Serie A

Quando parece cedo cair tarde demais

No último encontro entre Spalletti e Ranieri, deu Ranieri: Spalletti nunca venceu a Juve

Com os olhos marejados, na manhã desta terça-feira Luciano Spalletti deixava Trigoria, centro esportivo da Roma. Depois de quatro anos, dessa vez não voltaria na manhã de quarta. Seu pedido de demissão já havia sido antecipado por inúmeras fontes ligadas ao clube, mas ainda assim a oficialização causou um choque de tom clamoroso: “Tomei a decisão que considerava ser a mais justa para o bem do clube”. Assim saia de cena o treinador toscano. “Levarei sempre comigo o hino cantado pela torcida o estádio, e estarei sempre o cantando também”, se despediu Spalletti em uma entrevista à Sky Sport24.

A crise que separou os caminhos de Roma e Spalletti e encerrou uma série de sucessos não começou do nada. Desde o verão de 2008, quando o treinador viajou até Paris para ouvir uma proposta do Chelsea, as contestações só aumentaram e o clima nunca mais foi o mesmo. Irônico, já que pouco antes a Roma spallettiana havia feito sua melhor temporada com o scudetto perdido somente na última rodada, por conta de uma magia de Ibrahimovic nos minutos finais da Serie A. Mas a partir daí se seguiram a má campanha no campeonato passado, a desilusão do técnico com o fraco mercado de entradas, a decantada falta de comprometimento tático de alguns jogadores e as derrotas para Genoa e Juventus na largada da atual Serie A. Tudo conspirava contra, mas o contrato de €7 milhões por mais dois anos era um porto seguro para Spalletti. Até que ele próprio pediu demissão e o clube não demorou a aceitar.

Luciano Spalletti tem para si o mérito de ter reconstruído um vestiário depois da terrível temporada em que a Roma teve quatro treinadores e quase terminou rebaixada. Era um ambiente inóspito desde a saída de Fabio Capello e a entrada do projeto da família Sensi de ressaneamento das contas da sociedade. O início complicado em campo gerou alguma instabilidade, mas Spalletti confiou bem em alguns jogadores-chave e reinventou o posicionamento de vários deles no seu 4-2-3-1, com Totti à frente como único atacante. Na falta do capitão, Taddei assumiu a condição de centroavante. A continuidade gerou o belo jogo e alguns resultados impressionantes, como as onze vitórias consecutivas na Serie A, os resultados históricos sobre Real Madrid, Lyon e Chelsea pela Liga dos Campeões e a queda do tabu em Milão. Ainda que contratempos como a Supercopa inacreditavelmente perdida para a Inter, as infindáveis derrotas para a Juventus e a humilhante queda para o Manchester United acompanhem essa história.

O pedido de demissão pareceu ser feito cedo demais, mas o ciclo já tinha sido encerrado

O treinador toscano esteve perto de deixar o clube em junho, mas a presidente Rosella Sensi o convenceu a permanecer – mais por razões econômicas que propriamente técnicas. Um dos argumentos seria a garantia de contratações que agregassem valor a um elenco já desgastado emocional, técnica, física e até fisiologicamente. Spalletti teria pedido demissão logo depois da estreia na Serie A, com a derrota para o Genoa, mas foi outra vez convencido a mudar de ideia. Mas o claro rompimento entre sociedade, elenco e treinador, a janela de transferências próxima do ridículo e a situação societária ao limite do paradoxal fizeram a decisão inicial pesar mais alto e definir o divórcio entre Spalletti e a Roma.

Já que seu ciclo em Trigoria estava encerrado bem antes do primeiro dia de setembro, a direção romanista gastou menos de oito horas a partir do anúncio oficial do pedido de demissão para confirmar as principais especulações. No fim da tarde, Claudio Ranieri foi anunciado novo técnico giallorosso. Demitido pela Juventus a duas rodadas do fim da última Serie A, o romano chega com a missão de evitar um vexame na temporada romanista, começando seu trabalho duas rodadas depois dos rivais. A relação entre Ranieri e a Roma nasceu numa tarde chuvosa de novembro de 1973, quando o então lateral estreou no Marassi contra o Genoa.

Como técnico, o primeiro grande trabalho de Ranieri foi no Cagliari, onde chegou em 1989. Em dois anos, tirou os sardos da Serie C1 e os conduziu a um retorno à Serie A que parecia utópico em sua chegada. O feito chamou a atenção do Napoli, pelo qual garantiu o retorno partenopeo às competições européias numa temporada e acabou demitido em outra, acabando na Fiorentina recém-rebaixada. Graças aos gols de Batistuta, os viola voltaram à A de primeira e por lá Ranieri continuou mais quatro anos. As temporadas seguintes viram um viajante pela Europa. No Valencia, foram duas passagens. Para Gustavo Bodaneze, torcedor do clube, foi com Ranieri que “o Valencia voltou a ter mentalidade vencedora, ganhou uma Copa do Rei e depois viram finais de LC”. Mas seu retorno foi péssimo, “não fez um bom trabalho e saiu ainda no meio da temporada, com um elenco moldado por ele”.

Pela Roma, foram duas Copas, uma Supercopa e três vice-campeonatos da Serie A

Em Londres, Ranieri aportou em 2000 para dirigir um ascendente Chelsea ainda sem o poder financeiro de Abramovich. Lá, para o torcedor Thiago Araújo, “Ranieri simplesmente manteve o nível, o time ainda terminava em posições intermediárias na Premier League”. Com a chegada do magnata, a pressão foi bem maior: “na sua única temporada, Ranieri não decepcionou: o time foi vice-campeão da PL e eliminou o Arsenal na Liga dos Campeões”. Mas o italiano não resistiu à eliminação para o Monaco e foi substituído por José Mourinho. Depois de quase dois anos de inatividade, Ranieri retornou à Itália a tempo de salvar o Parma do rebaixamento e assumir o comando da Juventus por dois anos. Mesmo criticado, recolocou a Vecchia Signora na LC com quatro rodadas de antecipação. Um milagre, segundo o zagueiro Legrottaglie.

Como bem disse Leonardo Bertozzi em sua coluna de hoje na Trivela, a saída de Spalletti não é a que o treinador merecia. Sob seu comando, “poucas equipes italianas e europeias mostraram um jogo tão agradável quanto o da Roma, baseado em velocidade e categoria, apostando em um esquema 4-2-3-1 que virou modelo para vários outros clubes por sua funcionalidade. Exatamente por sua importância para a história recente da Roma, tanto Spalletti quanto a Roma poderiam ter conduzido de outra maneira a separação”. Como ficou tarde demais para colar os cacos desse relacionamento, a Ranieri caberá a missão de salvar uma temporada já fadada ao insucesso. Missão complicada. Mas um choque que pode ser o que um time tão indolente como o giallorosso necessita.

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