Quando garantiu a terceira colocação no Campeonato Italiano da temporada passada, a Atalanta já sabia que tinha a partir daquele momento, um encontro marcado com a história: seria a primeira vez que a Dea iria jogar a fase de grupos da Liga dos Campeões. Quando a competição começou, de fato, o time treinado por Gian Piero Gasperini sentiu muito o impacto inicial de estar no maior torneio do mundo e nas três primeiras rodadas da fase de grupos, não somou pontos, ficando em posição extremamente delicada visando a classificação para as oitavas de final. O normal seria a equipe abaixar a cabeça, aceitar a experiência e focar na liga nacional, mas o normal não rege essa equipe. Não mesmo.
Essa Atalanta tem em seu DNA a ousadia, o enfrentamento e a coragem, além da força mental necessária para sair de situações complicadas. Foi o que aconteceu. Empate com o Manchester City na quarta rodada, vitória contra o Dinamo Zagreb na seguinte e triunfo contra o Shakhtar Donetsk no encerramento da fase de grupos: passaporte carimbado para as oitavas. O sorteio acabou ajudando os nerazzurri, que tiveram em seu caminho o Valencia, um rival bem acessível.
Na noite dessa quarta feira, a Atalanta adentrou um San Siro que recebeu um público de cerca de 45 mil pessoas, mais do que o dobro da capacidade do Gewiss Stadium, de propriedade nerazzurra. Nesse contexto, a Dea cumpriu mais uma etapa do seu encontro marcado com a história: jogar o mata-mata da Liga dos Campeões.
O encaixe tático era uma parte interessante do duelo, já que o Valencia costuma atuar no 4-4-2 e optar por uma forte marcação na zona central, sempre escorado na intensidade de Kondogbia, antes de buscar os contra-ataques. Sabendo disso, Gasperini entrou com um desenho tático ideal para tirar o encaixe defensivo rival e obrigar os espanhóis a ficar com a bola mais do que gostariam. Dessa maneira, queria provocar erros que pudessem colocar a Atalanta em condição de vantagem, o que acabou acontecendo.
A equipe da casa controlou os primeiros 20 minutos com Papu Gómez aberto no lado esquerdo, Ilicic fazendo função análoga no flanco oposto e Pasalic atacando o espaço pelo centro do campo, além dos alas Gosens e Hateboer buscando as diagonais. Dessa maneira, a Dea somou boas ações em campo ofensivo e acabou chegando ao primeiro gol. Gómez recebeu pelo lado esquerdo, trouxe a jogada para o centro do campo e entrou na grande área. A marcação do Valencia foi equivocada e o argentino teve tempo para limpar o zagueiro e encontrar Hateboer na trave contrária, prontinho para colocar a bola no fundo da rede.
O cenário do jogo permaneceu o mesmo até os 28 minutos, quando o Valencia conseguiu sua primeira escapada com efetividade pelo lado direito, com Gonçalo Guedes atacando bem as costas de Gosens e levando perigo à meta defendida por Gollini. Os minutos seguintes à finalização do ponta português do Valencia foram extremamente caóticos, mas a Atalanta continuava levando a melhor no encaixe tático. Havia uma diferença, no entanto: os visitantes encontraram meios para fazer a contra-pressão, roubar a bola na zona central e, em poucos toques, saírem na cara do goleiro italiano. O próprio Guedes teve outra excelente oportunidade de marcar, pouco depois.
Contudo, se o final do primeiro tempo se encaminhava para uma pressão do Valencia em busca do empate, Ilicic tratou de devolver a tranquilidade ao torcedor no San Siro. Pasalic inverteu uma bola desde o lado esquerdo e o esloveno dominou com uma classe impressionante, deixando dois marcadores na saudade e ajeitando para, com a perna direita, soltar um petardo espetacular no ângulo esquerdo de Doménech, que até tocou na bola, mas sem sucesso.
Tudo que o Valencia havia conseguido trabalhar na metade final da primeira etapa foi embora junto com o segundo tento nerazzurro. Os primeiros 15 minutos do segundo tempo foram de um controle absoluto do jogo por parte da Atalanta, que conseguia fazer a bola circular de um lado a outro do campo, contando com Papu Gómez recuado para funcionar como um autêntico regista, ativando Ilicic na entrelinha rival e, dessa maneira, fazendo toda a engrenagem projetada pelo Gasperini funcionar. Aos 57, Freuler recebeu pela esquerda, invadiu a grande área e finalizou com perfeição para ampliar. Cinco minutos depois foi a vez de Hateboer tabelar com Pasalic pelo lado direito e bater com firmeza para vencer o goleiro e fazer 4 a 0.
O Valencia parecia completamente entregue, como um lutador de boxe quando fica grogue com a potência de uma série de golpes desferidos pelo rival. Mas, no pior momento dos espanhóis no jogo, Palomino se equivocou na hora de sair jogando e Cheryshev, que acabara de entrar, aproveitou. Recolheu a bola e bateu firme no canto inferior direito de Gollini para descontar.
Depois do gol do Valencia, a partida voltou ao cenário caótico do final do primeiro tempo. As duas equipes erravam muitos passes, ofereciam espaço para contra-ataques e contavam com a sorte para não sofrerem gols. Gasperini tentou mudar a situação ao pressionar o Valencia: Zapata entrou no lugar do Caldara e De Roon passou a jogar como zagueiro. Mas, apesar de ter feito bem o pivô em alguns lances, o colombiano esteve muito abaixo em termos técnicos, errou domínios, precipitou finalizações e perdeu boas oportunidades de gol. Ainda que acuado, o Valencia tentou se lançar com tudo ao ataque e até criou boas oportunidades, mas acabou parando em boas defesas do Gollini e na falta de pontaria dos seus homens de frente.
O duelo terminou mesmo em 4 a 1 para a Atalanta, que agora pode perder por até dois gols de diferença na Espanha para avançar às quartas de final da Liga dos Campeões. Contudo, mesmo que o pior aconteça na semana que vem, a noite de 19 de fevereiro de 2020 jamais terá fim em Bérgamo. Nesta noite, a Atalanta se apresentou ao mundo e coroou um incrível trabalho em conjunto, realizado por direção, treinador e atletas.