Pouco mais de 10 anos depois de conquistar o tricampeonato da Liga dos Campeões, a Inter voltou a decidir uma competição europeia, em 2020. Naquela atribulada temporada, que teve de ser interrompida durante vários meses devido à eclosão da pandemia de covid-19, os nerazzurri acabaram sendo superados pelo Sevilla na final da Liga Europa. A derrota, no entanto, não impediu que o projeto em curso na Pinetina tivesse continuidade e resultasse em uma sequência de taças levantadas.
A Inter teve uma década de 2010 bastante complicada. A Tríplice Coroa obtida sob o comando de José Mourinho, em 2009-10, representou o ápice da gestão do presidente Massimo Moratti, mas as dívidas que o petroleiro adquiriu para levar a sua equipe do coração às vitórias apressaram o fim de sua administração. Os últimos anos morattianos foram de investimento limitado e a venda do clube ao indonésio Erick Thohir, em 2013, foi um verdadeiro passo em falso. A Beneamata voltou a desfrutar de um ambiente mais positivo após a chegada do grupo Suning: os chineses assumiram o controle societário em 2016, e, em outubro de 2018, quando Steven Zhang foi empossado como mandatário, se aproximaram mais do dia a dia da agremiação.
O processo de reconstrução dos nerazzurri teve a participação do técnico Luciano Spalletti, que devolveu a Inter à Champions League em 2018 e repetiu o feito no ano seguinte. Mas, para saltos maiores, a diretoria buscou Antonio Conte, que fora tricampeão italiano pela Juventus e ganhara também uma Premier League pelo Chelsea. O elenco também foi reforçado com nomes como Diego Godín, Alessandro Bastoni, Nicolò Barella, Alexis Sánchez e Romelu Lukaku – que faria dupla de ataque com o já ambientado Lautaro Martínez.
O início do trabalho de Conte pela Inter foi de bastante competitividade na Serie A, mas o time ainda não estava pronto o suficiente para concorrer com os peixes grandes em nível continental. Em solo italiano, a Beneamata concorria pelo título com a Juventus de Maurizio Sarri e a Lazio de Simone Inzaghi, mas na Champions League ficou em terceiro num grupo com os classificados Barcelona e Borussia Dortmund, além do eliminado Slavia Praga. Dessa forma, foi relegada à Liga Europa.
A Inter havia disputado apenas a fase de 16 avos de final da Europa League quando a covid-19 fez o mundo parar. Nesta etapa, realizada em fevereiro de 2020, precisou mandar seu jogo no estádio Giuseppe Meazza com portões fechados, por precauções sanitárias, e eliminou o Ludogorets, da Bulgária, por um placar agregado de 4 a 1.
Entre o início de março e o fim de junho de 2020, a bola não rolou na Europa. Quando a Uefa, algumas federações nacionais e suas respectivas ligas receberam o sinal verde das autoridades de saúde para a retomada das competições, com portões fechados, os campeonatos locais tiveram prioridade em seu encerramento. As fases finais da Champions League e da Europa League ocorreriam apenas em agosto, com jogos únicos em mata-matas realizados em sedes fixas – em Portugal e na Alemanha, respectivamente.
Dessa forma, a Inter chegou às oitavas de final da Liga Europa na condição de vice-campeã italiana, apesar de ter praticado um futebol mais convincente do que o da Juventus. E isso foi mostrado no caminho até a decisão do torneio: os nerazzurri somaram vitórias tranquilas ante Getafe (2 a 0), Bayer Leverkusen (2 a 1) e Shakhtar Donetsk (5 a 0). Só que, do outro lado, estava o Sevilla, que havia faturado cinco títulos da competição em menos de 15 anos.
O Sevilla se classificara à Liga Europa após o sexto lugar obtido em La Liga em 2018-19. Para a nova temporada, o time trocou o comando de Joaquín Caparrós pelo de Julen Lopetegui e obteve resultados: mostrou muita qualidade durante todo o ano, concluído com o quarto lugar no Campeonato Espanhol e, consequentemente, a vaga na Champions League seguinte já assegurada.
