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Na Copa de 1990, a Itália aplacou decepção ao bater a Inglaterra e ficar com o terceiro lugar

A rivalidade futebolística entre Itália e Inglaterra dura mais de 100 anos e é de se imaginar que, a cada capítulo adicionado a essa história, a antipatia entre as duas nações aumente. Apesar de não ser um dos mais badalados confrontos de seleções europeias, ele já proporcionou grandes jogos. Um dos mais emblemáticos foi, sem dúvida, a disputa pelo terceiro lugar na Copa do Mundo de 1990, disputada em solo italiano.

Em 1990, a Squadra Azzurra tinha um sonho e uma missão dificílima: superar rivais extremamente qualificados, como a Argentina de Diego Armando Maradona, o Brasil de Careca, a Alemanha de Lothar Matthäus e a Holanda de Marco van Basten, para levantar a taça na sua própria casa. A pressão começou antes mesmo da Copa: ao cair nas semifinais da Euro 1988 para a União Soviética, o técnico Azeglio Vicini tinha a obrigação de fazer a Itália competir pelo topo do mundo. Elenco para isso ele tinha: nomes como Walter Zenga, Giuseppe Bergomi, Franco Baresi, Paolo Maldini, Roberto Baggio, Gianluca Vialli e Salvatore Schillaci compunham o esquadrão convocado para o Mundial.

No duelo com os ingleses, a Itália teve a participação de jogadores que atuaram pouco em 1990, como Ancelotti (BT Sports Photography/Getty)

Mesmo fazendo uma grande Copa e chegando a concluir a competição de forma invicta, a Itália não viveu apenas “noites mágicas” na Copa de 1990. Vicini não era um grande gestor de elenco e, nos bastidores, teve atritos com Vialli e Baggio. Uma grande controvérsia ocorreu após a vitória sobre a Checoslováquia, no último jogo da fase de grupos. Robi marcou um lindo gol, ao carregar a bola desde o meio-campo, mas o técnico optou por criticar o craque, ao dizer que ele poderia ser menos individualista durante as partidas.

O Divin Codino seguiu no time nos triunfos sobre Uruguai e Irlanda, nas oitavas e nas quartas, mas foi para o banco de reservas na semifinal contra a Argentina de Maradona. Baggio até entrou em campo no segundo tempo, em substituição a Vialli, mas os italianos saíram derrotados nos pênaltis em um San Paolo efervescente. Robi voltaria a ser titular na disputa pelo terceiro lugar do Mundial.

A adversária dos italianos seria uma Inglaterra que chegou a ser taxada como surpreendente. Apesar de ter menos nomes badalados do que suas adversárias mais qualificadas, a equipe inglesa soube se valer do pragmatismo para somar resultados úteis. Comandada pelo técnico Bobby Robson, o time ainda contava com seu goleiro veterano Peter Shilton e o goleador Gary Lineker, mas também com alguns jovens, como David Platt e o amalucado Paul Gascoigne, que seria ídolo da Lazio.

Schillaci jogou contra a Inglaterra no intuito de se isolar na artilharia da Copa – e conseguiu (Getty)

Tal qual a Squadra Azzurra, os ingleses chegaram à decisão de terceiro lugar com invencibilidade vigente. Na fase de grupos, a Inglaterra abusou do pragmatismo ao empatar com Irlanda e Holanda e, na última rodada, vencer o Egito pelo placar mínimo. Mesmo assim, faturou uma improvável liderança da chave e teve um caminho menos pesado do que as rivais no mata-mata. Os britânicos fizeram três prorrogações e sofreram nas duas primeiras: 1 a 0 sobre a Bélgica, no finalzinho, e 3 a 2 contra Camarões, sensação da Copa. Depois, o empate por 1 a 1 levou a semifinal com a Alemanha Ocidental para os pênaltis e os germânicos levaram a melhor antes de se sagrarem campeões.

Diante da capacidade da Inglaterra de equilibrar partidas contra adversários mais qualificados, se esperava um jogo parelho no estádio San Nicola, em Bari. Construída especialmente para a Copa, a arena apuliana, que até hoje é a terceira maior da Itália, com capacidade para receber mais de 58 mil pessoas, ficou próxima de sua lotação: cerca de 51,5 mil torcedores compareceram para assistir o último compromisso da Squadra Azzurra naquele Mundial.

Pelo lado italiano, Vicini promoveu o retorno de Baggio ao time titular e também permitiu que Schillaci pudesse jogar, no intuito de se isolar na artilharia da competição e deixar Tomás Skuhravy para trás. O treinador também deu espaço a Carlo Ancelotti e Pietro Vierchowod, que haviam sido pouco utilizados, e viabilizou a estreia de Ciro Ferrara no torneio. Robson, por sua vez, não contava com o suspenso Gascoigne e efetuou quatro mudanças em relação à equipe que foi eliminada pela Alemanha Ocidental.

Vicini colocou Baggio no banco na semifinal, mas devolveu o craque ao campo na disputa pelo terceiro lugar (Getty)

O primeiro tempo da peleja ficou marcado por ótimas chances de abrir o placar por parte das duas equipes, mas sem nenhum sucesso. Tanto Zenga quanto Shilton tiveram que trabalhar bastante – o inglês, em especial. Logo nos minutos iniciais, o arqueiro britânico precisou defender um chute de Ferrara meio no susto e, para a sua sorte, a trave lhe deu uma ajuda. No rebote, Schillaci não conseguiria anotar. A chance mais clara da Inglaterra seria com um cruzamento de Paul Parker para Lineker, mas a zaga italiana afastou o perigo antes que a bola chegasse ao atacante rival.

