Após uma Euro decepcionante, a Itália iniciou sua trajetória na Liga das Nações da Uefa em Paris, enfrentando a temida França, uma das seleções mais poderosas da atualidade. Um clássico europeu que reeditou a final da Copa do Mundo de 2006. De um lado, os azzurri; do outro, Les Bleus. E quem saiu feliz foram os italianos, que venceram os mandantes por 3 a 1, em um dia para ficar guardado na memória: a Nazionale não batia os franceses em seus domínios havia 70 anos e jamais havia ganho no Parc des Princes.
A Nations League, no ciclo 2024-25, se tornou ainda mais importante do que era. Afinal, a partir de agora, pois todos os quadrifinalistas da competição, que antes tinha apenas um Final Four após a fase de grupos, serão cabeças de chave nas eliminatórias europeias para a Copa do Mundo de 2026. Uma vantagem que pode ser fundamental, especialmente após duas edições seguidas em que a Nazionale sequer se classificou para o torneio. Vencer a França seria importante por ambas as competições, além de recuperar a autoestima italiana.
Didier Deschamps mandou seu time a campo em um 4-2-3-1, com a estreia de Olise e Mbappé jogando centralizado. Já Luciano Spalletti voltou a utilizar três zagueiros, potencializando os alas Cambiasso e Dimarco, e dando liberdade para o talentoso Tonali, que retornava à Nazionale após quase um ano de suspensão por envolvimento com apostas irregulares.
Diferentemente do que aconteceria no desenrolar do jogo, as coisas começaram da pior maneira possível para a Itália. Com apenas 14 segundos, o fulminante ataque francês penalizou a desatenta defesa azzurra em uma rápida jogada. Depois do recuo de Cambiaso, Di Lorenzo cochilou e Barcola não dormiu no ponto: roubou-lhe a bola e finalizou para as redes. Foi o gol mais rápido da história da Nations League.
A resposta italiana quase veio aos 6 minutos, com um cabeceio de Frattesi que parou no travessão. Na sobra, Retegui, também de cabeça, não conseguiu direcionar a bola e acabou jogando-a por cima da baliza. Os momentos seguintes foram de total controle da França, que, mesmo sem ter grande posse da pelota, se manteve em campo ofensivo e ainda criou duas boas oportunidades, com Mbappé e Olise. Ambas foram defendidas por Donnarumma.
Após 15 minutos frenéticos, a equipe de Spalletti conseguiu finalmente esfriar o jogo e ter algum controle dele, se defendendo com a bola e já não sofrendo mais com as investidas francesas, quase sempre pelo lado esquerdo de ataque – onde Di Lorenzo, pupilo do treinador, mostrou as mesmas dificuldades apresentadas na Euro. Aos 25 minutos, finalmente a Squadra Azzurra voltou a levar perigo, com um chute de dentro da área de Retegui, impedido pelo goleiro Maignan. Logo no lance seguinte, num erro na saída de bola da França, Frattesi arriscou de fora da área e teve seu chute bloqueado. A sorte parecia estar começando a virar.
E foi com meia hora de bola rolando que a impressão virou certeza. Após uma bela virada de jogo de Cambiasso, de ala para ala, Dimarco escorou para Tonali, que – com a parte externa do pé – deu uma fantástica assistência para um sem pulo ainda mais incrível do lateral-esquerdo. Um golaço da Itália, que só crescia no jogo, a partir de uma atuação consistente do seu trio de meias, formado pelo jogador do Newcastle e por Frattesi, da Inter, e Ricci, do Torino. Os franceses sentiram o golpe, cedendo mais uma oportunidade à Nazionale aos 34 minutos: mais uma vez Retegui, de cabeça; mais uma vez a bola subiu demais.
Aos 38, porém, quase veio uma ducha de água fria para os italianos, com um belo chute de Barcola, que desviou no meio do caminho, enganou Donnarumma e passou perto da trave. A joia francesa vivia uma ótima jornada e era quem mais levava perigo à defesa azzurra, sendo justamente o jogador que mais conseguia acelerar o jogo e assustar o goleiro adversário. Pelo lado visitante, o principal destaque era o “onipresente” Tonali, que parecia sempre estar perto da bola, tanto no momento defensivo quanto no ofensivo. A partida girava à sua volta.