Naquela Liga Europa, o Sevilla passeou no Grupo A, obtendo cinco vitórias e um empate numa chave que ainda tinha APOEL, Qarabag e Dudelange. Depois, sofreu para eliminar o Cluj (ficou no 1 a 1 no placar agregado, avançando por conta do gol anotado na Romênia) e virou a chavinha após a pausa provocada pela pandemia de covid-19. Os rojiblancos eliminaram Roma (2 a 0), Wolverhampton (1 a 0, com tento no finalzinho) e Manchester United (2 a 1), de modo que chegaram à decisão carregando uma sequência de 14 jogos de invencibilidade desde a retomada do futebol no continente.
Para a final, realizada no RheinEnergieStadion, de Colônia, Conte repetiu a mesma escalação que havia superado Getafe, Bayer Leverkusen e Shakhtar Donetsk. Em suma, um 3-5-2 com a experiência de Godín na zaga, a força defensiva de D’Ambrosio numa das alas e o poder ofensivo de Ashley Young na outra, e uma física trinca de meio-campistas, que podia sustentar a dupla Lu-La: Barella, Marcelo Brozovic e Roberto Gagliardini. Lopetegui respondeu com seu 4-3-3 habitual, mas com uma mudança que se revelaria fundamental: Luuk De Jong no lugar de Youssef En-Nesyri no comando do ataque.
O jogo começou dentro do cenário esperado, com o Sevilla buscando ter a posse de bola e a Inter saltando suas linhas para pressionar alto. Mas, antes mesmo que as equipes pudessem se estudar no gramado, Barella roubou efetuou um desarme no meio-campo e ativou Lukaku. O belga arrastou Diego Carlos e acabou derrubado dentro da área pelo zagueiro brasileiro. O próprio camisa 9 cobrou o pênalti com força, no canto inferior esquerdo de Bono, abrindo o placar para a Beneamata. Com seu 34º gol em 2019-20, Romelu igualou a primeira temporada de Ronaldo pelo clube – e se tornou vice-artilheiro da Liga Europa, com sete tentos.
O Sevilla não sentiu o peso do gol sofrido e conseguiu bons minutos de futebol logo depois dele. O time espanhol baseou seu jogo em Éver Banega, que controlava as ações, direcionava a equipe e buscava ativar os ex-milanistas Lucas Ocampos e Suso por dentro, para posteriormente chegar à linha de fundo com seus laterais. Foi numa dessas jogadas, que aos 15 minutos, Jesús Navas recebeu pela direita e, com espaço, cruzou para De Jong. O holandês se antecipou muito bem a Godín e testou para o fundo da rede, empatando a partida.
Depois do gol do Sevilla, pela primeira vez a Inter buscou trabalhar um pouco mais a posse de bola – algo que poderia ter sido mais constante, visto que a equipe tinha bons mecanismos para escapar da pressão e chegar ao ataque. Brozovic era o centro de tudo, voltando para receber a pelota e distribuir o jogo. Contudo, outra vez se mostrou um problema contar com Gagliardini pelo centro do campo. Pouco refinado tecnicamente e com pouca confiança em seu momento, o volante nerazzurro parecia se esconder no gramado, o que facilitava a marcação espanhola e atrapalhava a progressão do time italiano.
Nessa disputa de ideias e suas execuções, o duelo tinha um bom nível técnico – até que a bola parada começou a aparecer como fator preponderante. Aos 33, Banega cobrou falta a partir do lado direito e De Jong virou para a equipe da Andaluzia ao cabecear no ângulo, depois de subir mais alto do que Gagliardini – que tinha na imposição física e no jogo aéreo as principais razões alegadas por Conte para dar-lhe preferência em detrimento a Christian Eriksen.
A Beneamata nem teve tempo para sentir o peso do gol marcado pelos rivais, já que, dois minutos depois, foi a vez de Brozovic cobrar falta com perfeição. A bola foi na cabeça de Godín, que se redimiu pelo erro no primeiro tento do Sevilla e se transformou no primeiro zagueiro a anotar em decisões de Liga dos Campeões e Liga Europa.
Depois do 2 a 2, a partida caiu em termos de ritmo e acerto técnico, já que as duas equipes passaram a cometer muitos erros na zona central e a fazer muitas faltas. O jogo foi para o intervalo e os dois treinadores buscaram realizar ajustes em suas estratégias apenas na conversa, sem realizar substituições.