Para o segundo tempo, os ventos começariam a soprar em favor dos italianos. Schillaci quase fez um gol logo nos primeiros minutos, mas a bola subiu demais em seu arremate. Mas, até a metade daquela etapa, os times mostravam pouca pontaria e criatividade comprometida. Só um lance fortuito parecia capaz de mudar o ritmo do jogo – e ele veio.

Aos 71 minutos, o veteraníssimo Shilton passou de herói a vilão. O goleiro de 41 anos tinha a bola dominada, porém não percebeu a aproximação de Baggio, que lhe roubou a posse. A partir de então, a arbitragem cometeu dois erros grosseiros: primeiro, o árbitro francês Joël Quiniou não assinalou o pênalti do arqueiro sobre o italiano; e, na sequência do lance, o auxiliar argelino Mohamed Hansal deixou de marcar o claríssimo impedimento de Robi após o passe de Schillaci, que ganhou o pé de ferro com Des Walker e serviu o companheiro. O Divin Codino estava perto da linha de fundo e nenhum adversário lhe dava condição, mas a jogada prosseguiu mesmo assim e o craque ainda deixou Parker no chão antes de abrir o placar.

Schillaci foi um dos nomes do jogo contra a Inglaterra, ao contribuir com uma assistência e um gol (Getty)

Logo após o gol, Robson tratou de colocar Neil Webb e Chris Waddle nas vagas de Mark Wright e Steve McMahon. A reação dos ingleses quase saiu dos pés de Webb, num forte chute de fora da área, que Zenga espalmou. O goleiro italiano não pode fazer muita coisa aos 81 minutos, quando Platt recebeu cruzamento na medida de Tony Dorigo, subiu mais do que a zaga e cabeceou forte, empatando o jogo. Seria o primeiro de muitos tentos do britânico no San Nicola, visto que ele seria adquirido pelo Bari em 1991.

Faltando pouco para o final da partida, o drama estava posto. Porém, a Itália estava determinada a não decepcionar o seu torcedor mais uma vez, e queria sair com o terceiro lugar a qualquer custo. Aos 86 minutos, então, o jogo mudou novamente.

Partindo quase da defesa, Baggio arrancou até dentro da área inglesa e serviu Schillaci. Só que Parker derrubou o centroavante na área e o árbitro assinalou o pênalti. O próprio Totò converteu a cobrança e assumiu a artilharia isolada da Copa, com seis gols, e um feito invejável: não balançou as redes apenas contra os Estados Unidos. No fim das contas, a Itália venceu por 2 a 1 e o camisa 19 ainda faturou o prêmio de melhor jogador da competição.

Bola na rede contra os ingleses valeu a artilharia isolada a Schillaci e lhe aproximou do prêmio de craque da Copa de 1990 (Getty)

Para os ingleses, o quarto lugar foi como um título. Após conquistarem a taça mundial em 1966 e um terceiro lugar na Euro de 1968, que, veja só, foi sediada na Itália, os Three Lions acumularam performances pífias nos principais torneios de seleções. Isso só mudou com um desempenho melhor em 1986, quando pararam nas quartas de final, por obra da Argentina e dos gols mais famosos de Maradona: o que ele deixa para trás meio time britânico antes de concluir para as redes e o conhecido como “La Mano de Dios”.

A volta da Inglaterra às semifinais de um Mundial após 24 anos fez com que a delegação fosse recebida em Londres com pompa. Porém, apesar das boas expectativas, a seleção não iria muito longe depois da saída de Robson do comando, ao fim da expedição na Itália. Além disso, os britânicos cairiam na fase de grupos da Eurocopa de 1992, na Suécia, não conseguindo a vaga justamente contra os donos da casa, e sequer se classificariam para a Copa de 1994. Em 1996, disputando o Europeu como anfitriões, os Three Lions tornariam às semis, mas seriam eliminados pela Alemanha, vencedora do certame. Déjà vu.

Para a Itália, o terceiro lugar na Copa foi um prêmio de consolação agridoce. O sonho de ganhar mais um título mundial em casa, igualando a geração de 1934, não virou realidade, então restou aos azzurri se concentrar no próximo desafio: a Eurocopa de 1992. Só que Vicini não conseguiu classificar a Nazionale para a competição e perdeu o emprego. O treinador foi substituído por Arrigo Sacchi, que levaria os italianos a um voo mais alto em 1994: a final, perdida para o Brasil nos pênaltis. O tão sonhado tetra só seria conquistado em 2006 – mas isso já é uma outra história.

Itália 2-1 Inglaterra

Itália: Zenga; Bergomi, Ferrara, Baresi, Maldini; Giannini (Ferri), Ancelotti, Vierchowod, De Agostini (Berti); Baggio, Schillaci. Técnico: Azeglio Vicini.
Inglaterra: Shilton; Stevens, Parker, Wright (Webb), Walker, Dorigo; Steven, McMahon (Waddle), Platt; Beardsley, Lineker. Técnico: Bobby Robson.
Gols: Baggio (71’) e Schillaci (86’); Platt (81’)
Árbitro: Joël Quiniou (França)
Local e data: estádio San Nicola, Bari (Itália), em 7 de julho de 1990

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