Jogadores

Em sua passagem pelo Milan, Mathieu Flamini nunca se firmou como titular

Dizer que Mathieu Flamini foi um grande jogador talvez seja exagero. Certamente, o ex-volante do Milan tem gerado mais impacto mundial fora dos campos, como cofundador da GF Biochemicals, empresa de valor bilionário e pioneira no mundo na produção do ácido levulínico, visto como alternativa à produção de polímeros derivados do petróleo, fundador do portal The BioJournal, primeira revista eletrônica sobre bio e ecossustentabilidade, ou ainda como membro do comitê pela excelência ambiental dos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris. Não há como não notar que notável currículo como protagonista fora do mundo dos esportes contrasta com sua posição de coadjuvante em times vencedores do Diavolo e do Arsenal.

Mathieu tem sangue italiano: é filho de pai oriundo de Roma e de mãe originária da Córsega, ilha francesa que esteve, durante séculos, sob domínio de reinos que viriam a formar a Itália no século XIX e que, por isso, conserva grande influência cultural itálica. Flamini nasceu em 1984 na cidade de Marselha, no sul da França, e começaria sua carreira futebolística pelo Olympique de Marseille.

O volante estreou pelo Marseille na temporada 2003-04, ganhando destaque na campanha de sétimo lugar do time liderado por Didier Drogba na Ligue 1 e, principalmente, na trajetória do vice-campeonato da Copa Uefa: disputou as nove partidas dos phocéens na competição, sendo oito como titular. Os franceses eliminaram o Liverpool nas oitavas de final, a Inter nas quartas e o Newcastle nas semifinais, mas pararam no Valencia.

Na época, o contrato de Flamini ainda não era o de um profissional, mas de juvenil. Quando o Marseille lhe ofereceu um novo vínculo, era tarde. A proposta foi recusada pelo volante, que já tinha um acerto para se transferir gratuitamente para o Arsenal – apesar de, posteriormente, os Gunners terem sido condenados a indenizar o time da Provença em 480 mil euros. Em Londres, Mathieu seria treinado pelo compatriota Arsène Wenger e esperava ver uma grande evolução em seu futebol.

Não foi exatamente o que ocorreu na Inglaterra. Em sua primeira passagem pelo Arsenal, que teve a duração de quatro anos, Flamini só foi titular mesmo na última temporada. Nas outras, foi um reserva frequentemente utilizado e que não atuou apenas como volante: em 2005-06, por exemplo, quebrou o galho na lateral esquerda, devido a uma série de lesões no setor.

Os títulos que conquistou pelo Arsenal nesta passagem foram obtidos em 2004-05 – a Community Shield, na qual nem jogou, e a Copa da Inglaterra, competição em que disputou, sempre como titular, quatro dos sete compromissos dos Gunners. Descontente com a reserva, Flamini chegou a decidir deixar o clube londrino ao fim de 2006-07, mas foi demovido da ideia após uma conversa com Wenger.

Alçado ao posto de titular no lugar do brasileiro Gilberto Silva ano seguinte, o volante formou dupla de meio-campo com Cesc Fàbregas e ganhou suas primeiras chances na seleção da França. Até aquele momento, tinha defendido os Bleus apenas no sub-21, participando da campanha do terceiro lugar no Europeu da categoria, em 2006. Flamini até foi pré-convocado para a Euro 2008, mas não integrou a lista final de Raymond Domenech. O craque Patrick Vieira, ainda que longe de seu melhor nível físico, foi mantido no grupo.

Flamini chegou ao Milan após passagem pelo Arsenal, mas nunca conseguiu se consolidar no onze inicial rossonero (Getty)

Pouco antes de ter sido vetado da Euro, entretanto, o francês havia decidido seu destino em nível de clubes. Se havia optado por prosseguir no Arsenal em 2007, em 2008 tomou a iniciativa de não renovar o seu vínculo com os Gunners e, a custo zero, firmou com o Milan em maio daquele ano.

Na Itália, Flamini também não se tornaria um titular absoluto. Porém, foi em Milão que o volante daria início a seu sucesso extracampo. Logo no primeiro ano no país de seu pai, conheceu Pasquale Granata, economista e empreendedor de Caserta, que viria a se tornar seu sócio na GF Biochemicals – empresa pioneira na produção de ácido levulínico, um solvente tido como alternativa sustentável ao petróleo e vendido para a indústria de setores como cosméticos, tintas e fertilizantes. A sua participação na sociedade só viria a se tornar pública em 2015.

Dentro das quatro linhas, o volante começou sua aventura no Milan com a derrota por 2 a 1 para o Bologna, em pleno San Siro, na rodada inaugural da Serie A 2008-09. Após a estreia como titular, Flamini passou a ser uma opção de banco para Carlo Ancelotti, que só foi utilizá-lo com mais frequência a partir da segunda metade da temporada. Inclusive, a versatilidade do francês fez com que ele atuasse como lateral-direito no fim da época, devido às lesões de nomes como Daniele Bonera e Kakha Kaladze, que levaram com que o treinador o improvisasse no flanco direito e pudesse mover Gianluca Zambrotta para o esquerdo, em revezamento com Marek Jankulovski.

O trabalho de Ancelotti dava sinais de desgaste e, após uma pífia temporada, concluída com o terceiro lugar na Serie A e eliminações precoces na Copa Uefa e na Coppa Italia, quando caiu nas fases de 16-avos de final e oitavas, respectivamente, o treinador decidiu, em acordo com o presidente Silvio Berlusconi, encerrar o seu vínculo com o clube. A renovação foi geral, visto que Paolo Maldini se aposentou, Kaká foi vendido ao Real Madrid e Andriy Shevchenko não teve empréstimo renovado junto ao Chelsea. Neste novo cenário, sob a condução do brasileiro Leonardo, que passou de diretor a técnico, Flamini não ganhou espaço. Na verdade, até perdeu um pouco.

