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Fracassos na Itália foram síntese da caótica carreira de Mohamed Sissoko

Yuri Said

Histórias de jogadores que decepcionaram por influência de lesões e escolhas equivocadas não são incomuns no futebol. O volante malinês Mohamed Sissoko, por exemplo, flertou com cada um desses fatores e, de promessa nos tempos de Valencia e Liverpool, se transformou em reforço fracassado de Juventus e Fiorentina.

Momo, como é carinhosamente conhecido, nasceu em janeiro de 1985, na bela região da Normandia francesa, famosa por sua riqueza cultural, gastronômica e histórica. Filho de Mohamed, um operário, de Fatou, uma camareira, e da diáspora africana, ele cresceu ao lado de 14 irmãos. Para não dar trabalho aos pais, decidiu ser jogador de futebol bem cedo.

A decisão pelo esporte fazia sentido, já que o futebol está no sangue de sua família. Momo é sobrinho de Salif Keita, um dos maiores jogadores da história de Mali – que foi ícone do Saint-Étienne e ainda defendeu Marseille, Valencia e Sporting. Além disso, é primo de Seydou Keita, que passaria pela Roma, e de Oumar Sissoko. Um de seus irmãos mais novos, Abdoul, também seria profissional.

No início da adolescência, Momo passou pela academia do Troyes, time da cidade em que sua família havia se estabelecido, e aos 12 anos rumou ao Auxerre para integrar as divisões de base dos azuis-e-brancos. Originalmente um camisa 10, o franco-malinês realizou a transição para o profissional no AJA, onde chegou a atuar até como atacante.

Antes mesmo de estrear profissionalmente, Sissoko assinou com o Valencia, da Espanha, no verão europeu de 2003. No entanto, ele ainda tinha vínculo com o clube francês e nenhuma negociação foi conduzida entre as partes, o que resultaria numa indenização posterior: os che foram condenados a pagar 300 mil euros de multa e entraram em acordo com o Auxerre para que o montante de 1 milhão de compensação encerrasse o caso, por cobrir os custos pela formação de Momo e pela rescisão de seu contrato.

Logo nos amistosos de pré-temporada do Valencia, o técnico Rafa Benítez percebeu que Sissoko seria melhor aproveitado como meia central, pois poderia se valer de suas longas pernas para correr e roubar bolas, algo que seu físico e sua estatura também lhe permitiam. O jogador de 1,91 m se firmou na nova posição e não saiu mais de lá.

Apesar de já ter se lesionado seriamente antes de chegar a Turim, Sissoko teve bons primeiros meses pela Juventus (AFP/Getty)

Momo atuou por duas temporadas na Espanha, nas quais disputou 62 partidas e conquistou seus primeiros títulos na carreira. Antes mesmo de completar 20 anos, ele havia faturado um Campeonato Espanhol, uma Copa Uefa e uma Supercopa Europeia – os dois primeiros sob as ordens de Benítez e o segundo sendo comandado pelo italiano Claudio Ranieri, que o substituiu. Naquela mesma época, Sissoko optou por defender a seleção de Mali, país de seus genitores. O volante disputou a Copa Africana de Nações de 2004, na qual os malineses ficaram na quarta posição.

Em 2005, Sissoko e Benítez se reencontraram. Momo chegou a negociar com o Everton e até conversou com o técnico David Moyes no aeroporto de Amsterdã, mas o Liverpool, a pedido de seu antigo treinador na Espanha, atravessou o negócio com o rival. O volante não pode recusar o chamado do mentor e, por 12 milhões de euros, os Reds garantiram sua contratação junto ao Valencia.

Momo rapidamente conquistou a titularidade no time então campeão europeu, que iniciou a temporada 2005-06 com o título da Supercopa Uefa. Sua jornada na Inglaterra marcou a fase mais brilhante de sua carreira e parecia levar à consolidação de um meio-campista jovem, mas maduro para a idade, além de muito combativo e com alguma habilidade na construção de jogadas ofensivas. Até que, nas oitavas de final da Champions League, contra o Benfica, uma dividida custou caro a Sissoko: a chuteira de Beto feriu o seu olho direito e lesionou a sua retina. Em entrevista ao site The Athletic, o malinês disse que, a partir desse momento, não foi mais o mesmo.

