também tinha divergências com membros da diretoria e foram elas que levaram o líder do campeonato a perder o cargo. Eraldo Monzeglio, seu substituto, levou os bianconeri à semifinal da Coppa Italia e a um modesto quinto lugar do Italiano. Embora durão, o técnico fluminense não causou polêmica após sua saída e ainda proferiu, em entrevista ao jornal La Stampa, palavras elogiosas ao elenco e aos cartolas da Velha Senhora.
Depois de resolver trâmites burocráticos em Turim, Paulo Amaral voltou ao Brasil e começou o ano de 1964 no comando do Corinthians. Durou apenas 28 compromissos e, no verão europeu, retornou à Itália, acertado com o Genoa. Na mesma conversa que teve com o La Stampa, o carioca já havia dado uma pista de que gostaria de continuar trabalhando na Bota.
Amaral aportou na Ligúria após um evento trágico. Ele chegava para assumir o posto do argentino Benjamín Santos, que falecera precocemente, aos 40 anos, em um acidente automobilístico ocorrido em julho de 1964, quando passava as férias em La Coruña, na Espanha – onde já havia morado. Além da questão emocional, o antecessor projetava uma sombra esportiva sobre o brasileiro. Afinal, em sua gestão, o Genoa havia faturado o oitavo lugar da Serie A, em 1963-64.
No elenco do Genoa, Amaral reencontrou o promissor atacante Gianfranco Zigoni, que já treinara na Juventus. Porém, pelos rossoblù, entregou um desempenho muito diferente do mostrado em Turim: se na Velha Senhora o rendimento foi muito bom, com 28 vitórias, nove empates e nove derrotas em 46 jogos, pelo Grifone o brasileiro foi capaz de somar apenas dois triunfos, somados a duas paridades e cinco insucessos, em nove compromissos. O péssimo início de temporada não só levou à sua demissão como ainda foi preponderante para o rebaixamento do time lígure para a Serie B.
Paulo Amaral ficou um tempo sem trabalhar e só voltou à labuta no início de 1966, quando teve uma péssima passagem pelo Atlético Mineiro e acabou criticado tanto pela falta de resultados (não ganhou nenhum jogo oficial pelo Galo) quanto pela rigidez exagerada. Em seguida, surpreendentemente não foi escolhido pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) como comandante da preparação física da Seleção na Copa de 1966. Enquanto este cargo foi ocupado pelo professor Rudolf Hermanny, o carioca foi apenas auxiliar na malfadada campanha canarinho em solo inglês.
Amaral também comandou o Bahia, clube pelo qual venceu o Campeonato Baiano de 1967. Em 1968, quando ainda estava no Esquadrão de Aço, seu temperamento difícil o levou à delegacia após uma partida contra o Fluminense. Na ocasião, ele agrediu o bandeirinha e o árbitro, que solicitou a sua detenção. O técnico tirou um ano sabático e, no retorno, teve a responsabilidade de substituir Telê Santana no próprio Flu – uma mudança brusca de gerenciamento de elenco, por assim dizer. Apesar de alguns atritos, Paulo faturou o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, antecessor do Brasileirão, em 1970.
Depois disso, Amaral passou a rodar o mundo com mais intensidade: deixou as Laranjeiras rumo ao Vasco, mas não repetiu o desempenho em São Januário. Em seguida, passou pelo Porto e pela seleção paraguaia, igualmente sem bons resultados. Participou de uma pífia campanha dos Dragões, que ficaram apenas com a quinta colocação do torneio nacional, em 1972, e não conquistou vitórias pela Albirroja, fracassando em levá-la ao Mundial de 1974.
No fim de sua carreira, Amaral ainda treinou o Botafogo mais três vezes, e passou por America, do Rio de Janeiro, Guarani e Al-Hilal. Seu último título foi o Campeonato Paraense de 1977, pelo Remo. Em 1980, aos 57 anos, o Sargento de Ferro pendurou a prancheta.
Paulo Lima Amaral faleceu em maio de 2008, acometido de um câncer, no Rio de Janeiro. Pioneiro na preparação física brasileira e no posicionamento defensivo na Itália, o carioca marcou época – não só pelo arquétipo de treinador durão, bastante difundido no esporte, mas pelas contribuições ao futebol que conhecemos hoje.
Paulo Lima Amaral
Nascimento: 18 de outubro de 1923, no Rio de Janeiro (RJ)
Falecimento: 1º de maio de 2008, no Rio de Janeiro (RJ)
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Flamengo (1942-45) e Botafogo (1946-48)
Títulos como jogador: Campeonato Carioca (1943, 1944 e 1948) e Torneio Início (1947)
Carreira como treinador: Botafogo (1959-61, 1973, 1976 e 1980), Vasco (1961-62 e 1971), Juventus (1962-63), Corinthians (1964), Genoa (1964), Atlético Mineiro (1966), Bahia (1967-68), Fluminense (1969-70), Porto (1971-72), Paraguai (1973), America-RJ (1974-75), Remo (1976-78), Al-Hilal (1978) e Guarani (1978)
Títulos como treinador: Copa dos Alpes (1962), Campeonato Baiano (1967), Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1970) e Campeonato Paraense (1977)