Leonardo até fez o Milan praticar um bom futebol, embora os resultados não tenham sido tão diferentes daqueles obtidos na temporada anterior – terceiro lugar na Serie A, queda nas quartas da Coppa Italia e nas oitavas da Champions League. O brasileiro optou por não seguir no clube e, para 2010-11, o Diavolo contaria com um novo treinador. Dessa vez, para a sorte de Flamini.

Com a chegada de Massimiliano Allegri, Mathieu frequentou mais vezes a equipe titular. Algo que teria sido ainda mais frequente se não fossem algumas lesões, que interromperiam a sua sequência no onze inicial do Milan. Apesar disso, contribuiu para que os rossoneri faturassem o scudetto, que não ganhavam havia sete anos. Sua ajuda mais vigorosa foi mesmo através de suas atribuições de marcador, como volante, mas Flamini também anotou gols decisivos para as vitórias sobre Bari e Bologna.

Quando parecia estar ganhando seu espaço no time rossonero, com uma boa sequência como titular, Flamini sofreria um grande baque. Contra a Juventus, pelo troféu amistoso Luigi Berlusconi, na pré-temporada de 2011-12, o volante rompeu o ligamento cruzado do joelho direito. A previsão inicial feita pelos médicos era a de uma recuperação num período de cinco a seis meses, mas o francês só voltou a atuar após pouco mais de oito.

No Milan, o volante francês teve uma passagem marcada por períodos no banco de reservas e lesões (Getty)

Assim, embora tenha integrado o elenco que faturou a Supercopa Italiana, Mathieu disputou apenas dois dos últimos três jogos do Milan na Serie A. Curiosamente, até anotou o gol que inaugurou a vitória por 2 a 1 do vice-campeão nacional sobre o Novara, na derradeira rodada da competição – uma partida, inclusive, que marcou a despedida de várias lendas milanistas, como Alessandro Nesta, Zambrotta, Gennaro Gattuso, Clarence Seedorf e Filippo Inzaghi, sem falar em Thiago Silva e Zlatan Ibrahimovic, que seriam negociados na janela de transferências seguinte.

A grave lesão de Flamini, quem diria, ampliaria a sua estadia no Milan. Ao fim da temporada, o clube anunciou a renovação com o volante por mais uma época, embora com salário bastante reduzido – o francês, que ganhava 4,5 milhões de euros por ano, receberia 1,8 mi em 2012-13.

Efetivamente, a temporada de Flamini não foi grande coisa. Apesar de recuperado da lesão no joelho, foi relegado ao banco por Allegri durante o primeiro semestre da campanha, tendo participado somente de sete jogos. Sua maior utilização se deu no confuso fim da trajetória rossonera em 2012-13, quando recebeu chances por conta de lesões no setor, como a de Nigel de Jong, e péssimas exibições de alguns colegas. Mathieu até marcou quatro gols, ajudando o Milan a ser terceiro colocado da Serie A e a ficar com vaga na Champions League.

No verão europeu de 2013, após 122 partidas e oito gols pelo Milan, Flamini ficou sem clube. O francês só foi encontrar um emprego novamente quando o Arsenal, ainda treinado pelo compatriota Wenger, lhe deu uma nova chance ao fim de agosto. O volante continuou a ser coadjuvante dos Gunners, embora tenha atuado com um pouco mais de frequência do que no Diavolo. Em sua segunda passagem pelo time londrino, o francês ganhou dois títulos da Copa da Inglaterra e duas edições da Community Shield.

Flamini deixou o Arsenal em fim de contrato e teve um triênio final de carreira bastante melancólico, no qual chegou a ficar sem clube por vários meses. Em setembro de 2016, firmou um vínculo anual com o Crystal Palace, time em que pouco jogou.

Mathieu só voltaria a ficar empregado novamente em janeiro de 2018, quando assinou com o Getafe. O francês contribuiu parcamente para a campanha de oitavo lugar dos azulones em La Liga, foi dispensado e acabou retornando à equipe espanhola em janeiro de 2019. Outra vez, somou poucas partidas, mas pode colocar no currículo o fato de ter integrado o elenco do time em seu melhor desempenho na primeira divisão – um quinto posto. Em seguida, aos 35 anos, anunciou sua aposentadoria.

Após o fim de sua carreira, Flamini passou a se dedicar às atividades da empresa que fundou na época em que jogava no Milan, além de se mostrar um grande apoiador de causas ambientais e do combate às mudanças climáticas. Embaixador da Green Football Weekend, iniciativa que busca conscientizar torcedores a tomarem atitudes mais sustentáveis em suas vidas, o francês foi categórico sobre o papel do esporte numa entrevista ao jornal britânico The Guardian. “O futebol precisa lutar contra as mudanças climáticas porque é uma das últimas coisas capazes de unir as pessoas, de falar com todos, ricos ou pobres, em qualquer lugar do mundo”.

Mathieu Pierre Flamini
Nascimento: 7 de março de 1984, em Marselha, França
Posição: volante
Clubes: Marseille (2003-04), Arsenal (2004-08 e 2013-16), Milan (2008-13), Crystal Palace (2016-17) e Getafe (2018 e 2019)
Títulos: Community Shield (2004, 2014 e 2015), Copa da Inglaterra (2005, 2014 e 2015), Serie A (2011) e Supercopa Italiana (2011)
Seleção francesa: 3 jogos

Compartilhe!

Deixe um comentário