Cerca de um mês depois da cirurgia que reparou o seu olho, o volante estava de novo em campo. Inicialmente, usando óculos de proteção, tal qual Edgar Davids – no entanto, se sentia atrapalhado pelo acessório e logo optou por descartá-lo. Sissoko voltou a jogar, porém sem a mesma confiança de antes. “Minha visão estava boa o suficiente para atuar como profissional, mas psicologicamente eu não estava tão bem. Quando você sofre uma grande lesão, como a minha, isso permanece em sua mente. Você sabe que escapou por pouco”, disse ao The Athletic.

O volante até tornou a ganhar oportunidades no time inglês após a lesão no olho, mas apenas até deslocar seu ombro. Aí, a concorrência se tornou difícil de administrar: o Liverpool chegou a contar, ao mesmo tempo, com Momo, Steven Gerrard, Xabi Alonso, Javier Mascherano e Lucas Leiva. O malinês foi perdendo espaço e, em janeiro de 2008, aos 23 anos, desejou voltar a trilhar o caminho que poderia transformá-lo de promessa a realidade entre os grandes meias defensivos do futebol europeu: conversou com Benítez e pediu para ser negociado.

Sissoko encerraria a sua passagem pelo Liverpool depois de duas temporadas e meia, nas quais faturou três títulos – além da Supercopa Uefa, levantou a Copa da Inglaterra e a Community Shield. O volante chegou a conversar com o Barcelona, mas o seu destino lhe levaria a reencontrar um velho conhecido: Ranieri, seu técnico no Valencia. O treinador comandava a Juventus e indicou a sua contratação, que foi fechada em 11 milhões de euros.

Logo que chegou em Turim, Sissoko ganhou o apelido de La Piovra – “o polvo”, em italiano. O motivo? Suas longas pernas, que mais pareciam tentáculos, sempre capazes de serem esticadas para desarmar os adversários. Momo fez sua estreia pela nova equipe em empate por 1 a 1 contra o Cagliari, lanterna da Serie A, jogando pouco mais de 20 minutos. A titularidade só chegou em sua quarta partida, na derrota por 2 a 1 para a Reggina, penúltima colocada.

Uma sequência de lesões afetou o volante malinês durante um período complicado também para a Juventus (Getty)

A partir de então, Momo foi titular da Juventus em quase todos os jogos até o final da temporada, sendo uma das peças centrais no 4-4-2 de Ranieri – a seu lado, costumavam revezar Tiago, Cristiano Zanetti, Antonio Nocerino e, às vezes, Hasan Salihamdzic. A ascensão do malinês no elenco bianconero culminou até em gol em sua sexta aparição, numa derrota caseira por 3 a 2 para a Fiorentina. Com sua imponente estatura, Sissoko era presença constante nas bolas paradas da Vecchia Signora. Em uma dessas jogadas, pelo lado direito do ataque, ele aproveitou um rebote de Sébastien Frey e, de costas para a baliza, finalizou com um toque por cima do goleiro, encontrando o fundo das redes.

A Juventus terminaria a Serie A no terceiro lugar, 10 pontos atrás da Roma e 13 atrás da campeã Inter. A vaga na Liga dos Campeões estava garantida, mas a equipe precisava apenas passar pela última rodada dos playoffs para garantir a classificação à fase de grupos – o que ocorreu numa eliminatória tranquila contra o Artmedia Petrzalka, da Eslováquia. Sissoko, que acumulou 15 aparições em 19 possíveis naqueles meses, sonhava com uma temporada de afirmação em 2008-09.

Na parte inicial da campanha, Momo seria bem-sucedido em seu objetivo. Apesar de colecionar muitos cartões amarelos e até uma expulsão, ofereceu muita segurança como primeiro volante titular do time de Ranieri, permitindo que o garoto Claudio Marchisio saísse mais para o jogo. Na Champions League, contribuiu com a trajetória dos bianconeri, concluída com a eliminação para o Chelsea, nas oitavas de final. Na Coppa Italia, apesar de ter desperdiçado um pênalti ante o Napoli, nas quartas, ajudou a Juventus a avançar até as semifinais.

Na Serie A, apesar de a Inter de José Mourinho ter aberto boa vantagem na liderança, a Velha Senhora levaria a melhor na intensa disputa com o Milan pelo vice. Naquela campanha, Sissoko marcou um gol de cabeça em derrota por 3 a 2 para o Cagliari e, menos de um mês depois, anotou belo tento no 2 a 0 sobre o Palermo, após uma bela arrancada a partir do meio-campo. Momo ganhou de Fabio Liverani, carregou a bola e deu uma pedalada para tirar Simon Kjaer e Cesare Bovo da jogada antes de finalizar forte e vencer Marco Amelia.