Ao final da primeira etapa, a peleja estava empatada em 1 a 1, com algumas boas chances para os dois lados e o coletivo dos italianos se sobrepondo ao talento individual dos franceses na maior parte do tempo. No intervalo, Spalletti decidiu fazer uma substituição, pondo Raspadori no lugar de Pellegrini. O time ficaria ainda mais ofensivo, passando do 3-5-1-1 para um 3-5-2 com mais presença no ataque. Deschamps, por outro lado, não mexeu em sua equipe.
O segundo tempo começou tão intenso quanto o primeiro. Não demorou para a Itália criar sua primeira grande chance, em uma arrancada de Tonali pela ponta esquerda. Depois de um passe para trás, a bola chegou em Raspadori, que tinha a opção de tocar para dois companheiros livres, mas preferiu disparar da entrada da área. Acabou parando numa segura defesa de Maignan.
Dois minutos depois, a virada: em uma jogada com grande participação de seus três jogadores mais agudos, a Itália chegou ao segundo gol. Frattesi interceptou um passe ruim de Fofana, que estava sendo pressionado por Retegui, e Raspadori ficou com a sobra. Foi o início de uma triangulação: o atacante do Napoli acionou Retegui, pela direita e o ítalo-argentino encontrou Frattesi no meio da área. Artilheiro da gestão Spalletti, com cinco gols, o interista teve apenas o trabalho de empurrar a bola para a rede.
Vista como um azarão antes da partida, a Itália passou a dominar ainda mais o jogo, empilhando oportunidades e permitindo pouco ao seu rival. Aos 58 minutos, Maignan fez um milagre para salvar a França de tomar o terceiro após um escanteio rasante cobrado por Dimarco culminar em um ótimo cabeceio de Frattesi.
Logo antes, entrara Dembélé, que precisaria de apenas cinco minutos para ser colocado na cara do gol por Griezmann. Porém, o ponta desperdiçou a oportunidade ao tentar o voleio e pegar em falso na bola. No minuto seguinte, ele mesmo caiu em uma disputa e, acidentalmente, atingiu Calafiori, que tentou continuar, mas teve de ser substituído por uma lesão na panturrilha. Antes, Frattesi, com dores na coxa, também foi sacado. Entraram Buongiorno, na zaga, e Udogie, na ala canhota – Dimarco, então, foi reposicionado no meio-campo.
A partir de então, a França, que já vinha crescendo na partida, passou a aumentar a pressão, mas quem chegou ao gol, aos 74, foram os azzurri. Em mais uma bela jogada coletiva, produzida com velocidade e com destaque dos alas, Udogie deixou Raspadori em ótimas condições dentro da área. O atacante contou com erro de bote de Saliba e mostrou frieza para vencer Maignan.
Os franceses não desistiram, seguiram indo para cima e assustaram em um belo chute de Griezmann, aos 76 minutos. Os italianos mantiveram a calma, ficaram com a posse e não cederam chances claras. A partida continuava majoritariamente controlada pelos azzurri, com algumas raras estocadas dos dois lados, como uma arrancada pelo flanco direito do incansável Tonali, e uma tentativa de penetração de Mbappé pela direita. As duas jogadas terminaram com passes para trás, que não foram concluídos a gol.
Nos minutos finais, a França partiu para o abafa e a Itália fez valer sua tradição, se defendendo de forma organizada. Já aos 89, Dembélé invadiu a área italiana e cruzou, buscando a cabeça de Thuram, mas Di Lorenzo cortou, mostrando que a noite realmente era azzurra. O estreante Koné, novo reforço da Roma, foi o último jogador francês a buscar o gol, com um perigoso chute de fora da área, já nos acréscimos.
No fim das contas, tivemos uma incontestável vitória italiana por 3 a 1. Os azzurri superaram os favoritos franceses não apenas no resultado, mas no futebol jogado durante os 95 minutos de bola rolando e, de forma merecida, voltaram a vencer os rivais após quatro partidas – o que não ocorria desde 2008. O primeiro triunfo no Parc des Princes, depois de três empates e uma derrota, além do fim de um jejum de sucessos sobre os adversários em solo francês, que durava desde 1954, dão a dimensão do feito. Spalletti admitiu não ter feito um bom papel na Euro 2024 e, logo na sequência da competição, reagiu com a mais sólida exibição de seu trabalho. A reconstrução da Nazionale enfim começou?