Serie A

A aposta em Paulo Fonseca ratifica a passividade da atual diretoria do Milan

Quando estava à frente da Roma, o português Paulo Fonseca revelou que, quando jovem, era fã do Milan. Durante uma entrevista coletiva, ele ativou a memória afetiva e sublinhou a qualidade do time rossonero no final dos anos 1980 e início da década 1990. “[Arrigo] Sacchi, [Fabio] Capello, todos grandes treinadores e todos os grandes jogadores, fizeram coisas fantásticas. Uma das equipes mais legais que eu já vi”, destacou. Algumas décadas depois, o técnico foi o escolhido para suceder outro comandante marcante na história milanista, Stefano Pioli, o que gerou protestos da torcida.

Na verdade, Fonseca não era a primeira opção para sentar no banco do Milan após o fim da “Era Pioli”. Não fosse uma forte rejeição dos torcedores, Julen Lopetegui seria o homem responsável por treinar os rossoneri na próxima temporada. O negócio colapsou após a pressão dos fãs, o espanhol assinou com o West Ham e a diretoria do clube italiano teve que voltar a estudar novos perfis. Porém, a torcida rapidamente percebeu que o esforço realizado para evitar a contratação de Lopetegui não valeu a pena. Isso porque a cúpula milanista não estava de olho em “grandes treinadores”.

Antonio Conte era um dos nomes mais desejados pelos torcedores, mas não despertou o interesse dos dirigentes rossoneri e, assim, aceitou a missão de recuperar o Napoli para 2024-25. O ítalo-brasileiro Thiago Motta conduziu o Bologna a uma histórica classificação à Liga dos Campeões e atraiu atenção de muitos grandes, incluindo o Milan, porém a agremiação de Milão optou por dar um voto de confiança em Pioli na reta final da temporada. Resultado: o Diavolo foi eliminado da Liga Europa pela Roma e Motta acertou com a Juventus.

Compatriota de Fonseca, Sérgio Conceição se tornou um nome bem comentado nos aredores de San Siro após a troca de presidentes no Porto. Também houve borburinho quando Roberto De Zerbi, cria milanista e conhecido por seu estilo ofensivo, deixou o Brighton ao fim da temporada. Ainda havia o excêntrico Maurizio Sarri disponível no mercado depois de uma saída conturbada da Lazio. Todos, contudo, ficaram atrás de Fonseca, pelo menos na concepção da diretoria americana que dá as ordens no Milan.

Oficializado nesta quinta-feira, 13 de junho, o ex-comandante de Roma e Lille fechou contrato três anos. O Diavolo não informa oficialmente o salário de novos funcionários, mas a imprensa local reporta que o português receberá 2,5 milhões de euros mais bônus por temporada. Trata-se de uma remuneração bem inferior à dos principais técnicos trabalhando atualmente na Serie A: a efeito comparativo, Conte firmou vínculo com o Napoli para ganhar 10 milhões de euros anuais (incluindo bônus); Igor Tudor, ex-comandante da Lazio, recebia 3 milhões de euros por temporada antes de entregar o cargo ao fim da temporada.

Fonseca vem de boa temporada com o Lille e, ainda segundo várias fontes na Itália e na França, recusou uma oferta financeiramente melhor do Olympique de Marseille para fechar com o Milan. Ele é conhecido por desenvolver jovens talentos, ser diplomático com torcida e imprensa e não espernear com dirigentes por conta de reforços. Em sua primeira entrevista coletiva como conselheiro sênior da RedBird, fundo norte-americano que dá as ordens no clube milanês, Zlatan Ibrahimovic destacou o potencial do português.

“Para nós, Fonseca é um dos melhores treinadores. Para os torcedores, posso dizer que uma coisa nova está chegando, futebol diferente de antes. Futebol dominante e ofensivo com o equilíbrio de conseguir defender bem”, pontuou o ex-atacante. “Com as perdas de Simon [Kjaer] e [Olivier] Giroud, o time será ainda mais jovem na próxima temporada. Também por isso escolhemos Fonseca, para trabalhar com os jovens. O papel dele é importante”, enfatizou.

O perfil ideal aos olhos dos dirigentes, mas frustrante sob o aspecto do torcedor. Enquanto a visão dos homens da RedBird é consolidar um projeto a médio/longo prazo – dentro e fora de campo –, a torcida está ansiosa por um salto de qualidade. É óbvio que o Milan, como time e marca, cresceu bastante sob o comando de Pioli. Foram vários momentos marcantes: a enorme sequência de invencibilidade após a retomada do futebol devido à pandemia, a volta à Liga dos Campeões depois de sete anos, um scudetto conquistado na última rodada do campeonato e uma semifinal de Champions.

No entanto, mesmo com a torcida marcando presença em peso no San Siro, a derradeira temporada deixou a desejar em muitos aspectos, especialmente em grandes jogos – quatro derrotas, três empates e só uma vitória contra equipes que terminaram no G5 da Serie A. Quando uma epidemia de lesões assolou o time, entre o fim de 2023 e início de 2024, Pioli chegou a balançar no cargo, segundo a imprensa italiana. Mas ganhou um voto de confiança – mais um entre tantos – dos cartolas. Apesar do suícida sistema tático 5-0-5. Apesar das enormes quedas nos dérbis contra a Inter. Apesar das declarações fora da realidade do técnico. Apesar do alto número de gols sofridos em 2023-24.

O time jogava mal, suava para sair de campo com a vitória, diversos jogadores sofriam com problemas musculares e o comandante dava declarações fora da realidade. Mesmo assim, entretanto, os dirigentes do Milan apareciam na imprensa para respaldar o trabalho realizado por Pioli e sua comissão técnica. O presidente Paolo Scaroni até chegou a dizer, logo após o Diavolo perder para a Inter e ver a rival conquistar o título italiano, que a temporada do clube era “boa”. Uma passividade que revoltou a torcida, a ponto de os ultras protestarem no San Siro durante os últimos jogos na Serie A.

Por tudo isso, um técnico de renome era o que a maioria das pessoas que acompanham o Milan diariamente esperava para o pós-Pioli. A diretoria, contudo, optou por cautela e mais passividade. E, por ser futebol, pode ser que dê certo a aposta em Fonseca, assim como aconteceu com Pioli. Ele chegou a Milanello fortemente criticado, deu a volta por cima, fez o Diavolo desistir da contratação do alemão Ralf Rangnick e conduziu a equipe a um scudetto. Vale ressaltar, ainda, que três dos maiores treinadores da história rossonera – Sacchi, Capello e Carlo Ancelotti – não tinham status de primeira prateleira quando chegaram ao clube. Muito pelo contrário.

Paulo Fonseca desembarca em um Milan cujo elenco é um dos melhores da Itália e certamente ganhará reforços antes do início da próxima temporada, sobretudo um lateral-direito, um meio-campista defensivo e um atacante referência. Agora, é certo que, ao menor passo em falso de seu time, o português receberá mais críticas do que um comandante mais tarimbado ganharia. Afinal, é o maior trabalho de sua carreira como técnico. Se, quando jovem, Fonseca se deliciava assistindo os esquadrões de Sacchi e Capello, a missão atual é fazer a torcida manifestar sentimentos semelhantes acompanhando a equipe milanista.

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