No entanto, aqueles seriam os últimos grandes momentos de sua carreira – apesar de ter apenas 24 anos. Menos de 15 dias após o golaço contra o Palermo, a sua boa fase foi interrompida por mais uma séria lesão. No clássico de Turim, pela 27ª rodada da Serie A, ele quebrou o pé em um lance dividido. O jogo, realizado no fim de semana entre os duelos de ida e volta das oitavas de final da Liga dos Campeões, tirou Sissoko de todo o restante da temporada e transformou o potencial sucesso em fracasso precoce.

Sem o malinês em campo, a Juventus foi eliminada pelo Chelsea no torneio europeu e, na Coppa Italia, caiu para a Lazio de Delio Rossi. No fim da Serie A, a equipe perdeu fôlego na briga pela vaga direta na fase de grupos da Champions League: estava em terceiro, a três pontos do Milan e um à frente da Fiorentina. A diretoria optou por demitir Ranieri e dar uma chance a Ciro Ferrara, que garantiria o vice. O novo técnico seria mantido em 2009-10.

Devido à lesão sofrida em março de 2009, Sissoko perdeu o início da temporada 2009-10, retornando aos gramados apenas em outubro. Sem Ranieri, de quem era pupilo, o volante teria que trabalhar para retomar seu espaço: para isso, precisaria superar Felipe Melo, de ótimo ano pela Fiorentina, contratado para seu lugar.

Sissoko tentou colocar sua carreira nos trilhos na Fiorentina, mas entrou em campo pouquíssimas vezes pela equipe (Getty)

O fato é que jamais houve disputa. La Piovra enfrentou problemas físicos ao longo de toda a época e participou apenas de 24 partidas na horrenda campanha dos bianconeri. Ferrara não aguentou o tranco de dirigir a Juventus e Alberto Zaccheroni não melhorou a situação em grande coisa: a Velha Senhora perdeu 15 vezes na Serie A, o que não ocorria desde 1962, e ainda teve eliminações precoces na Coppa Italia, para a Inter, e na Liga dos Campeões, onde caiu na fase de grupos. Para coroar o ano ruim, foi goleada pelo Fulham nas oitavas de final da Europa League.

Na temporada 2010-11, Sissoko tinha boas expectativas de que as coisas voltariam a ser como no início de sua passagem pela Juventus – até de camisa ele trocou, deixando a 22 para assumir a 5, que era de Fabio Cannavaro. Andrea Agnelli assumiu o comando das operações do clube e contratou o treinador Luigi Delneri para iniciar um novo ciclo em Turim. No entanto, os problemas físicos ressurgiram e Momo não conseguiu manter uma sequência de partidas. Uma cirurgia no joelho, em fevereiro de 2011, encerrou a sua passagem pelo Piemonte, com 100 jogos disputados.

A Juventus não decolou com Delneri – foi novamente sétima colocada. A gestão de Agnelli resolveu efetuar nova reformulação e não havia espaço para Sissoko, envolto em dúvidas sobre seu condicionamento físico, no projeto de Antonio Conte. Com isso, em julho de 2011, o malinês foi vendido ao Paris Saint-Germain por 8 milhões de euros.

Momo foi apresentado no clube da capital do país em que nascera ao lado do italiano Salvatore Sirigu. Era o primeiro ano da gestão do catari Nasser Al-Khelaifi e o PSG parecia um grande destino para alguém que estivesse buscando um novo começo. Afinal, era um time com novo – e bastante ambicioso – projeto. Com apenas 26 anos, Sissoko ainda tinha uma longa carreira pela frente, e seu histórico provava que tecnicamente, teria muito a oferecer.

Infelizmente, não foi bem assim que a carruagem andou. Sissoko até foi titular na maior parte da campanha que culminou no título do PSG na Ligue 1, embora sem muito destaque individual. No entanto, os problemas no joelho voltariam a lhe fustigar e, em 2012-13, lhe permitiriam entrar em campo somente sete vezes.