O Sevilla voltou ao gramado do RheinEnergieStadion mais focado em estabelecer o seu fluxo de jogadas pelo corredor esquerdo, com sua dupla mais produtiva – Sergio Reguilón e Ocampos –, enquanto a Inter tentou realizar uma disputa mais acirrada pelo controle da posse de bola, abrindo Godín e Bastoni pelos flancos e contando com Barella mais recuado até a base da criação.
O embate entre dois coletivos fortes era bastante interessante, mas poucas chances de gol estavam sendo criadas. Até que, aos 64 minutos, quando o Sevilla atacava com oito jogadores no campo ofensivo, Stefan de Vrij roubou a bola e Brozovic ativou Lukaku em transição. O belga avançou em velocidade e finalizou com a perna esquerda, sem conseguir tirar Bono da jogada: o marroquino fez a defesa e evitou a virada da Inter.
Depois da chance perdida, a Inter perdeu rendimento, Lopetegui trocou Ocampos por Munir e o Sevilla passou a controlar as ações. Conte demorou para responder e, aos 74, a bola parada outra vez foi preponderante para o resultado da partida. Banega cobrou falta pela direita, a defesa nerazzurra rebateu e Diego Carlos emendou de bicicleta. Lukaku tentou afastar a pelota da direção do gol e acabou marcando contra.
Após o 3 a 2, Conte finalmente realizou mudanças na equipe: sacou D’Ambrosio, Gagliardini e Martínez, colocando Victor Moses, Eriksen e Sánchez em seus lugares, mas já era tarde demais. Assim como em outros momentos da temporada, a resiliência e a força mental desse grupo se mostrou abaixo do esperado e a Inter não conseguiu reagir na partida. Tentou empurrar o Sevilla, realizou alguns cruzamentos laterais, mas levou perigo a meta rival em apenas uma oportunidade, quando Jules Koundé afastou o arremate de Alexis, que ia em direção ao gol. Com o hexacampeonato rojiblanco, a Beneamata completou nove anos sem levantar uma taça – àquela altura, a última era a da Coppa Italia, em 2011.
O trabalho de Conte tinha muitos méritos, principalmente quanto à diversidade da saída de bola da equipe e ao modo como sua dupla de ataque foi capaz de criar suas próprias chances – Lukaku e Lautaro nunca precisaram de muito suporte para gerar jogo. Embora a temporada tenha sido positiva e represente um salto de desempenho, alguns pontos terminaram sob avaliação mais dura, como a dificuldade de preservar vantagens nas partidas. O próprio treinador cogitou deixar Milão, mas permaneceu após uma reunião positiva com o diretor esportivo Giuseppe Marotta.
Com arestas aparadas, contratações pontuais pedidas por Conte e a manutenção de quase todos os figurões do elenco, a Inter voltou a vencer já em 2020-21: sob o comando do apuliano, faturou a Serie A. O treinador optou por deixar a Beneamata após o título, mas o ciclo de triunfos nerazzurro prosseguiu com Inzaghi, que ganhou duas edições da Supercopa Italiana e da Coppa Italia, além de ter conduzido a equipe de Milão a uma decisão da Champions League após 13 anos de ausência. O Sevilla, por sua vez, não demorou a levantar outra taça da Liga Europa – o fez em 2023, às custas da Roma de Mourinho.
Sevilla 3-2 Inter
Sevilla: Bono; Navas, Koundé, Diego Carlos (Gudelj), Reguilón; Banega, Fernando, Jordán; Suso (Vázquez), De Jong (En-Nesyri), Ocampos (Munir). Técnico: Julen Lopetegui.
Inter: Handanovic; Godín (Candreva), De Vrij, Bastoni; D’Ambrosio (Moses), Barella, Brozovic, Gagliardini (Eriksen), Young; Lukaku, Martínez (Sánchez). Técnico: Antonio Conte.
Gols: De Jong (12’ e 33’) e Lukaku (contra; 74’); Lukaku (5’) e Godín (36’)
Árbitro: Danny Makkelie (Países Baixos)
Local e data: RheinEnergieStadion, Colônia (Alemanha), em 21 de agosto de 2020