Durante esse período, em janeiro de 2013, Sissoko representou a seleção de Mali na sua ótima campanha na Copa Africana de Nações – as águias ficaram na terceira posição, após derrota para a Nigéria nas semifinais e vitória posterior sobre Gana. Depois de retornar da seleção, o PSG o emprestou à Fiorentina.

Momo voltou à Itália com a esperança de se recuperar, mas os problemas físicos e a falta de ritmo o impediram de ser sequer considerado como peça fiável pelo técnico Vincenzo Montella. A Viola foi quarta colocada da Serie A, embora o malinês tenha contribuído pouquíssimo: só atuou em cinco ocasiões, sendo uma como titular. Para piorar, em junho foi submetido a uma nova cirurgia no joelho.

A escolha pela Ternana foi tão equivocada que Sissoko atuou apenas uma vez pela equipe da Serie B (Arquivo/Ternana Calcio)

Sem condições físicas para atender ao projeto ambicioso da equipe parisiense, teve seu contrato encerrado no início da temporada 2013-14. Cercado de desconfianças devido a seus problemas no joelho, Momo só conseguiu acertar com um novo clube em janeiro de 2014. Fechou com o Levante e, mais uma vez, buscou a recuperação de sua carreira num ambiente em que já obtivera sucesso anteriormente.

Sem muito êxito, permaneceu no Levante até o final da temporada 2014-15, enfrentando lesões no tendão de Aquiles e problemas musculares ao longo de sua trajetória no time valenciano. Dali em diante, Sissoko viveu uma peregrinação pelo globo, acumulando escolhas ruins e meses no departamento médico. Na Ásia, defendeu Shanghai Shenhua (China), Pune City (Índia), Mitra Kukar (Indonésia) e Kitchee (Hong Kong). O malinês ainda passou pelo Atlético San Luis, filial do Atlético de Madrid no México, e por mais três empreitadas na Europa. A mais curta delas, na Itália.

Curtíssima, realmente. Meses depois de não ser aprovado num período de testes pelo West Bromwich, Sissoko parou na Ternana em fevereiro de 2017. A ideia era ajudar o time da Úmbria a permanecer na Serie B, mas Momo só atuaria em uma partida, saindo do banco. Os rossoverdi viviam grande confusão e tiveram cinco técnicos na temporada, ainda que tenham se salvado do descenso. O malinês sequer fazia parte do elenco quando isso ocorreu, pois optara por rescindir o contrato em março. “Cheguei lá e nada era bom. Vamos dizer que me prometeram algo que não seria possível cumprir. Então achei melhor ir procurar outro lugar para jogar”, afirmou ao The Athletic.

Sissoko entraria em campo pela última vez em 2019, aos 34 anos, defendendo o Sochaux na briga contra o rebaixamento para a terceirona francesa. Sua aposentadoria seria anunciada em 2020, numa entrevista para o canal RMC Sport, da França. “Se estou aqui esta noite, é para dizer que é o fim para mim. Encerro a minha carreira. Era uma decisão realmente difícil de ser tomada”, afirmou logo no início da conversa com a emissora.

Ao longo de sua carreira, Sissoko defendeu 14 clubes, atuando em equipes de três continentes. Ao dar de cara com problemas físicos incontornáveis, se tornou um andarilho na esperança de prolongar sua trajetória nos campos, que poderia ter sido bem diferente caso ele tivesse conseguido manter a forma mostrada no Valencia e, por vezes, no Liverpool e na Juventus. Após sua aposentadoria, permaneceu ativo no futebol como agente de jogadores, na esperança de revelar atletas que possam encontrar o sucesso perene, e não apenas o temporário.

Mohamed Lamine Sissoko
Nascimento: 22 de janeiro de 1985, em Mont-Saint-Aignan, França
Posição: volante
Clubes: Auxerre (2002-03), Valencia (2003-05), Liverpool (2005-08), Juventus (2008-11), Paris Saint-Germain (2011-13), Fiorentina (2013), Levante (2014-15), Shanghai Shenhua (2015), Pune City (2016), Mitra Kukar (2016-17), Ternana (2017), Atlético San Luis (2017), Kitchee (2018) e Sochaux (2019)
Títulos: La Liga (2004), Copa Uefa (2004), Supercopa Uefa (2004 e 2005), Copa da Inglaterra (2006), Community Shield (2006) e Ligue 1 (2013)
Seleção malinesa: 34 jogos e 2 gols

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